Ainda há histórias de 'foram felizes para sempre': "Nunca nos faltou um beijinho, nem uma gargalhada"

12 nov 2023, 08:00
Anabela e Jean Jaques Rivéra

Anabela e Jean e Lurdes e Fernando são protagonistas de amores tão longos que já se confundem com os tempos. São casamentos com dezenas de anos, uniões que são uma inspiração para quem os rodeia. E onde não falta respeito, carinho e dedicação

Jean Jaques Ravéra era uma estrela do futebol francês. Tinha 25 anos, jogava no Marselha, quando se viu confrontado com a necessidade de mudar de clube e de país. Já tinha dito ao empresário que queria “viver novas experiências”. Quando o homem que lhe geria a carreira lhe ligou, confrontou-o com três destinos: Espanha, Itália e Portugal.

“Até hoje, não sei porque escolhi Portugal. Qualquer jogador naquela altura teria escolhido Espanha ou Itália. Mas eu nem coloquei outra hipótese. Alguma coisa me chamou para aqui”, conta Jean, num português adocicado com um ligeiro sotaque francês, em conversa com a CNN Portugal.

Já tinha tudo acertado com o Famalicão, mas, “nessa mesma noite”, surgiram as notícias de que o clube minhoto, que tinha subido nessa época ao escalão principal, ia ser “relegado” para a terceira divisão, depois de um escândalo de corrupção desportiva, envolvendo precisamente o jogo que o tinha trazido para a primeira divisão. Jean não tinha saído do Marselha para jogar na terceira divisão. Queria mais. O empresário encontrou-lhe “um clube no Algarve, que estava na segunda divisão B” e disposto a aceitá-lo. Foi parar ao Silves. E foi aí que encontrou o “grande amor da sua vida”.

Anabela e Jean Jaques, quando se conheceram, em 1989

“O meu sogro era o presidente do clube”, começa por contar.

Anabela estava de casamento marcado com “um homem lindo, moreno, de olhos verdes”, com quem namorava há seis anos. Tinham casa comprada e faltavam menos de cinco meses para o dia 17 de setembro de 1989, o dia em que ia oficializar a união. Mas, quando, naquela “sexta-feira de manhã”, viu aquele francês, loiro e de olhos claros, Anabela soube que o seu destino ia mudar: “Achei-o tão lindo!”. Nesse mesmo dia à noite, o acaso voltou a juntá-los e encontraram-se num bar e combinaram terminar a noite na mesma discoteca. “Este terceiro encontro já fomos nós que provocámos”, admite Anabela.

A semana que se seguiu foi de turbulência emocional. Anabela conta que “só pensava nele”. E ele garante que não pensava noutra coisa: “Ele tinha um perfume muito bom. E aquele sotaque afrancesado…” Uma semana depois, voltaram a ver-se na mesma discoteca e Jean pediu Anabela em casamento nesse mesmo dia.

“Ela teve muita coragem”

O que se seguiu fez com que Jean se apaixonasse ainda mais por Anabela. “Ela teve muita coragem. Eu não tinha nada a perder. Mas ela tinha tudo. Admiro-a ainda mais pela coragem que teve. Sei que lhe diziam que eu era casado em França e que tinha filhos”, diz Jean.

Anabela e Jean Jaques no dia do casamento, a 28 de outubro de 1989

Mas Anabela confiou. Contra tudo e contra todos, pôs fim a um casamento quase certo e aceitou o pedido feito por Jean naquela discoteca, dias antes. Em pouco mais de uma semana, a sua vida dera uma volta de 180 graus. “A minha vida corria tão pacatamente aqui em Silves até me aparecer este gajo”, atira, antes de lhe espetar um beijo sonoro na bochecha.

“Pedia conselhos às minhas amigas. E elas diziam-me: ‘tu estás maluca! Vais deixar tudo por um tipo que conheces há uma semana?!’. Fui falar com a minha avó e ela, que era uma mulher sábia, disse-me: ‘Tu até podes nem casar com esse rapaz, mas agora não cases com o teu noivo, que isso agora já não vai dar nada’”, recorda.

“Naquele tempo, um jogador de futebol tinha má fama. Eu sempre fui um bocadinho fora da caixa como jogador de futebol. Tocava piano, tirei um bacharelato de Química… Mas, na mente das outras pessoas, eu queria-a para 15 dias e depois deixava-a. Mas não. Era a mulher da minha vida e ainda é”, garante Jean.

