«Tenho dois grandes sonhos: representar a seleção e o Sporting»

4 out 2016, 10:22
Flávio Paixão (foto Lechia Gdansk)

Paixão é sinónimo de golos na Polónia, com os gémeos a somarem já nove golos, mas Flávio conta que não são tudo sorrisos. Também há dias de treino com 16 graus negativos, em que mal se pode sair de casa. E as saudades de Portugal apertam.

Estórias Made In é uma nova rubrica do Maisfutebol que olha para os portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar ou a treinar em cada canto do mundo e este é o espaço em que relatamos as suas vivências:

Quase 3 mil quilómetros separam Gdansk, na Polónia, da solarenga vila de Sesimbra, onde há 32 anos nasceram dois irmãos cujo apelido se tornou sinónimo de golo: Flávio e Marco Paixão. Os gémeos portugueses, terror das defesas adversárias, estão de novo juntos, na Polónia, e a fazer estragos. Em 11 jogos pelo Lechia Gdansk para o campeonato, já marcaram quatro golos cada um, e Flávio apontou ainda um tento na Taça.

Flávio falou ao Maisfutebol no final da derrota por 3-0 com o Legia Varsovia, adversário do Sporting na Liga dos Campeões. Apesar do adiantado da hora e do resultado – que o extremo desvaloriza porque a equipa continua nos lugares cimeiros da tabela - , não há muito que tire a alegria da voz de Flávio… a não ser as saudades da família e dos amigos em Portugal e o rigoroso inverno que o levam a não querer sair de casa.

«Já estou muito habituado à vida aqui. Falo um bocadinho de polaco e, tanto eu como o meu irmão, adaptámo-nos muito bem. É um país tranquilo, e, em termos de futebol, tem estádios muito bons. Para nós, tem estado a correr bem até hoje, temos marcado sempre muitos golos e este ano também temos objetivos altos no campeonato», começou por contar.

E como ultrapassaram a barreira linguística? «Há umas semanas tivemos aulas. Queriam que nós aprendêssemos rapidamente, mas o polaco é muito, muito difícil de perceber».

«As primeiras aulas foram um bocado estranhas para nós e para um brasileiro e um inglês que também lá estavam. Havia dias em que estávamos na aula e riamo-nos tanto porque não entendíamos nada. E depois aconteciam coisas como o professor dizer-nos uma coisa, nós chegarmos ao treino e dizermos aos colegas e eles começarem: “o que é que estás a dizer? Isso não é nada assim”… era uma confusão. Talvez estivessem eles a tentar enganar-nos, não sei», contou, sem conseguir deixar de rir. «Mas agora já falamos mais no dia-a-dia e percebemos bem melhor».

E como pode ver pelo vídeo, feito na altura do Polónia-Portugal, do Euro 2016, os irmãos já sabem dizer de facto umas coisas em Polaco.

Mas nem tudo são sorrisos. «Sinto cada vez mais falta de Portugal», confessou, não escondendo alguma tristeza. «Saí de casa para o FC Porto B com 19 anos e aos 32 anos ainda estou fora de casa. Chega a uma altura da vida em que se sente falta de estar com o pai, com a mãe, com os amigos, de estar em casa, de sentir o amor e o carinho das pessoas que realmente me querem. E, às vezes, estar longe faz com que a pessoa passe muito mal».

«Cada vez mais tenho mais saudades e vontade de voltar, de estar com as pessoas que realmente me amam. Há pouco tempo morreu o meu tio, que era como um irmão para nós, e isso afetou-me um pouco e faz com que veja a vida de outra maneira», admitiu.

E não são só as pessoas que fazem falta. «Cá, o que me custa mais é o clima… e sinto falta da comida portuguesa», confessou. A questão gastronómica melhorou com a chegada de dois reforços à equipa: o jovem João Nunes e o luso canadiano Steven Vitória. «Estamos quase sempre juntos e a mãe do João, de vez em quando, faz uma comida portuguesa para todos, a mulher do Steven também. É uma forma de nos sentirmos em casa», contou.

Os portugueses sempre juntos

Mas não dá para transportar para Gdansk os amenos invernos de Sesimbra. «Agora não está assim tanto frio, mas a partir do próximo mês já começa a fazer muito frio. Para nós, que nascemos na praia, é sempre difícil. Apesar de Gdansk ser também zona de praia – vivo a 50 metros da praia -, tem um inverno com neve, com muito frio, e em Lisboa não há nada disso».

«No ano passado cheguei a treinar com temperaturas de 16 graus negativos. Custa muito treinar, os campos ficam congelados e temos que ir para o sintético ou para os indoor… é sempre preciso arranjar uma solução para o problema», explicou. E não é só o trabalho que é difícil com tanto frio.

«A rotina no inverno é casa-treino-casa-treino. Custa-me sair. Passo muito tempo em casa porque para sair é preciso levar muita roupa, e eu não gosto de andar a passar frio. Depois, com tanta neve na estrada, também há o perigo de irmos a conduzir e acontecer alguma coisa».

