A minha mulher morreu de cancro. Agora pergunto-me: “E se?…”

CNN , Ric Ward
27 ago 2023, 09:00
Doença Ric Ward e a sua mulher Lori Fotos Ric Ward para a CNN

OPINIÃO || Ric Ward e a sua mulher, Lori, à porta de casa, perto de Atlanta, em abril de 2022. Foto Ric Ward/CNN

Ric Ward é um escritor sénior da CNN International, com sede em Atlanta. As opiniões expressas neste comentário são da sua inteira responsabilidade.

 

O mundo da minha família mudou a 6 de julho de 2020.

A minha mulher, Lori, andava cada vez mais cansada, letárgica, fraca e confusa nos dias anteriores. Quem não a conhecesse bem pensaria que ela tinha tomado algum tipo de droga ilícita. Mas não tomara. Então, ficou claro que ela precisava de ir às urgências.

Nessa altura, o mundo estava a braços com a pandemia de Covid-19 e com as restrições inerentes, como a proibição de visitas no hospital. Por isso, quando lá chegámos, dei um beijo à Lori e vi-a ser levada de cadeira de rodas pelo longo corredor.

As horas seguintes foram excruciantes para nós os dois. Para mim, não havia nada a fazer, a não ser esperar, ter esperança e interrogar-me. Já Lori foi submetida a uma miríade de testes e procedimentos, incluindo uma radiografia ao tórax.

Quando os resultados da radiografia chegaram, revelaram “opacidades” na parte inferior do pulmão direito. Muitas vezes, isso indica pneumonia. Por isso, era perfeitamente possível que, com base nesses resultados, ela pudesse ter sido tratada com antibióticos, receber fluidos intravenosos e ser mandada para casa.

Mas, enquanto estava na sala de exames, Lori caiu.

Foi-lhe pedida uma TAC à cabeça, tanto para garantir que a queda não tinha causado danos ou hemorragias internas na cabeça, como para investigar a possibilidade de um AVC.

Foi então que elas apareceram: múltiplas lesões no cérebro - e não tinham sido causadas pela queda.

Liguei para as urgências várias vezes durante a noite para saber se havia novidades. Depois, às 5h15 da manhã, ligaram-me. Falaram-me da TAC e das lesões. A enfermeira disse que não se sabia ao certo o que eram as lesões, mas que podiam ser sinais de cancro no cérebro. Fiquei estupefacto. A enfermeira disse que estavam a preparar Lori para ser transferida para um hospital maior, onde um neurologista provavelmente faria uma biopsia.

Quando chegou ao hospital maior, foi-lhe feita uma ressonância magnética para ver melhor as lesões. Esta confirmou o que a TAC anterior tinha mostrado. A maior lesão no lado direito do cérebro tinha 2,6 cm x 2,3 cm. Havia pelo menos mais cinco lesões no lado esquerdo do cérebro.

A biopsia foi efetuada no dia seguinte e as amostras de tecido foram enviadas para o laboratório de patologia. Quando os resultados chegaram, os nossos receios confirmaram-se: era cancro. Mas havia algo que não fazia sentido para mim e perguntei ao médico: “Porque é que falavam de pneumonia quando ela estava nas urgências do outro hospital?”

Ele respondeu: “O que viram na radiografia não era pneumonia, era cancro no pulmão. Os resultados da patologia mostram que o que ela tem é um adenocarcinoma, cancro do pulmão, que se espalhou para o cérebro”.

De novo, fiquei estupefacto. A possibilidade de um cancro no cérebro já era suficientemente má. Mas a Lori tinha mesmo um cancro do pulmão em fase IV. 

Lori fumou durante anos, mas não preenchia os critérios para os exames de rotina ao cancro do pulmão. Ric Ward/CNN

Lori fumou durante muitos anos. Começou a fumar na adolescência. Mas um dos seus momentos de maior orgulho foi anunciar ao mundo que tinha deixado de fumar. Com exceção de alguns vaporizadores para largar completamente o hábito da nicotina, ela estava sem fumar há quase sete anos.

Seria de esperar que uma pessoa que fumou durante anos tivesse sido submetida a exames de rotina para detetar o cancro do pulmão. Mas não.

