Onde começou o beijo - e como se espalhou pelo mundo

CNN , Mindy Weisberger*
18 fev, 16:00
Um modelo de barro da Mesopotâmia, datado de 1800 a.C., mostra um casal nu, entrelaçado numa cama, a fazer sexo e a beijar-se. (Museu Britânico)

Beijo mais antigo registado pela humanidade traz nova reviravolta à sua história

"O encontro dos lábios é a mais perfeita, a mais divina sensação dada aos seres humanos, o limite supremo da felicidade."

Assim escreveu o escritor francês do século XIX Guy de Maupassant no seu conto de 1882, "O Beijo". Não foi o único a ter pensamentos exuberantes sobre o beijo. Há muito que os beijos românticos são celebrados em canções, poemas e histórias, comemorados na arte e no cinema.

Ninguém sabe ao certo quando é que os humanos descobriram pela primeira vez que o contacto boca-a-boca podia ser usado para o romance e o prazer erótico, mas os cientistas relataram, em maio de 2023, que as pessoas já se beijavam há pelo menos 4.500 anos. As descobertas, publicadas na revista Science, atrasaram a história da prática em cerca de 1.000 anos.

"O beijo é praticado há muito mais tempo do que muitos de nós imaginamos, ou pelo menos pensamos", afirmou o autor principal do estudo, Troels Pank Arbøll, professor assistente de Assiriologia - o estudo da Assíria e do resto da Mesopotâmia - na Universidade de Copenhaga.

Milhares de placas de argila da Mesopotâmia sobreviveram até ao presente; segundo os investigadores, as referências ao beijo ali encontradas permitem compreender a intimidade romântica no mundo antigo.

"Este estudo de caso fascinante vem juntar-se a um conjunto crescente de investigação científica sobre o beijo romântico/sexual e ajuda-nos a compreender as origens do beijo no comportamento social humano e, especificamente, na vida íntima", afirmou o biólogo da evolução Justin R. Garcia, professor de estudos de género na Universidade de Indiana, em Bloomington. Garcia, que investiga a cultura e a evolução da intimidade humana no Instituto Kinsey, não esteve envolvido na pesquisa.

"As experiências de comportamento romântico e sexual fazem parte de padrões mais amplos de comportamento social humano", explicou Garcia à CNN por e-mail. "Entender como esses comportamentos se expressam, mudam e evoluem nos ajuda a entender melhor quem somos hoje."

Quando de Maupassant escreveu as suas descrições sentidas de beijos amorosos, provavelmente não estava a pensar muito sobre como o beijo surgiu em primeiro lugar nas civilizações do passado. Mas as origens desta "sensação divina" estão profundamente enraizadas na história e na evolução humanas, e é provável que ainda haja muito a ser descoberto sobre o seu papel e significado nas culturas antigas, escreveram os autores do estudo.

Beijos apaixonados

Anteriormente, as mais antigas provas registadas de beijos eram atribuídas aos Vedas, um grupo de escrituras indianas que datam de cerca de 1500 a.C. e que são fundamentais para a religião hindu. Um dos volumes, o Rig Veda, descreve pessoas que tocam os seus lábios. O beijo erótico também é descrito em grande pormenor noutro texto indiano antigo: o Kama Sutra, um guia para o prazer sexual que data do século III d.C. Os estudiosos modernos concluíram, por isso, que os beijos românticos terão tido origem na Índia.

Mas entre os Assiriologistas, era do conhecimento geral que as tabuletas de argila da região mencionavam o beijo ainda antes de ser descrito na Índia, revelou Arbøll à CNN. No entanto, fora dos círculos académicos altamente especializados, poucos sabiam que tais provas existiam, acrescentou. No estudo, Arbøll e a coautora Sophie Lund Rasmussen, investigadora do departamento de biologia da Universidade de Oxford, no Reino Unido, escreveram sobre beijos inscritos em placas da Mesopotâmia que datam de 2500 a.C.

"Como Assiriologista, estudo a escrita cuneiforme", disse Arbøll. A escrita cuneiforme, na qual os símbolos são gravados em placas com canas triangulares cortadas, foi inventada por volta de 3200 a.C. A escrita cuneiforme primitiva era utilizada pelos escribas para a contabilidade, explicou Arbøll. Mas por volta de 2600 a.C. - talvez mesmo antes - as pessoas começaram a registar histórias sobre os seus deuses.

"Num destes mitos, temos a descrição de que estes deuses tinham relações sexuais e depois beijavam-se", disse. "É uma prova clara do beijo romântico sexual".