Anabela e Jean Jaques com a equipa do Silves, no dia do casamento, a 28 de outubro de 1989

Casaram um mês depois da data que estava marcada “para o outro casamento”. Até hoje. Já lá vão 34 anos. “Bodas de Oliveira, longevidade e resistência”, classifica Anabela, por entre olhares apaixonados a Jean.

Nunca mais se separaram

Anabela e Jean olham-se com a paixão dos casais em início de relação. Trocam carinhos frequentes, olhares ternurentos. Garantem que sentem pelo outro o mesmo que sentiram naquela sexta-feira em que se conheceram. As mesmas “borboletas na barriga”, a mesma vontade de estarem juntos… isto apesar de nunca mais se terem separado e de a sua vida ser 24 horas sobre 24 horas um com o outro.

Jean Jaques foi jogar para Campo Maior, onde nasceu a primeira filha do casal. Depois, com a carreira no futebol a aproximar-se do fim, regressaram ao Algarve e tomaram conta do negócio da família de Anabela. Um stand de automóveis, com oficina, que ainda hoje mantêm. “Não consigo conceber a minha vida saindo de manhã e só ver a minha mulher à noite. Não consigo conceber passar tempo nenhum longe dela. Às vezes, antigos jogadores convidam-me para jantar, mas se não for para as mulheres irem, eu não vou. Sei que não me vou divertir!”, conta.

Anabela e Jean Jaques nunca mais se separaram, desde o dia que se conheceram

Lembram-se de cada momento das suas vidas. O primeiro beijo foi “a 7 de maio, numa falésia, em Armação de Pêra”. O mesmo local que agora veem todos os dias ao acordar. Mudaram de casa e moram agora do outro lado da rua.

E os acordares, sobretudo ao fim de semana, são de enorme ternura. “Dividimos muito bem as tarefas. Ela acorda, levanta-se, eu ajudo-a a calçar os chinelos e a vestir o robe e faço-lhe o pequeno-almoço”, diverte-se Jean, enquanto Anabela regressa ao passado e admite que “dava um braço para viver aquela semana toda outra vez”.

“Unidos, como dissemos na igreja, para o melhor e para o pior”

Jean classifica-se como um otimista, que olha sempre para o lado bonito da vida. Recorda o nascimento dos filhos e do neto como os momentos mais importantes nesta união, em que ele e Anabela são “um só”. Mas também houve momentos difíceis. A crise económica de 2008 foi um desses períodos. Apanhou o casal com uma filha no Ensino Superior, a estudar longe de casa, e outro no Secundário. As vendas de carros desceram “imenso” e confessam agora que temeram pela sua vida financeira. Mas nem isso provocou qualquer fissura na união. “Quando há uma crise económica, as pessoas têm tendência a afastar-se, a separar-se. Nós não. Ficámos unidos, como dissemos na igreja, para o melhor e para o pior”, assegura Jean.

Quando, em novembro de 2012, um tornado atingiu a região de Silves, provocando uma enorme devastação, Anabela e Jean ficaram com a oficina “praticamente destruída”, com prejuízos avultados, superiores a 60 mil euros. Ainda se estavam a reerguer da crise de quatro anos antes e a vida voltou a dar um solavanco. “Estivemos quatro ou cinco meses sem poder trabalhar. Mas nunca nos faltou um beijinho, nem uma gargalhada, nem uma cerveja”, resume Anabela.

Anabela e Jean Jaques no dia em que fizeram 34 anos de casados, a 28 de outubro de 2023

E será que nunca se arrependeram da decisão súbita que tomaram há quase 35 anos? “Tendo em conta que um jovem se torna adulto aos 17 ou 18 anos e nós casámos com 23 e 25 anos, respetivamente, nós perdemos foi oito anos das nossas vidas”, responde Jean.

Beijos? “Só no dia do casamento! Antes nunca, nunca!”

Lurdes Ribeiro tem 89 anos e Fernando Pombo já conta 92. Estão casados há 68 anos e, antes de dizerem o sim, namoraram “uns dois ou três”. São de “outro tempo”, um “tempo muito bom”, com “muitas dificuldades” e “pouca fartura”, mas onde havia a “amizade da família”. “Casámos a 4 de outubro. Foi um dia muito bom. Foi a família toda… os tios todos. Um dia que não dá para esquecer”, recorda Lurdes, enquanto se preparava para passar a ferro.

Lurdes e Fernando ainda mantêm a horta à porta de casa. “Ainda na semana passada fomos apanhar as azeitonas da oliveira para retalhar. Não andámos em cima de escadas nem nada. Mas o meu marido tem um gancho na ponta de uma vara muito comprida e lá nos arranjámos”, conta Lurdes, numa voz jovial.