Para Flávio, esse frio também explica o facto de «os polacos serem pessoas muito mais sérias, mais fechadas». «Viajei muito pelo mundo e dei-me conta de que nos países com mais frio é onde estão as pessoas mais sérias, nos países com mais calor estão as pessoas mais extrovertidas. Aqui, e já na Escócia achei igual, as pessoas são muito sérias, parece que levam tudo muito a peito, mas nós, por norma, damo-nos bem com toda a gente».

Além dos golos, Flávio e Marco são conhecidos pelo sentido de humor e pelas brincadeiras. Jogando na mesma equipa, e sendo tão parecidos (Flávio garante que as pessoas os distinguem), nunca tentaram fazer-se passar pelo outro? «Só quando éramos miúdos. Na escola fazíamos umas brincadeiras. Cheguei a trocar e ir às aulas do Marco e os professores não davam conta», confessou. Mas houve quem desconfiasse. «Tínhamos a mesma professora de Português e um dia, quando eu entrei na aula, a professora começou a dizer: «O que é que estás aqui a fazer, Marco? Tive que mostrar o bilhete de identidade e tudo para a professora acreditar que era eu».

Além do Sesimbra, onde começaram, jogaram juntos no FC Porto B, passaram por clubes diferentes em Espanha, voltaram a juntar-se na Escócia, no Hamilton. Depois seguiu-se o Irão, para ambos, mas em clubes diferentes. Marco voltou primeiro à Europa. Jogou no Chipre e no início da época 2013/14 rumou à Polónia. Flávio juntou-se depois ao irmão no Slask Wroclaw. Na época passada, Marco saiu para o Sparta de Praga, esteve lá seis meses, e depois saiu para o Lechia Gdansk no mercado de inverno. Flávio seguiu-o pouco tempo depois.

Fazem questão de jogar na mesma equipa? «Tem sido coincidência. As pessoas gostam de nos ver jogar juntos, veem-nos como uma mais-valia», contou Flávio, admitindo: «Para nós é melhor, jogar em família. Já fazemos isso desde miúdos».

E também foram adversários. «Foi um bocado estranho. No Irão, acho que o Marco ganhou esse jogo e marcou um golo. O treinador pô-lo a marcar-me nos cantos e o Marco só dizia: “tranquilo, tranquilo”».

Flávio garante que os irmão não competem para ver quem marca mais golos. «Não. Há muita gente aqui na Polónia que diz isso, mas não é verdade. Isto é tudo natural, fruto de trabalho e de acreditarmos em nós próprios e este ano já fiz uma ou duas assistências para ele».

Os gémeos em campo

É inevitável falar da seleção… «Aqui na Polónia também falam disso… Nós trabalhamos sempre da melhor maneira para que isso aconteça um dia, acreditamos sempre que pode ser possível», disse Flávio, garantindo não sentir qualquer amargura por não ter sido ainda chamado, embora admita o desejo antigo: «O sonho de qualquer miúdo é representar o país do seu coração»

«O treinador tem sempre as suas opções para a equipa e eu é que tenho que fazer o possível para que ele mude de ideias. Seria ótimo e estou sempre disponível, tal como o meu irmão. O Marco é mais um 9, eu um extremo. Há dois anos, ele marcou 28 golos, eu marquei 20. No ano passado marquei 12, agora já vou com 4. Somos jogadores que temos sempre muitos golos, todos os anos», frisou.

Mas, além das portas da seleção, também as do regresso a Portugal têm estado fechadas. «Até hoje nunca surgiu nenhuma proposta de Portugal. Se calhar temos que marcar mais golos, fazer mais assistências, jogar melhor… Eu digo sempre, se tiver que fazer a carreira toda fora de Portugal, faço. Se for preciso, continuarei fora a fazer sucesso e a representar Portugal», frisou.

A cumplicidade com o irmão em campo

Mas o desejo é voltar, e para um destino específico: «Tenho dois grandes sonhos no futebol: representar a seleção nacional e o Sporting. São os dois grandes sonhos da minha vida. Cabe-me a mim trabalhar para ver se, até ao final da carreira, posso concretizá-los».

E por falar em Sporting, o que espera os Leões na deslocação à Polónia na Liga dos Campeões? «Quando vierem, no início de dezembro, já aqui fará muito frio, vai ser complicado por esse lado. Mas ainda falta muito jogo pela frente para chegarem a essa fase e acho que o Sporting tem todas as condições para passar».

«Eu ainda tentei arranjar bilhetes para o jogo, mas já não há. Esgotaram cinco horas depois», contou, e lembra: «os adeptos da Polónia são muito fanáticos, apoiam muito as equipas. Também fazia falta ao futebol português ter adeptos assim tão barulhentos, tão vibrantes. É bom para nós, jogadores, e também para o espetáculo».

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