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Comer ou calar — ‘À Braz' ou com mais molho?

17 mai 2022, 20:07
Rui Pedro Braz

Rui Santos escreve sobre um jovem dirigente do Benfica que deve ter a responsabilidade de não se deixar enlear pelas técnicas do ‘velho dirigismo’

"(...) O Benfica, a partir de hoje, não se vai calar com estas faltas de respeito"
Rui Pedro Braz, director desportivo do Benfica

 

É uma declaração forte, esta do dirigente 'encarnado', e não terá sido a primeira vez que um director de um clube 'grande' preferiu uma declaração deste tipo.

A história do futebol nacional está cheia de avanços e recuos, promessas de higienização e profilaxias e também está cheia de cuspe e gafanhotos.

É uma algazarra interminável, uma balbúrdia (no Oeste) que seria excelentemente satirizada por Mel Brooks.

Perdoe-se-me o plebeísmo, mas o Benfica, genericamente, o que quis passar esta época é que foi "comido" nas questões de arbitragem.

Já lá vamos, se foi "comido" ou não, mas em primeiro lugar queria relembrar que tenho uma posição clara há muitos anos sobre o tema.

Isto está tudo errado, de cima para baixo e de baixo para cima.

Está tudo errado porque são raras as excepções em que os dirigentes desportivos agem de acordo com as responsabilidades sociais de um clube de futebol.

Está tudo errado porque, em Portugal, a pirâmide está toda invertida: quem faz o espectáculo são os jogadores e a esses colocaram-lhes uma rolha na boca, como se fossem analfabetos funcionais e pessoas desprovidas de cérebro.

É uma coisa altamente insconstitucional, mas — perdoe-se-me de novo o plebeísmo — a malta habitua-se e, como dizem os espanhóis (não, não é por influência do PORRO e da novela corceira), no pasa nada!

Os jogadores não falam (colocam os agentes e a família a falar por eles), de vez em quando lá vem um tweet ou uma mensagem no instagram, porque isto não é a Rússia e, nos tempos que correm, os clubes também não conseguem colocar portagens e sinais de stop em todas as autoestradas de comunicação que ligam, por exemplo, Lisboa ou Madrid às ilhas Phi-Phi.

E, quando falam, é uma coisa altamente processada e tão inócua que até dói.

Nem sempre foi assim, e sei do que falo, como sabem do que falo jogadores, treinadores e diretores que permitiam o acesso até aos balneários das equipas, com respeito entre todas as partes.

Respeito talvez seja a palavra de ordem. Deixou de existir.

Ninguém confia em ninguém, o terreno parece estar sempre minado e o aparecimento das direcções de comunicação tornaram isto tudo ainda mais nublado.

Não há nenhuma contenção na linguagem, os comunicados parecem assinados por adeptos dos mais radicais, seja quando se fala dos adversários, dos árbitros, do VAR ou dos titulares dos chamados órgãos decisórios.

É uma postura inaceitável, que não se vê na Europa com o nível de regularidade e de gravidade que se observa em Portugal.

Os clubes de futebol, noutros domínios mas também neste da comunicação, têm essa capacidade de atrair pessoas ligadas aos media e já vimos que alguns deles enveredaram por um talibanismo difícil de entender.

Não há outra forma de olhar para isto: a radicalização do discurso e do ódio fomentado nesses gabinetes é da responsabilidade maior dos presidentes.

A comunicação será sempre o que os presidentes quiserem, sejam eles PINTO DA COSTA, FREDERICO VARANDAS OU RUI COSTA. É bom nunca nos esquecermos disso.

O problema é que no auge da radicalização do discurso há comportamentos que se têm tornado exacerbados e inaceitáveis e isso gera temores, os quais são trabalhados para se extraírem benefícios.

A coação no futebol português é uma coisa que já deveria ter sido banida há décadas mas que ainda convive com a maioria dos agentes desportivos, sobretudo árbitros e não só.

Porque não se faz nada em Portugal para atacar a origem do (macro) problema, criou-se a perceção de que o ruído dá pontos.

O respeito institucional, a contenção verbal, a educação deviam prevalecer nos relações entre os agentes desportivos da bola indígena, mas como nem FERNANDO GOMES (FPF) nem PEDRO PROENÇA (Liga) e muito menos o Governo têm força para mudar esta anormalidade, a tentação é responder com ruído ao ruído dos outros.

E isto assim é uma pescadinha de rabo na boca.

