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Colunista e comentador

O rosto de Clara (de Sousa) e, sim, as agressões moram dentro de mim

7 abr 2022, 12:23
Clara de Sousa e Rui Santos (foto do arquivo pessoal de Rui Santos)

Leio que CLARA DE SOUSA, pivô da SIC, foi alvo de perseguição e ameaças nos últimos meses e sei bem que a televisão se tornou num lugar perigoso por vários motivos, porque espelha realidades que não são do agrado de todos.

No caso de CLARA DE SOUSA, que entra pelos lares das pessoas há muitos anos, como acontece igualmente com outros pivôs ditos de referência (JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS, RTP, R. GUEDES DE CARVALHO, SIC, JOSÉ ALBERTO CARVALHO, TVI), a exposição não decorre do facto de ter opiniões sobre as diversas matérias que fazem parte do quotidiano televisivo, sejam elas da política, da economia, da saúde ou do desporto, mas de levar ao público, com constância, as notícias que são preparadas normalmente por uma equipa da qual fazem parte editores e coordenadores — e outros jornalistas que poucas vezes aparecem para dar a cara, a não ser nas datas de aniversário das estações.

A CLARA DE SOUSA não é só cara, não é só o rosto, porque um(a) pivô quando se senta para “apresentar as notícias” já leva muitas horas de trabalho e preparação (sobretudo quando há entrevistados nos alinhamentos), mas é fundamentalmente o rosto para centenas de milhares de portugueses.

E, pelo que se sabe, foi e é o rosto dela que provocou a ira da mulher que a tentou agredir com um martelo, sob a alegação de que a CLARA lhe havia roubado o rosto e a alma.

Dito assim, parece um caso do foro psicológico e, se for, merece ser tratado como tal.

Nunca o problema da saúde mental assumiu uma dimensão tão premente. Ele sempre foi traumático e preocupante, mas a pandemia trouxe-o para um patamar arrasador.

As sociedades e as famílias têm de estar mais atentas aos sinais de derrapagem psicológica, que podem ter diversas origens e são tratáveis.

Repare-se: a mulher que ameaçou a pivô da SIC terá dito que esta lhe roubou o rosto e a alma. Quer dizer: ela compara-se com CLARA DE SOUSA e acha que, se não fosse a existência da jornalista, teria provavelmente salvaguardada a sua integridade física e psicológica.

Às vezes não é uma questão de saúde mental; é uma questão de mera inveja, essa besta que corrói a relação entre seres humanos e que convive mal ou com a beleza ou com o sucesso dos outros.

A televisão também é um lugar perigoso por causa disso.

Este tema das ameaças provoca em mim um sentimento ambíguo, porque habituei-me a conviver com elas e cheguei à conclusão de que, independentemente dos processos de intenção e até de comiseração, das promessas de protecção e outros sinais de extraordinária solidariedade, estás sempre entregue a ti próprio e não vales nada perante um sistema que não está preparado para respeitar os teus direitos e deveres.

Por um lado não queres valorizar; por outro lado sabes que estás sempre exposto e, finalmente, sabes que não podes, nunca, capitular, sob pena de perderes o respeito por ti próprio.

E sabes ainda que, por muito que te esforces, no sentido de não entregares nem o rosto nem a alma ao diabo, serás sempre desconsiderado, invejado, insultado, boicotado e agredido de várias formas.

Sim, fui agredido em Fevereiro de 2008, na sequência de uma emboscada que me fizeram de madrugada em Carnaxide, depois de uma hora de comentário em directo.

Estava (e estou) empenhado em denunciar o lado marginal do futebol que ainda tem tantos apaniguados e protectores.

No caso extremo do futebol, os clubes têm ao seu serviço gente que o analista RUI CALAFATE (CNN PT) apelida e muito bem de ‘exércitos de nojo’, pagos para fazerem o trabalho sujo, seja através das televisões desses clubes, seja através das redes sociais e da internet.

Não há antídoto contra isto porque os principais responsáveis dos clubes, os seus líderes, não amam a liberdade, não respeitem a liberdade, fazem tudo para ‘livremente’ a assassinarem.

São eles que estão por trás dos tais ‘exércitos de nojo’ e sentem-se protegidos porque, em Portugal, meter esta gente na prisão é uma ameaça a cada um dos membros da família de juizes e polícias.

Não há armas para tantos. Não há resistência psicológica que valha a coragem. E por isso este lindo País tem as mãos atadas. Não protege ninguém.

Não somos um país livre, acreditem. Vê-se até pelo comportamento das pessoas na internet. Espreitam, acabam por participar no trabalho sujo e não se comprometem.

Sim, tenho a alma cravejada de nódoas negras, tenho as omoplatas doridas de tantas pancadinhas de amor, em nome da solidariedade, e as ameaças, em momentos mais quentes, não páram.

Vais ter, CLARA, e agora, a compreensão dos nossos pequenos mundos. Nós estamos sempre na iminência de nos dizerem que te puseste a jeito, no teu caso apenas por teres um rosto e uma alma bonitos. Mas se de repente mudares o rosto e fizeres um update da alma haverá sempre quem embirre com a armação dos teus óculos ou a cor dos teus sapatos.

O stalking é um problema social e a sua criminalização passou a estar prevista no Código Penal Português . Os crimes contra a liberdade pessoal podem dar 3 anos de prisão.

É pouco, muito pouco, mesmo nada, quando temos de privar, em democracia, contra a falta de liberdade. É preciso não confundir pessoas doentes (que precisam de ajuda) com pessoas que promovem o crime.

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