“Mortalidade de 100% e de evolução rápida”: porque é que a ELA atinge pessoas novas?

26 dez 2021, 18:00
Esclerose Lateral Amiotrófica (APELA)

Bernardo Pinto Coelho, que morreu recentemente, tornou-se um exemplo na luta contra a Esclerose Lateral Amiotrófica, que lhe foi diagnosticada quando tinha 37 anos. Segundo os neurologistas, é por causa dos genes que esta doença degenerativa, sem cura e que costuma surgir depois dos 60 anos, atinge também pessoas mais jovens

O caso de Bernardo Pinto Coelho, 49 anos, que morreu recentemente com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), veio chamar a atenção para o facto de esta doença também atingir pessoas novas. Ou seja, há doentes que fogem ao perfil tradicional deste problema neurológico degenerativo, que o neurologista Mamede de Carvalho, um dos maiores especialistas do país nesta doença, descreve: “Afeta predominantemente o sistema motor e é rapidamente progressiva, condicionando a morte num espaço de tempo relativamente curto. Há quem dure 10 anos, outros um ano. O prognóstico é muito mau, a mortalidade é de 100% e a evolução para a morte é muito rápida”.

Segundo dados avançados à CNN Portugal pela Associação Portuguesa de Esclerose Lateral Amiotrófica (APELA), estima-se que em Portugal existam entre mil e 1200 doentes com ELA. E, apesar de ser associado a pessoas mais velhas, há quem ainda novo, como Bernardo Pinto Coelho, receba a notícia de que sofre desta esclerose.

Nas consultas médicas surgem “muitos doentes na casa dos 20, 30 e ainda mais dos 40 anos”, diz Mamede de Carvalho, diretor do Instituto de Fisiologia e investigador do Instituto de Medicina Molecular, lembrando que é a terceira doença degenerativa mais frequente em Portugal (a seguir ao Alzheimer e ao Parkinson), mas a que menos depende da idade do doente, exatamente por existem “muitos jovens com ELA”.

E nestes casos de pessoas mais novas, asseguram os especialistas, a grande responsabilidade é dos genes. “Temos a sensação de que estão mais ligados à questão hereditária”, refere explica à CNN Portugal a neurologista Anabela Pinto. Por isso, avisa, é importante que se façam estudos genético nas famílias, “principalmente para jovens doentes com filhos”.

Foi exatamente esta questão genérica e hereditária que pode ter estado na origem do problema em Bernardo Pinto Coelho, uma vez que não era o único na família que sofria de ELA. Foi-lhe diagnosticado quando tinha apenas 37 anos e desde então ficou conhecido pela forma otimista como encarava a doença e pelas partilhas que fez no seu livro “O Que Aprendi Com E.L.A”. Durante 12 anos contrariou as previsões que lhe foram traçadas: a de que teria apenas alguns meses de vida após o diagnóstico. Morreu no domingo, 19 dezembro, aos 49 anos.

“Cerca de 10% dos pacientes têm uma história familiar positiva. Ou seja, há mais casos na família”, realça a clínica, notando: “Os genes têm um papel importante”.

Apesar do peso genético, o maior fator de risco para a doença é ainda a idade. Anabela Pinto adianta que 80% dos casos ocorrem em pessoas com idade igual ou superior aos 60 ano

É também mais frequente nos homens, correspondendo a 60% dos doentes, e a esperança média de vida situa-se entre os três e os cinco anos, apesar de ser muito variável de doente para doente, segundo a APELA e o caso do Bernardo foi exemplo disso.

Os sinais de alerta 

O diagnóstico varia de pessoa para pessoa, mas os médicos concordam que é fundamental que seja feito de forma rápida e célere, para que o tratamento possa ter início rapidamente.

Mamede de Carvalho avisa que um dos primeiros sinais pode ser a falta de força num dos membros. O braço e a perna são as regiões mais comuns. A fraqueza pode também origem na região bulbar, ou seja, no tronco cerebral, o que causa dificuldade em falar e posteriormente em engolir devido a uma fraqueza na língua.

Mas há mais sintomas. A neurologista Anabela Pinto, por seu lado, alerta também para sinais como uma extrema fadiga sem que  esteja relacionada com  prática de exercício físico. “É determinante vigiar estes doentes o mais precocemente possível”, avisa a especialista.

Há, também, cerca de 3% dos doentes que apresentam fadiga respiratória, o que lhes provoca falta de ar. E há ainda casos, mesmo que raros, em que os doentes ficam com o “pescoço caído” por falta de forças cervicais.

Além disso, outras das características é a de que a região corporal onde ocorrem os primeiros sintomas dita o ritmo de progressão da doença degenerativa.  Foi assim no caso de Bernardo Pinto Coelho. “Era uma pessoa que ia ter uma sobrevida mais longa, foi inicialmente afetado nos segmentos mais baixos, tanto é que só deixou mesmo de escrever há três, quatro anos. Até lá, continuava a fazer exercícios”, recorda Anabela Pinto, que o chegou a acompanhar.

Dar tempo ao doente e preparar os familiares

“Sabemos que cinco a 10% dos doentes duram até três meses, têm uma evolução fulminante. Quando fazemos o diagnóstico, não sabemos é em que grupo é que o doente vai estar. Temos indicadores que nos fazem orientar, com algum grau de certeza, dependendo das queixas”, explica a clínica, que garante ser importante dizer a verdade aos pacientes e cuidadores.

“Quando passam três, seis meses sem evolução na perda neuronal, na perda do músculo, sabemos que é uma doença lentamente evolutiva”, continua, lembrando a importância dos doentes serem acompanhados por equipas multidisciplinares. Até porque passa-se por várias fases até que se chegue a um diagnóstico.

“É preciso preparar os familiares primeiro, depois dar tempo ao doente e aos cuidadores para perceberem e poderem fazer todas as questões que têm. Tentamos que percebam que não vão estar sozinhos, que não irão morrer por asfixia”, descreve a médica, explicando que há doentes que se recusam a receber o diagnóstico.

“Há doentes e familiares que nos proíbem de dar o diagnóstico, às vezes somos colocados em posições difíceis. Já me aconteceu chorar com eles. Precisamos de perceber o que o doente pode saber, o que não precisa de saber e o que não quer saber. Fazer este balanço nem sempre é fácil”, confessa

Nesta altura, a Associação Portuguesa de Esclerose Lateral Amiotrófica (APELA) pode ser uma grande ajuda para as famílias e cuidadores.

Tratamento para a doença sem cura

Para Mamede de Carvalho, o tratamento mais importante e com maior impacto na esperança de vida do doente e no alívio do bem-estar é o apoio ventilatório, quando o paciente precisa dele. “Melhora a qualidade de vida e prolonga-a”, garante o neurologista.

De acordo com os médicos, há ainda um medicamento a ser utilizado no mercado, que estende a sobrevida ainda que de forma “modesta”.

Também a neurologista Anabela Pinto diz que, apesar de ainda não haver cura para a doença, há tratamentos que ajudam a melhorar a qualidade de vida do doente.“Quanto mais cedo for o diagnóstico, mais depressa se consegue fazer alguma coisa. Ainda não há nenhum tratamento completamente eficaz, mas os que existem tendem a diminuir os sintomas”, conta.

Há, neste momento, muitos ensaios a decorrer para novos tratamentos. O objetivo, explica Mamede de Carvalho, é ter medicamentos capazes de condicionar as células dos neurónios para que não degenerem e que seja até possível alterar a expressão genética.

 

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