Fernando tem uma saúde mais frágil. Já foi operado duas vezes aos intestinos, revela já alguma surdez e “toma 15 comprimidos por dia, menina!”. Mas Lurdes diz com orgulho e gratidão que não precisa de qualquer medicação. “Rezo todos os dias à noite e agradeço a Deus ter-me dado esta saúde. Para poder valer-lhe a ele. Tenho de o ajudar em tudo… ele faz as coisas, mas já está muito frágil. Ajudo-o a vestir-se, a tomar banho…”, relata.

Com os dois filhos, os quatro netos e os três bisnetos a viver em Lisboa, têm-se um ao outro na pequena aldeia de Penamacor onde vivem. “Os meus filhos e os meus netos vêm cá muitas vezes e ligam todos os dias. São todos muito amigos, graças a Deus. É o meu maior orgulho. Ainda no ano passado nos juntámos todos no Natal e foi uma festa tão linda, menina!”, recorda Lurdes.

Bem-disposta e sem saudosismos, Lurdes viaja até aos inícios do namoro. Os pais dela eram contra, porque Fernando “não tinha assim nenhum emprego” que rendesse muito dinheiro. Mas, quando Fernando lhes pediu para namorar com a filha, tiveram de se render: “aceitaram porque eu era teimosa!”.

Durante o namoro, nem um beijinho foi trocado, assegura. “Só no dia do casamento! Antes nunca, nunca! Nem ele nunca tentou. Não adiantava. Eu tinha medo dos meus pais!”, relata.

O namoro foi daqueles à moda antiga. À porta de casa e no largo da aldeia onde todos os domingos se juntavam os jovens para dançar ao som da concertina.

Beijinhos, mãos dadas e abraços

Fernando tornou-se barbeiro, chegou a abrir uma barbearia na aldeia. Mas, mais tarde, veio trabalhar para Lisboa. “Depois, pensou em ir para França e esteve lá nove anos”, conta a mulher.

Lurdes nunca saiu da aldeia e foi educando sozinha os dois filhos, José Manuel e Natália. Lurdes trabalhou na plantação de eucaliptos e no cultivo do tabaco, fizesse sol ou chuva. “Foram tempos difíceis”, admite, mas nem por isso sem amor. Aos domingos, era dia certo para escreverem um ao outro, sem sequer ser preciso esperar pela volta do correio.

“Ainda o outro dia, uma das minhas netas encontrou aí uma carta que recebi e esteve a lê-la. ‘Oh avó! Isto é uma carta de amor!’. Está quieta! Dá cá essa carta, que é minha!”, conta.

As missivas, revela, começavam quase todas por “meu amor”. E não se pense que, em 68 anos, o amor foi diminuindo. Antes pelo contrário. Fernando está cada vez mais carinhoso com a mulher. “Olhe, eu nem era para lhe contar isto, mas conto na mesma: ainda hoje o estava a ajudar a vestir e ele disse-me ‘oh Lurdes! Anda cá, mulher! Agarra-me!’. E eu agarrei-o e ele agarrou-me a mim!”, confidencia.

Lurdes Ribeiro e Fernando Pombo garantem que ainda sentem amor um pelo outro, após 68 anos de casamento 

Um abraço que se repete cada vez mais. Lurdes diz que Fernando lhe dá beijinhos, abraços e gosta de lhe dar a mão. “Eu às vezes digo-lhe ‘oh homem, tu não eras assim…’ e ele responde-me ‘oh mulher, mas agora sou!’”, conta. Fernando tem consciência da fragilidade da própria saúde. E é grato a Lurdes pelo companheirismo e pelo cuidado.

Lurdes desfaz-se em elogios a Fernando: “É muito boa pessoa e estimou muito os meus pais”. Mas reconhece que houve tempos em que o feitio de Fernando a tirava do sério. “Às vezes amuava e deixava de falar para mim e eu é que tinha de me rebaixar sempre”, revela.

Lurdes ainda olha para Fernando com o mesmo olhar que um dia olhou para aquele rapaz “lá da aldeia” que passava incessantemente de bicicleta à porta dos seus pais. Fernando tem por ela uma ternura difícil de explicar e uma gratidão sem fim. Ainda há amor, garantem. Cuidam um do outro agora e sempre foi assim. Para Fernando, Lurdes é a mulher da sua vida: “Ai Lurdes… Se não fosses tu, Lurdes…”

Relacionados

Família

Mais Família

Patrocinados