Definitivamente, não é o caminho e se esse for o caminho da comunicação do Benfica vamos voltar a níveis de confronto indesejáveis e a Liga portuguesa vai continuar a ser um produto invendável, e é uma pena porque tem um potencial desaproveitado.

Quem é que, não obstante a presença de alguns bons jogadores, e até em certos casos ‘craques’ autênticos (veja-se o caso recente de LUIS DIAZ), quer ver jogos de baixo ritmo, pejados de faltas e interrupções, simulações e tutti quanti de um arsenal de manhosices que os nossos intérpretes são férteis?

Quem é que quer consumir uma Liga de má fama por causa também do que se diz, dos ajuntamentos que se geram em torno dos árbitros, do comportamento dos ‘bancos’, etc., etc., etc.?

O futebol português está a precisar de uma ‘task force’ — a partir de uma intervenção política sem medos — que tivesse como objetivo desmantelar tudo aquilo que gera distorções na competição e insegurança nas pessoas.

Enquanto isso não acontece, não aceito mas até compreendo o alcance das palavras de RUI PEDRO BRAZ.

O Benfica conteve-se (PEDRO PINTO, na comunicação, foi decente) e, não sendo verdade que tenha sido prejudicado tantas vezes como declarou (esse é outro problema dos gabinetes de comunicação, que misturam razões de queixa reais com argumentos absolutamente falsos ou falaciosos), transmite a sensação de que, não fazendo tanto ruído como poderia ter feito, não ganhou nada com isso.

Quer dizer: o Benfica já sinalizou que não quer ‘ser comido’ e ficar calado.

Todos percebemos que o Benfica tem problemas da sua responsabilidade, que o próprio RUI PEDRO BRAZ teve a honradez de reconhecer, e que este tipo de discurso, já utilizado por LUÍS FILIPE VIEIRA, não deixa de ser uma forma de tentar preparar a comunidade do futebol para uma época de muito ruído e também de muitas pressões sobre as equipas de arbitragem.

Já se sabe que RUI PEDRO BRAZ foi impactado por uma técnica de downsizing, que passou por perder poder como decisor no futebol dos ‘encarnados’ (a favor de LOURENÇO COELHO, em linha directa com RUI COSTA) e que estas coisas às vezes também são consequências de ajustamentos necessários nas estruturas e dar que fazer a alguém que tem ligação contratual com o clube e alguma consideração presidencial.

Aliás, era muito pouco provável que RUI PEDRO BRAZ pudesse ter sucesso imediato como director-geral do futebol de um grande clube como o Benfica —  e isso só poder ter acontecido por magnas influências — uma vez que a sua experiência nesse domínio era igual a zero.

Um comunicador que comunica a favor dos interesses do Benfica (ou do Sporting ou do FC Porto) não se transforma automaticamente, quase que por encanto, não obstante os conhecimentos futebolísticos que possa ter, num preparado ‘homem forte’ do futebol.

É um cargo muito exigente, cujo sucesso também depende do grau de compromisso de quem faz parte da estrutura, e BRAZ foi vítima de ter chegado a uma estrutura mal qualificada, pouco coesa e em transição para alguma coisa que não se sabia muito bem o que era e se está a adaptar agora a uma nova realidade.

RUI PEDRO BRAZ deixou de ser um decisor, mas um operacional (com muito para fazer, em matéria de ajudar na tarefa de colocação de jogadores excedentários) e aqui pode ganhar uma experiência importante para o futuro, sabe-se lá se na condição, até, de um futuro empresário, com a benção de JORGE MENDES.

Uma vez, não há muito tempo, eu disse que o Benfica estava a aprender. Que o presidente estava a aprender (a ser presidente), que o diretor-geral estava a aprender, que o diretor de comunicação estava a aprender, que o treinador, então com pouco experiência de ‘primeira equipa’, estava a aprender e até que muitos jogadores não haviam sido preparados para sentirem o Benfica e por isso também estavam a aprender.

É muita aprendizagem junta e, na verdade, na próxima época estará muita coisa em jogo e a pressão vai aumentar, quer na Luz quer no Seixal.

É bom que RUI PEDRO BRAZ, sendo um jovem dirigente, tenha a noção de que, para merecer a oportunidade que teve para entrar num grande clube como o Benfica, não se deve transformar em mais uma peça do ‘velho dirigismo’.

Esse não faz bem a ninguém e é tempo de podermos ter esperança em novos dirigentes, com uma mentalidade mais arejada.

Um degrau mais acima ou mais baixo na estrutura, estará à altura do desafio?

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