Quando lhe foi diagnosticado o cancro, Lori tinha 54 anos. Na altura, as diretrizes de rastreio da American Cancer Society (ACS, Sociedade Americana para o Cancro) e da United States Preventive Services Task Force (USPSTF, Grupo de Ação para Serviços Preventivos dos Estados Unidos) diziam que as pessoas entre os 55 e os 74 anos que tivessem fumado durante um determinado número de anos (e um determinado número de maços de tabaco por ano) deviam ser rastreadas para o cancro do pulmão. Lori não cumpria os critérios. Mas tinha cancro. Um cancro grave e mortal.

Não há forma de ter a certeza, mas tenho penso que se Lori tivesse sido rastreada nos anos anteriores, o seu cancro poderia ter sido descoberto mais cedo - quando era tratável.

A triste ironia é que, meses depois, as diretrizes de rastreio do cancro do pulmão foram alteradas para incluir as pessoas com 50 anos ou mais. Lori teria sido “qualificada” para exames de tomografia computorizada de rotina.

Isto ilustra o que considero ser um dos maiores fracassos na luta contra o cancro: a falta de um rastreio sólido.

É certo que as mamografias, os exames de Papanicolau e as colonoscopias se tornaram rotina nos EUA. Mas um estudo recente da Universidade de Chicago revela que apenas 14% dos cancros são detetados por rastreio. Os restantes são detetados quando surgem sintomas ou por acidente durante um exame para detetar outra coisa.

Pense nisso. Não faz sentido que, se a deteção precoce é uma das chaves mais importantes para evitar a morte por cancro, não se faça mais para detetar os cancros precocemente.

De facto, de acordo com a ACS e a USPSTF, apenas algumas formas de cancro têm diretrizes de rastreio. E algumas dessas diretrizes consistem apenas em ser informado dos riscos do cancro e dos prós e contras de fazer o teste, e não em critérios para fazer o teste.

O cancro da Lori não foi o primeiro episódio de cancro da nossa família. Um ano antes do diagnóstico de Lori, foi-me diagnosticado um cancro nos rins.

Não tinha fatores de risco importantes. Tinha 61 anos e era saudável. E não tinha sintomas - até que os tive.

Em finais de agosto de 2019, comecei a urinar sangue. Passados alguns dias, marquei uma consulta com um urologista. Ele pediu uma tomografia computorizada. Na manhã seguinte ao exame, telefonou-me e disse, com toda a naturalidade: “Tem um tumor de bom tamanho no rim direito. A boa notícia é que este tipo de cancro pode normalmente ser tratado através da remoção do rim”.

Disseram-me que o tumor no meu rim direito era do tamanho de uma toranja.

Existem estudos sobre a rapidez com que um tumor renal cresce. Embora não seja definitivo, um estudo mostra uma taxa média de crescimento de cerca de 2 cm por ano - alguns mais rápidos, outros mais lentos. Assim, a matemática simples indicaria que o meu tumor estava possivelmente a crescer há quase oito anos sem sintomas.

Ric Ward acredita que o cancro da sua mulher - e o seu próprio - poderia ter sido detetado mais cedo com exames regulares ao corpo. Ric Ward/CNN

Em outubro de 2019, o meu rim direito e algum tecido circundante foram removidos. Depois disso, fiz exames de acompanhamento a cada seis meses, que em 2022 mostraram que o meu cancro nos rins se tinha espalhado para os pulmões, o que significa que agora tenho cancro nos rins em fase IV. Atualmente, estou sob “vigilância ativa”. Faço exames de quatro em quatro meses para acompanhar o crescimento do tumor. Felizmente, os tumores nos meus pulmões têm-se mantido estáveis nos últimos tempos.

No caso de Lori e no meu, há uma boa possibilidade de que ambos os nossos cancros pudessem ter sido detetados meses, se não anos, mais cedo - se tivéssemos feito exames. Muitos médicos especialistas concordam que a deteção precoce salva dezenas de milhares de vidas por ano, provavelmente mais, ao detetar casos de cancro da mama, do colo do útero, colorrectal e do pulmão.

Porque é que não se dá mais ênfase à deteção precoce? Porque é que as diretrizes de rastreio são tão limitadas?

Acontece frequentemente que, quando as diretrizes de rastreio são atualizadas, a idade a partir da qual o rastreio deve ser iniciado é reduzida e os critérios de rastreio são alargados - tornando o rastreio recomendado para mais pessoas.

Então, por que não tornar o rastreio robusto do cancro - para todos os cancros - uma parte rotineira dos exames anuais de todos os adultos?

Talvez porque, para uma série de cancros, não há investigação científica que prove que o rastreio salva vidas. Mas suspeito que esta investigação não existe porque o rastreio anual robusto não é normalmente efetuado em adultos sem risco, ou que estão abaixo de uma idade limite.

