FACTOS PRIMEIRO | Costa culpou Rio por não haver aeroporto no Montijo por causa de divisões no PSD, Rio acusou Costa de mentir. Quem tem razão?

7 out 2023, 12:00
António Costa no CNN Town Hall (DR)

A indecisão sobre a localização do novo aeroporto não é de agora, mas continua a dar que falar. O tema voltou ao debate no evento CNN Town Hall desta segunda-feira, no qual o primeiro-ministro apontou o dedo a Rui Rio pela mudança de posição do PSD em relação ao projeto no Montijo

O primeiro-ministro, António Costa, alegou esta segunda-feira que o projeto para a construção do aeroporto no Montijo não avançou por causa do ex-líder do PSD, alegando que Rui Rio se recusou a alterar a lei que permitia contornar o veto dos municípios afetados pela obra por existir "uma grande dúvida" entre os sociais-democratas sobre a localização do novo aeroporto.

Rui Rio, por sua vez, acusou António Costa de mentir, esclarecendo que não apoiou a mudança de lei porque não queria “viabilizar uma situação em concreto”, isto é, a opção Montijo, e reiterando a sua posição de que a lei, a ser alterada, deveria ser “geral e abstrata”.

Numa altura em que a Comissão Técnica Independente - mandatada pelo Governo, após um acordo obtido há um ano com o PSD - está a estudar a solução para o novo aeroporto de Lisboa, estando previsto um relatório final ainda este ano, o primeiro-ministro quis esclarecer as dúvidas em torno da localização do novo aeroporto, culpando o PSD, e Rui Rio em específico, por não se ter avançado com a opção Montijo.

"O que aconteceu foi que quando houve dois municípios que decidiram que não concordavam com aquela solução [do aeroporto do Montijo] e era necessário alterar a lei [para viabilizar o projeto], o Dr. Rui Rio disse: 'eu não estou em condições de alterar a lei porque dentro do PSD há uma grande dúvida sobre qual deve ser a localização", acusou o primeiro-ministro, admitindo ter ficado surpreendido com a mudança de postura dos sociais-democratas, sobretudo quando o executivo socialista respeitou a decisão do anterior governo, de Pedro Passos Coelho.

"Então eu pus as minhas dúvidas de lado e aceitei a posição que o PSD tomou e o PSD agora, em vez de viabilizar a solução que o próprio PSD decidiu, tem dúvidas?", questionou Costa, assumindo-se como "o primeiro primeiro-ministro que, quando chegou ao governo, em vez de ter a tentação de reabrir o debate [sobre o novo aeroporto], se limitou humildemente a aceitar o que tinha sido decidido" pelo executivo anterior.

Esta terça-feira, Rui Rio acusou o primeiro-ministro de "mentir" ao afirmar que os sociais-democratas tinham dúvidas sobre a localização do futuro aeroporto. "Eu não disse que não apoiava a mudança da lei porque o PSD não se entendia sobre o novo aeroporto. Disse que que nunca o faria para viabilizar uma situação em concreto. A lei deve ser geral e abstrata", esclareceu o ex-líder social-democrata, numa publicação na rede social X (ex-Twitter).

Mudança da lei era "um pontapé no princípio de Estado de Direito"

Em causa está uma lei, em vigor desde 2007, que concedia poder de veto aos municípios afetados pela obra e que acabou por inviabilizar o projeto para a construção do aeroporto no Montijo, depois do parecer negativo das câmaras do Seixal e da Moita à execução da obra. Por causa da recusa destes dois municípios, a Autoridade Nacional para a Aviação viu-se obrigada a indeferir o pedido de avaliação do projeto, mesmo depois da 'luz verde' da Associação Portuguesa do Ambiente (APA).

Antecipando o veto dos municípios, o Governo sugeriu, em 2020, a alteração daquela lei de modo a contornar o veto dos municípios. Pedro Nuno Santos insistiu no parlamento que a lei era "desajustada e desproporcional", uma vez que conferia "poder de veto, no limite, a um só município". Na altura, os partidos da oposição manifestaram-se contra esta alteração, acusando o Governo de querer mudar a lei "à medida", apenas para fazer avançar o projeto da construção do aeroporto no Montijo.

O PSD estava entre as vozes de reprovação em relação à mudança da lei, recusando-se a dar ao mão ao Governo sobre esta questão. O então vice-presidente do PSD, David Justino, comparou a proposta do executivo de António Costa a um "pontapé no princípio de Estado de Direito". "Que a lei é estúpida, é. Mas é lei", declarou, no programa "Almoços Grátis" da TSF, em fevereiro de 2020.

