"Tudo o que precisava era de mim mesma": a história de Beatriz Flamini, a atleta que passou 500 dias sozinha numa caverna "e podia passar mais 500"

15 abr 2023, 17:43

Em 20 de novembro de 2021 - três meses antes da Rússia invadir a Ucrânia - a alpinista entrou na caverna que viria a ser a sua casa durante mais de um ano. Monitorizada por uma equipa de cientistas, esta atleta levou as suas capacidades ao extremo

Aos olhos da vasta maioria das pessoas passar 500 dias sozinho numa caverna subterrânea escura pode parecer uma ideia assustadora. No entanto, foi precisamente isso que a atleta de elite e alpinista Beatriz Flamini fez, numa experiência original para explorar a capacidade do corpo e da mente em lidar com a solidão e a privação extrema.

Na última sexta-feira, Flamini voltou a ver a luz do dia ao emergir da sua caverna em Granada, Espanha, impondo assim um possível recorde mundial de tempo gasto sozinho numa caverna. "Eu estava à espera de sair e tomar um banho", disse a atleta surpreendida com a presença de vários repórteres à superfície.

Em 20 de novembro de 2021 - três meses antes da Rússia invadir a Ucrânia - a alpinista entrou na caverna que viria a ser a sua casa durante mais de um ano, nos arredores de Granada. Flamini foi sempre monitorizada por uma equipa de cientistas das universidades de Almería, Granada e Murcia, que mantinham contato, por meio de tecnologia de mensagens especiais e limitadas, com a atleta de 50 anos, natural de Madrid.

Antes de entrar na caverna, ela disse à sua equipa que não queria saber o que estava a acontecer do lado de fora, mesmo que envolvesse a perda de um ente querido.

Perante os repórteres, a atleta admitiu que chegou a perder a noção do tempo após o dia 65. Questionada sobre como conseguiu manter-se sã durante tanto tempo, Flamini apontou para a sua experiência e preparação mental. "Eu dou-me muito bem comigo mesma", acrescentou.

E sim, Flamini admite ter conversado consigo mesma - mas nunca em voz alta. Afinal, o silêncio da caverna, que “não era a sua casa”, tinha de ser respeitado. A chave era a consistência.

"Para mim, como atleta de elite de desportos extremos, a coisa mais importante é ser muito clara e consistente sobre o que pensamos, o que sentimos e o que dizemos", explicou. "É verdade que houve alguns momentos difíceis, mas também houve alguns momentos muito bonitos - e eu tive ambos ao cumprir meu compromisso de viver numa caverna por 500 dias."

Mas como é que Flamini passou o tempo e foi capaz de manter a calma? Leu, escreveu, desenhou e tricotou. Ao todo, leu 60 livros e utilizou duas câmaras para registar a experiência e, possivelmente, fazer um documentário. "Eu estava onde queria estar e dediquei-me a isso." O truque foi viver no momento presente: "Estou a cozinhar; estou a desenhar... Tens de estar focado. Se eu me distrair, vou torcer o meu tornozelo. Vou-me magoar. Se isso acontecer acabou e eles terão de me tirar de lá. E eu não quero isso."

Mas também existiram momentos difíceis em que se sentiu tentada a carregar no botão de pânico e voltar à superfície, particularmente quando foi atacada por uma praga de moscas. "Houve uma invasão de moscas. Elas entraram, colocaram suas larvas e eu não controlei, então de repente acabei envolvida por moscas. Não foi tão complicado, mas não foi saudável... mas foi só isso”, recordou.

Flamini admitiu ter ficado um pouco irritada quando chegou a hora de sair da caverna. A atleta estava a repousar e quando os cientistas desceram ao interior da gruta ela pensou: “Já?! De maneira alguma. Eu ainda não terminei o meu livro.”

Quanto à sensação de ver a luz, tantos dias depois, Flamini disse que não houve qualquer problema e até se confessou admirada. “Parecia que tinha acabado de entrar lá dentro. (…) Estou a ser honesta.”

Enquanto aguarda pela confirmação de que quebrou o recorde do mundo, Beatriz Flamini mostrou-se entusiasmada e capaz de passar muito mais tempo na caverna. "Eu ainda não tomei banho. Mas eu sou uma atleta de desportos extremos. E podia passar mais 500 dias”, frisou.

Europa

Mais Europa

Patrocinados