Outra razão frequentemente invocada para não o fazer é a possibilidade de falsos positivos.

De facto, saber que se pode ter cancro não é algo que ninguém queira ouvir. Aumenta, de facto, os níveis de ansiedade. Aumenta a possibilidade de tratamentos desnecessários, como uma biopsia, que pode ser invasiva. Tem um custo financeiro.

No entanto, de acordo com a ACS, os doentes que tiveram um falso positivo têm mais probabilidades de fazer rastreios futuros. E um grande estudo publicado em 2015 mostrou que as mulheres que têm mamografias falsas positivas podem ter um risco maior de desenvolver cancro da mama diagnosticado nos 10 anos seguintes.

Algumas pessoas têm elogiado os benefícios das tomografias computadorizadas de “corpo inteiro” de rotina. Mas muitos têm questionado se os exames que conduzem a um tratamento mais precoce (e, presumivelmente, a um melhor resultado) valem a quantidade de radiação e o custo.

De acordo com um artigo de 2015 do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, “para uma pessoa comum, uma tomografia computadorizada está associada a um risco potencial muito pequeno - talvez cerca de 0,05%, ou cerca de um em 2.000 - de possivelmente desenvolver um futuro cancro. Se estivermos a tentar descobrir se tem cancro ou qual a melhor forma de tratar um cancro existente, esse pequeno risco potencial é largamente ultrapassado pelo benefício atual, que pode salvar a sua vida”. O artigo refere que os rastreios devem ser “otimizados e justificados”, o que muitas vezes significa que devem ser reservados para pessoas com fatores de risco ou sintomas.

Atualmente, os exames são recomendados em caso de sintomas ou de determinados riscos de cancro. Mas isso fecha a porta àqueles que, como eu, não tinham sintomas nem riscos conhecidos, mas tinham um cancro que poderia ter sido detetado mais cedo.

Eu poderia ter beneficiado de um exame de corpo inteiro. E o crescente número de empresas em fase de arranque que se dedicam a fornecê-los às pessoas, apesar da controvérsia e do seu custo, indica que outras pessoas sentem que também podem beneficiar deles.

É simplesmente um apelo para que os exames sejam mais acessíveis para aqueles que pensam que o risco vale a pena pela possibilidade de detetar precocemente um potencial cancro - bem como para que haja mais investigação sobre os potenciais riscos e benefícios destes exames, para que possam ser desenvolvidas melhores diretrizes de rastreio do cancro. E, em última análise, para que se possam salvar mais vidas.

O cancro é a segunda maior causa de morte nos Estados Unidos. A ACS estima que, em 2022, se registaram 609 360 mortes por cancro nos EUA.

Infelizmente, Lori foi uma dessas mortes por cancro. Morreu na manhã de 12 de novembro de 2022, em casa, com a família à sua volta. Foi o dia mais triste da minha vida - e a dor continua a cada segundo de cada dia. Apesar dos esforços heróicos de todos os médicos e de outros profissionais de saúde talentosos, o cancro cobrou o seu preço mortal e mudou não só a vida dela, mas a de toda a minha família.

Lori abraça a sua filha Shanna na cerimónia de graduação de Shanna na Universidade da Geórgia. Ric Ward/CNN

Lori era uma mulher, uma mãe, uma filha, uma irmã, uma avó, uma tia, uma alma bonita, divertida e sarcástica que adorava atuar em peças de teatro comunitárias, ir à praia de Panama City, cuidar de qualquer animal que visse, brincar com os netos e muito mais.

Quando olho para trás, não consigo deixar de me perguntar o que teria acontecido se o cancro da Lori tivesse sido detetado mais cedo. Será que ela ainda estaria viva hoje?

Depois de termos passado pelo que eu e a minha família passámos, penso nos milhares de pessoas que, neste momento, têm cancros a crescer dentro delas, mas não o sabem. E nos milhões que irão desenvolver cancro. Quantas dessas pessoas poderiam viver mais tempo com um rastreio mais sólido? E que obstáculos, como as limitações dos critérios de rastreio, as restrições dos seguros, o custo e a simples disponibilidade, impedem o rastreio e podem ser a diferença entre uma vida longa e próspera e a morte?

E depois de tantas perguntas, as duas mais importantes: se a deteção precoce salva vidas, porque é que o rastreio não está mais disponível? E o que é que se pode fazer para mudar isso?

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