Adão Silva, que liderava o grupo parlamentar do PSD na altura, confirmou esta terça-feira à CNN Portugal que os sociais-democratas rejeitaram inicialmente aprovar uma alteração da lei "à medida" para fazer avançar o projeto no Montijo, salientando dúvidas quanto à constitucionalidade dessa proposta. "Havia dois municípios liderados pela CDU [Seixal e Moita] que tinham feito reivindicações ao Governo com elementos compensatórios para levantarem o veto", recordou Adão Silva, referindo-se às audiências de António Costa e Pedro Nuno Santos com os autarcas dos municípios que teriam de dar um parecer para fazer avançar com o processo de licenciamento do novo aeroporto no Montijo. Além do Seixal e da Moita, ambos do PCP, António Costa ouviu também os municípios que se manifestavam favoráveis à opção Montijo: Barreiro, Alcochete, Montijo e Lisboa (todos do PS, na altura).

Como "não terão chegado a nenhum acordo", prossegue Adão Silva, o Governo propôs ao PSD para que "anuísse em alterar a lei para aquela circunstância concreta" do Montijo. "O que o Dr. Rui Rio disse na altura - e falámos bastante disso na altura - foi que não aceitava que a lei fosse alterada para este caso em concreto", esclarece Adão Silva, que recorda que o ex-líder do PSD pediu, em simultâneo, a realização de estudos para aferir se a opção Montijo era realmente a mais viável ou não. "Se assim era, então já estávamos em condições de criar uma lei geral, mais ampla, porque decorria de um trabalho de análise", acrescenta.

"O que o primeiro-ministro disse pode dar a ideia que havia uma grande controvérsia interna no PSD. Não havia. O PSD entendia-se bem sobre essa matéria, aguardava que fosse feito um estudo - que aliás está agora a ser feito [pela Comissão Técnica Independente, que está a estudar nove opções possíveis para a localização do novo aeroporto: Alcochete, Montijo, Santarém, Pegões, Rio Frio e Poceirão] - para depois fazermos uma nova lei, geral e suportada por um estudo", reforça.

A mudança de posição do PSD

Em março de 2021, quando se confirmaram os pareceres negativos dos municípios que levaram a ANAC a travar o projeto do aeroporto no Montijo, o Governo anunciou que iria pedir uma Avaliação Ambiental Estratégica sobre a localização do novo aeroporto de modo a chegar finalmente a um consenso sobre a matéria, numa aliança com o PSD, e assim rever a legislação para eliminar o poder de veto dos municípios no "desenvolvimento de infraestruturas de interesse nacional e estratégico".

Nesse dia, o PSD mudou de posição e mostrou-se disponível para alterar a lei. Rui Rio explicou na altura que esta mudança de posição ocorreu depois de o Governo ter admitido que todas as hipóteses de localização do novo aeroporto estão novamente "em cima da mesa", e não apenas o Montijo.

"Assim sendo, se é neste enquadramento que o Governo pretende mudar lei, nós estaremos de acordo com a mudança dessa lei. O que não estávamos de acordo era em mudar a lei para beneficiar um projeto em concreto, isso seria uma lei à medida. A partir do momento em que os projetos estão outra vez todos em aberto para se ver qual é o melhor, é o momento de repensar a lei", afirmou.

Em setembro do mesmo ano, Rui Rio reiterou a disponibilidade do PSD para alterar a respetiva lei, desde que "precedida de uma avaliação ambiental estratégica" e que a escolha da localização "fique em aberto". "Estamos disponíveis para rever essa lei, não para viabilizar uma situação em concreto, mas globalmente no país", insistiu o então líder dos sociais-democratas, em declarações aos jornalistas à margem de um evento em Castelo de Paiva.

Já em abril deste ano, o PSD cumpriu a palavra e aprovou, com o PS, a alteração à lei que contorna o veto dos municípios (apesar de os socialistas já nem precisarem desse apoio, tendo em conta a maioria absoluta). Com esta alteração, as autarquias continuam a ser chamadas a pronunciar-se sobre projetos nacionais inseridos no seu município, mas apenas sobre a "potencial afetação do concelho" e por razões ambientais.

Conclusão: A avaliar pelas declarações públicas na altura e pelos esclarecimentos do então vice-presidente da bancada parlamentar do PSD, é verdade que os sociais-democratas se recusaram inicialmente a alterar a lei de modo a contornar o veto dos municípios sobre a construção do aeroporto complementar no Montijo.

Quanto à existência de alegadas "dúvidas" internas no PSD a propósito da construção do aeroporto no Montijo, como sugeriu António Costa na segunda-feira, os sociais-democratas garantem que "não havia" quaisquer divergências sobre essa matéria no partido, mas sim sobre a constitucionalidade da alteração de uma lei "à medida". Ou seja, o primeiro-ministro tem razão quando diz que o PSD se recusou a alterar a lei, mas não sobre o motivo dessa recusa.

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