Em poucos séculos, a escrita generalizou-se na Mesopotâmia. Com isso, surgiram mais registos da vida quotidiana, com menções a beijos trocados por casais e por pessoas solteiras como expressão de desejo.

Alguns exemplos advertiam sobre os perigos do beijo; acreditava-se que beijar uma sacerdotisa que jurava uma forma de celibato "privaria o beijador da capacidade de falar", de acordo com o estudo. Uma outra proibição referia-se à impropriedade de beijar na rua; o facto de este aviso ter de ser feito indiciava que o beijo era "um tipo de ação muito quotidiana", embora fosse preferencialmente praticado em privado, referiu Arbøll.

Em milhares de placas cuneiformes, o beijo não é o tema mais mencionado, "mas é mencionado com regularidade", disse.

Não fales, beija apenas

Os humanos não são os únicos animais que se beijam - também os nossos parentes primatas mais próximos o fazem. Os chimpanzés (Pan troglodytes) trocam beijos como cumprimento. Para os bonobos (Pan paniscus), o beijo faz parte do seu jogo sexual muito frequente; copulam cara a cara e envolvem-se frequentemente em "beijos de língua intensos", escreveu o primatologista Frans B.M. De Waal, um biólogo comportamental da Universidade Emory em Atlanta.

É possível que o beijo romântico tenha evoluído nos primatas como forma de avaliar a aptidão de um potencial parceiro, "através de sinais químicos comunicados pela saliva ou pelo hálito", escreveram Arbøll e Rasmussen.

Mas beijar não é só convívio, diversão e prazer. Um efeito secundário menos agradável do beijo em humanos é a propagação de doenças infeciosas. Um outro estudo, realizado em julho de 2022 por mais de duas dúzias de investigadores de instituições da Europa, do Reino Unido e da Rússia, afirmava que o rápido aparecimento de uma linhagem do vírus do herpes simplex HSV-1 na Europa, há cerca de 5 000 anos, estava "potencialmente ligado à introdução de novas práticas culturais, como o advento do beijo sexual-romântico", na sequência de vagas de migração para a Europa a partir das pastagens euro-asiáticas.

Mas Arbøll e Rasmussen suspeitam que o beijo romântico se tornou aceite na Europa da Idade do Bronze, e não apenas devido à migração. É mais provável, escreveram, que a prática do beijo já fosse, pelo menos, ligeiramente familiar para as pessoas na Europa, porque era comum na Mesopotâmia - e possivelmente noutras partes do mundo antigo - e não se restringia apenas à Índia.

"Deve ter sido conhecido por muitas culturas antigas", afirmou Arbøll. "Não necessariamente praticado, mas pelo menos conhecido".

O beijo de então e de agora

Ao contrário dos beijos partilhados entre pais e filhos, que se pensa serem "omnipresentes entre os seres humanos ao longo do tempo e da geografia", os beijos românticos não são comuns em todo o lado. Ainda hoje, muitas culturas evitam o beijo romântico, relatam Arbøll e Rasmussen.

Num estudo realizado em setembro de 2015, em coautoria com Garcia, os investigadores analisaram 168 culturas modernas em todo o mundo e descobriram que apenas 46% dessas sociedades praticavam o beijo sexual ou romântico. Este tipo de beijo, segundo os autores, era muito menos comum em comunidades de camponeses e era mais provável de ser encontrado em sociedades com classes sociais distintas, "sendo as sociedades mais complexas mais susceptíveis de se beijarem desta forma".

Embora o estudo de Arbøll e Rasmussen sugira que o beijo romântico não era invulgar na antiga Mesopotâmia, os autores salientam que ainda existiam tabus sobre quem podia beijar e onde o podia fazer - e que o beijo romântico estava longe de ser uma experiência universal em todas as culturas.

"Este artigo é um alerta importante para o facto de que os beijos generalizados que vemos representados à nossa volta na sociedade ocidental de hoje nem sempre fizeram, e continuam a não fazer, parte das manifestações de intimidade de toda a gente", salientou Garcia.

Também é possível que, se o beijo no mundo antigo era mais difundido do que se pensava, era "talvez mais universal do que nos tempos modernos", acrescentou Arbøll. "Abre algumas questões que são interessantes para investigação futura".

*Mindy Weisberger é uma escritora de ciência e produtora de media cujo trabalho foi publicado em Live Science, Scientific American e na revista How It Works

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