opinião
Economista e Professor Universitário

Justifica-se um alargamento da tolerância para a inflação. A meta dos 2% parece ser impraticável

23 nov 2023, 15:57

A presidente do Banco Central Europeu continua intransigente na meta dos 2% para a inflação na Zona Euro. “Estamos determinados a reduzir a inflação para 2%”, disse Christine Lagarde, muito recentemente, a um jornal grego.

Nos Estados Unidos e na Europa, são já muitos os economistas e entidades a defender um alargamento da tolerância para a inflação. Os atuais constrangimentos mundiais impõem essa alteração.

No presente, colocam-se várias dificuldades à economia mundial. 

A volatilidade nos mercados de produtos alimentares manter-se-á tendencialmente em alta até ao fim da guerra na Ucrânia. Infelizmente, estima-se que o conflito esteja para durar. 

A Rússia encontra-se a especializar a sua economia na produção de bens e serviços na área da defesa militar. É um rumo perigoso. A economia russa cairá na armadilha da dependência da guerra para se manter a funcionar e a gerar emprego.

Enquanto Rússia e Médio Oriente tiverem controlo sobre o fornecimento de combustíveis fósseis, os preços da energia manter-se-ão elevados. Os preços de petróleo e gás são fortes impulsionadores da inflação, desencadeando um efeito dominó inflacionário em praticamente todos os outros mercados. 

No domínio da energia fóssil, é ainda importante sublinhar que as famílias com rendimentos baixos e moderados não conseguem ter alternativas substitutas à gasolina e ao gasóleo. Por esta razão, eventualmente, só no longo prazo será possível equacionar algum ajustamento na procura destes recursos.

A transição energética está severamente comprometida. A OPEP+ e a atual conjuntura geopolítica comprometem seriamente o processo.

Ao conjunto dos fatores enunciados, somam-se várias outras razões que estão a alterar estruturalmente o paradigma económico em praticamente todo o mundo.  

Durão Barroso refere que está em curso um processo de “regionalização” à escala mundial. Este processo conduzirá a uma redução significativa da quantidade e da diversidade de bens e serviços a circular entre países. O Banco de Portugal deu já nota da perigosa redução em curso das exportações nacionais

O enfraquecimento demográfico nos países desenvolvidos produz efeitos positivos nos salários médios.

Os sérios desafios que se colocam à produtividade europeia e o envelhecimento da população também impactam negativamente no produto das economias e na oferta de bens e serviços.

Vítor Constâncio, antigo Vice-presidente do Banco Central Europeu, a propósito da manutenção da meta dos 2% para a inflação, refere o seguinte: "Se houver uma tendência para uma ligeira subida da inflação, manter os 2% vai introduzir um enviesamento recessivo permanente na política monetária.”

Joseph Brusuelas, antigo economista-chefe da agência de notícias financeiras norte-americana Blommberg, sugere, para os Estados Unidos, “uma abordagem gradual, com a Reserva Federal norte-americana a aumentar discretamente o nível de tolerância para a inflação para um intervalo de 2,5% a 3,0%.”

O reconhecimento de que a “meta dos 2%” estará já longe de ser realista alteraria a intensidade da política monetária contracionista e contribuiria para diminuir a probabilidade de ocorrência de fenómenos económicos recessivos e geradores de desemprego.

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