"A minha ida para a Comissão Europeia não significou a ida do PS para o Governo. É impensável que em março [de 2004] existisse algum génio que conseguisse prever o que aconteceu": Durão Barroso em tribunal

CNN Portugal | Vânia Ramos | Agência Lusa
19 dez 2023, 11:12
Julgamento do caso EDP. (Rodrigo Antunes/Lusa)

Durão Barroso, José Sócrates e Passos Coelho foram chamados a tribunal como testemunhas no julgamento do caso EDP, que tem como arguidos Ricardo Salgado e o antigo ministro da Economia Manuel Pinho.

A propósito da relação com Manuel Pinho, que se encontra em prisão domiciliária desde dezembro de 2021, Durão Barroso afirma que o arguido não é uma pessoa da sua amizade pessoal, mas que o conhece. "Manuel Pinho trabalhou no GES num momento em que também exerci lá algumas funções", declarou no Juízo Central Criminal de Lisboa, acrescentando que o trabalho de ambos não se cruzava. 

No que concerne a Ricardo Salgado, o antigo presidente da Comissão Europeia e atual presidente não-executivo do Banco Goldman Sachs International conhece-o "muito melhor", diz. "Quando saí do Governo em 95 fui consultor de uma empresa do GES. Não fui quadro. Tive uma relação pessoal e profissional, uma relação de amizade." 

Ainda assim, defende que o banqueiro "nunca usou a relação" que tinha consigo "para obter qualquer favor" em assuntos que envolviam o BES. 

O advogado Ricardo Sá Fernandes referiu em tribunal o momento em que Durão Barroso foi convidado a integrar a Comissão Europeia, em 2004, levando a "uma pequena crise" que colocou Santana Lopes no cargo de primeiro-ministro. Na mesma altura, Manuel Pinho fazia parte do quadro do BES. A acusação diz que o acordo por este assinado no mesmo período já visava um cargo no Governo.

Questionado pelo advogado de Manuel Pinho sobre se já previa a sua saída do executivo, Durão Barroso assegura que "não havia qualquer previsão". "Não tinha nessa altura qualquer probabilidade. O meu horizonte era cumprir o mandato. É completamente forçado… Aliás, a minha ida para a Comissão Europeia não significou a mudança de Governo para o PS", disse. "É absolutamente impensável que em março [de 2004] existisse algum génio no Governo que conseguisse prever isso". 

Reforçou ainda ter colocado como condição para a sua saída do Governo que o então Presidente da República Jorge Sampaio empossasse Pedro Santana Lopes como primeiro-ministro.

"Ao sair, sucedeu não um governo do PS, mas um governo do meu partido e do outro partido que estava coligado [CDS]. Era uma condição ‘sine qua non’, acho que não há nenhum génio politico que pudesse antever o que ia fazer a pessoa A, B ou C num governo seguinte", sublinhou.

Num depoimento que se debruçou muito sobre a situação política de há cerca de 20 anos, Durão Barroso explicou também que só definiu a constituição do seu Governo quando foi eleito primeiro-ministro, embora já tivesse algumas pessoas com quem falasse ou que agiam como interlocutores do partido para determinadas áreas.

“Não tinha uma equipa estruturada. Nunca formei um governo sombra, mas tinha pessoas com quem falava”, observou, relativamente ao contexto em que Manuel Pinho saberia ou não antecipadamente que iria ser ministro num futuro Governo do PS.

Acrescentou ainda que nem conhecia bem Carlos Tavares quando o chamou para ser ministro da Economia do seu executivo.

Sobre a queda da maioria PSD-CDS no final de 2004, já com o seu sucessor Santana Lopes no cargo de primeiro-ministro, Durão Barroso reiterou a estabilidade da maioria de centro-direita, mas reconheceu – com uma alusão à situação política atual – que a política também é feita de imprevistos.

“Em termos institucionais, é expectável que uma maioria absoluta seja mais estável, mas a política é feita de imponderáveis, como estamos a ver no nosso país”, disse.

“Se me pergunta se eu estava à espera do que se passou a seguir, não estava. É muito difícil alguém naquela altura prever o que iria acontecer. Nunca tinha havido uma dissolução com uma maioria parlamentar. Não havia precedente em Portugal, creio que até nem na Europa. Se há, é raríssimo”, sentenciou.

Manuel Pinho, em prisão domiciliária desde dezembro de 2021, é acusado de corrupção passiva para ato ilícito, corrupção passiva, branqueamento e fraude fiscal.

A sua mulher, Alexandra Pinho, está a ser julgada por branqueamento e fraude fiscal - em coautoria material com o marido -, enquanto o ex-presidente do BES, Ricardo Salgado, responde por corrupção ativa para ato ilícito, corrupção ativa e branqueamento de capitais.

José Sócrates e Pedro Passos Coelhos também são ouvidos esta terça-feira na qualidade de testemunhas.

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