Pagamos hoje tanto de IRS como há 20 anos: “Um salário de 1.300 euros paga praticamente o mesmo imposto que pagava em 2003”

23 out 2023, 08:00
Dinheiro (Pexels)

Nos últimos anos, sobretudo a partir de 2013, "a receita do IRS tem crescido substancialmente", a reboque do aumento do peso dos impostos nos agregados familiares portugueses

A tributação efetiva do IRS registou um “crescimento significativo” nos últimos 20 anos, o que se traduz num aumento do peso do imposto nos agregados portugueses, sobretudo entre os solteiros sem dependentes. A conclusão é de um estudo, divulgado esta semana pela consultora PwC Portugal, que analisa a evolução do IRS entre 2003 e 2023.

Em concreto, os autores analisaram a evolução da taxa efetiva de IRS nos últimos 20 anos para a remuneração média mensal de cada ano (exceto 2022 e 2023, que decidiram excluir para evitar eventuais “distorções na comparação” pela diferenciação de fontes), em dois agregados distintos: por um lado, um sujeito passivo solteiro sem dependentes e, por outro, um casal com entrega conjunta da declaração de IRS e com dois dependentes.

Os dados demonstram que “a taxa efetiva de IRS em ambos os cenários tem vindo a aumentar significativamente” desde 2003. Para o solteiro sem dependentes que em 2003 auferia o salário médio mensal de 711,40 euros e em 2021 o salário médio mensal de 1.082 euros, a taxa efetiva de IRS aumentou de 0,61% para 8,58%.

Para um casal com dois dependentes que em 2003 auferia o salário médio mensal de 711,40 euros por titular e em 2021 o salário médio mensal de 1.082 de euros por titular, a taxa efetiva de IRS aumentou de 2,85% para 6,78%.

Taxa efetiva de IRS sobre remuneração média de cada ano nos dois cenários (Fonte: PwC Portugal)

De seguida, aplicaram o mesmo exercício para um salário médio mensal fixo de 1.300 euros, enquadrado no nível de remuneração média mensal atual. Ou seja, analisaram qual seria a evolução da tributação devida do IRS para o mesmo salário ao longo de 20 anos.

“Tendo em conta que o IRS é progressivo, ou seja, que os rendimentos maiores devem suportar um imposto maior, e que nestes 20 anos tivemos naturalmente um crescimento do salário mínimo e médio, a par com a evolução da inflação, o expectável seria que estes 1.300 euros tivessem hoje uma carga fiscal inferior do que há 20 anos, porque representam hoje muito menos poder de compra do que representavam há 20 anos”, começa por dizer Bruno Alves, Tax Partner da Pwc, à CNN Portugal.

No entanto, acrescenta, “o que se verifica é que o IRS devido sobre estes 1.300 euros é sensivelmente o mesmo que era há 20 anos”. No caso do solteiro sem dependentes, verificou-se que o IRS devido desceu 3,17% entre 2003 e 2023, enquanto o rendimento líquido de IRS cresceu 0,40% no mesmo período.

Simulação da evolução do IRS para um sujeito passivo solteiro sem dependentes que aufere um salário médio mensal de 1.300 euros desde 2003 (Fonte: PwC Portugal)

Já no caso do casal com dois dependentes, o IRS diminuiu “aproximadamente” 30% no mesmo período, sendo que “parte significativa deste decréscimo resulta do incremento da dedução à coleta por dependente”. Por essa razão, “o efeito não é tão evidente” nesse tipo de agregado, ressalva Bruno Alves. Consequentemente, o rendimento líquido de IRS cresceu 4,3%.

Simulação da evolução do IRS para um casal com entrega conjunta da declaração de IRS e com dois dependentes e que aufere um salário médio mensal de 1.300 euros, por titular, desde 2003 (Fonte: PwC Portugal)

O crescimento da tributação do imposto “verifica-se especialmente nos solteiros sem dependentes”, conclui, salientando que os 1.300 que este agregado aufere “representam hoje muito menos poder de compra, mas pagam o mesmo imposto que pagavam há 20 anos. “Isto decorre dos aumentos de impostos que foram ocorrendo ao longo destes 20 anos e que ainda não foram eliminados da carga fiscal que estas situações-tipo teriam”, argumenta.

"Não deixa de ser um dado surpreendente concluir que 1.300 euros hoje pagam praticamente o mesmo imposto que pagavam há 20 anos", destaca.

Receita do IRS "tem crescido substancialmente"

Os autores do estudo fizeram depois o mesmo exercício para um salário médio mensal de 7.000 euros, enquadrado no atual último escalão do IRS, "o grupo que teve o maior impacto na altura dos aumentos de impostos [a partir de 2010]", e que, segundo Bruno Alves, "tem ficado mais vezes de fora da reposição do rendimento líquido".

No caso de um solteiro sem dependentes que aufira desde 2003 um salário médio mensal fixo de 7.000 euros, o IRS cresceu, aproximadamente, 11% nos últimos 20 anos, enquanto o rendimento líquido de IRS decresceu 4,6% no mesmo período. Já na hipótese de um casal com dois dependentes, o IRS cresceu aproximadamente 8% no mesmo período e o rendimento líquido diminuiu 3,5%.

À semelhança dos 1.300 euros de salário médio mensal fixo, "o que se verifica é que, há 20 anos, 7.000 euros representavam muito mais do que representam hoje e estavam sujeitos a uma carga fiscal inferior", afirma Bruno Alves, sublinhando que isto "demonstra que o peso do IRS para estes contribuintes subiu substancialmente".

Nos últimos anos, sobretudo a partir de 2013, "a receita do IRS tem crescido substancialmente", destaca-se no estudo da PwC. "Os dados apontam para que o valor orçamentado para 2023 seja excedido, atingindo cerca de 18 mil milhões de euros, e que o crescimento se mantenha em 2024", acrescenta-se. Citando os dados do Dossier Estatístico de IRS 2019-2021 divulgado pela Autoridade Tributária, Bruno Alves lembra que cerca de 42% dos agregados portugueses não paga IRS, "naturalmente porque têm remunerações muito baixas".

"O que significa que esta receita do IRS é suportada pelos restantes 58%, essencialmente o grupo que se encontra nos níveis mais altos de rendimento", vinca.

A proposta do Orçamento do Estado para 2024 prevê uma atualização de 3% dos limites para todos os escalões do IRS e uma redução das taxas de IRS até ao quinto escalão. Todavia, uma vez que "as taxas do IRS são progressivas, esse efeito da redução das taxas nos primeiros escalões acaba por se prolongar para os escalões seguintes", embora "com um peso relativo menor", ressalva Bruno Alves.

O especialista conclui que este ano há de facto uma "redução transversal e significativa" do IRS. "A questão é se essa redução é suficiente ou não, e qual a evolução que se vai conseguir garantir para os próximos anos."

Neste contexto, a PwC vai trabalhar na atualização deste estudo para incluir estas alterações e perceber como se posicionam nesta análise a 20 anos. Ainda assim, adverte, "o objetivo da redução do IRS não pode ou não deve ficar-se pelas reduções apresentadas para 2024."

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