Onde ganham e perdem as localizações para o novo aeroporto

ECO - Parceiro CNN Portugal , André Veríssimo
9 dez 2023, 12:31
Eco Aeroporto 1

A avaliação da Comissão Técnica Independente apontou uma opção favorita, mas todas apresentam forças e vulnerabilidades. Saiba quais

A divulgação do relatório da Comissão Técnica Independente (CTI) com a avaliação das opções para o novo aeroporto de Lisboa relançou o debate sobre a melhor localização para a infraestrutura. Os técnicos recomendam o Campo de Tiro de Alcochete conjugado com a Portela e consideraram inviável o Montijo e Santarém, o que motivou fortes críticas da ANA e dos promotores do projeto Magellan 500.

O trabalho da CTI e dos muitos investigadores que colaboraram no relatório, com mais de mil páginas, avaliou oito opções: Portela + Montijo, Montijo + Portela, Campo de Tiro de Alcochete, Portela + Campo de Tiro de Alcochete, Santarém, Portela + Santarém, Vendas Novas, Portela + Vendas Novas. Fê-lo à luz de cinco fatores críticos de avaliação, cada um com vários critérios, num total de 24.

A CTI recomenda uma opção dual, com a conjugação do aeroporto Humberto Delgado com outra localização, pelo menos até a nova ter capacidade para o substituir. O Campo de Tiro de Alcochete foi considerado a que apresenta mais vantagens, mas cada opção tem pontos fortes e pontos fracos. Confira abaixo quais.

Campo de Tiro de Alcochete

Estudado em 2008, “vencendo” na altura contra a Ota, o Campo de Tiro de Alcochete oferece capacidade de expansão, está numa área de domínio público e, tirando o Montijo, é a localização mais próxima de Lisboa. Apesar do nome, o aeroporto situar-se-á sobretudo nos concelhos de Benavente e Montijo.

Vantagens

Capacidade de expansão. As projeções de procura apontam para entre 66 e 109 milhões de passageiros em 2050 e 111 e 142 milhões em 2086, dependendo das taxas de crescimento. Só esta localização, Santarém e Vendas Novas conseguem responder ao cenário central a partir de 2050, por poderem crescer para três ou quatro pistas. O Campo de Tiro tem vantagem em relação aos outros dois devido à menor distância de Lisboa, reduzindo, por exemplo, o percurso a percorrer pelos passageiros em trânsito do Humberto Delgado.

Expropriações. Com grande parte do terreno de implementação em solo público, é o segundo que menos expropriações exige.

Menores constrangimentos no espaço aéreo. “Considerando as cedências das áreas militares, esta opção não apresenta grandes constrangimentos de espaço aéreo e a capacidade do novo aeroporto em Alcochete, ultrapassará os 80 movimentos aeroportuários”, assinala o relatório da CTI. Pode chegar a 136 movimentos.

Maior impacto económico. A conjugação entre o Humberto Delgado e o Campo de Tiro de Alcochete “é o que resulta em maior impacto macroeconómico”, com um efeito “muito favorável” em todas as dimensões, que vão do emprego e riqueza gerada à receita média por passageiro.

População afetada. É o que tem menor impacto na população em termos de poluição atmosférica e é equivalente a Vendas Novas e Santarém no ruído.

Constrangimentos

Acessibilidade rodoviária. O Campo de Tiro de Alcochete não está atualmente servido por bons acessos rodoviários, que teriam de ser construídos para o acesso à infraestrutura. O relatório estima um investimento público de 185 milhões de euros. Tem vantagem na acessibilidade ferroviária, uma vez que a ligação ao aeroporto poderia ser feita com uma “retificação do traçado de uma linha de Alta Velocidade já prevista”. Implica a construção da Terceira Travessia do Tejo, que faz parte do Plano Ferroviário Nacional.

Riscos decorrentes do contrato de concessão. O relatório diz que são baixos, mas a ANA, que detém a concessão dos aeroportos nacionais até 2062, defende a opção Montijo, que é mais barata do que Alcochete. A oposição a esta alternativa introduz a possibilidade de serem necessários reequilíbrios contratuais. No limite, caso a concessionária se opusesse a avançar com Alcochete, o governo teria de lançar um concurso público para atribuir nova concessão e indemnizar a ANA.

Custo mais elevado. O investimento estimado no relatório da CTI é de 3,23 milhões de euros, mais 74% do que o Montijo, ambos só como uma pista. Para funcionar como aeroporto principal, num horizonte a 50 anos, o custo sobe para mais de 8,2 mil milhões de euros. A Comissão considera que todos os aeroportos podem ser financiados apenas com as taxas aeroportuárias, algo que a ANA contesta.

Pegada carbónica. A maior distância face, por exemplo, ao Montijo, leva a que tenha um impacto maior em termos de emissões de CO2.

Montijo

O Montijo foi a solução proposta pela ANA em 2019 e chegou a ser celebrado um acordo com o Governo para avançar com o aeroporto. É o mais próximo de Lisboa, segundo a ANA pode estar pronto em quatro anos, oferecendo uma solução mais rápida para o reforço da capacidade aeroportuária. É, por isso, o preferido do setor do Turismo e também da companhia aérea Ryanair, que lhe chama a “solução óbvia”. O principal óbice apontado pela CTI é o limite na capacidade de expansão. Daqui a 30 anos, o país teria de estar novamente a discutir a construção de um novo aeroporto.

Vantagens

O mais rápido. Segundo o relatório da CTI, o Montijo pode começar a operar dentro de seis anos, um ano antes de Alcochete. A ANA já afirmou, no passado, que é possível estar a operar em quatro anos, permitindo responder mais rapidamente ao aumento da procura.

Acessibilidade. É a localização mais próxima de Lisboa. Fica perto da Ponte Vasco da Gama e da A12, sendo a solução que assegura melhor acessibilidade rodoviária. É também a que exige menor investimento para a ligação ao aeroporto (32 milhões de euros). Pode também ser acrescentada uma acessibilidade ferroviária, embora exija um investimento elevado. É o único que permite ter um acesso fluvial, batendo todas as outras opções na redundância multi-modal.

Pegada carbónica. A proximidade a Lisboa, que reduz as deslocações, faz do Montijo a solução com menos emissões poluentes.

Melhor custo-benefício. A solução dual da Portela com Montijo é a que exige menor investimento inicial segundo as contas da CTI (1,38 mil milhões de euros) sendo também a que gera mais valor para o promotor. É também a melhor na análise custo-benefício.

Menor risco do contrato de concessão. É a solução defendida pela ANA e já foi alvo de acordo com o Governo no passado, pelo que é a que menos risco contratual apresenta.

Expropriações. Instalado na Base Aérea n.º6, a construção do aeroporto não exige expropriações, tirando uma área limitada para os acessos (20 hectares).

O futuro aeroporto do Montijo. (ANA - Aeroportos de Portugal)

Constrangimentos

Capacidade de expansão. A CTI refere que “as opções que integram o Montijo não se mostram capazes de servir adequadamente a procura prevista, não ultrapassando o ano de 2050, mesmo no cenário de projeção mais reduzida”. No cenário base de procura, fica esgotado em 2038, segundo afirmou na terça-feira Rosário Partidário, coordenadora geral da CTI. Ou seja, daqui a menos de 30 anos o país teria de estar novamente a discutir a construção de um novo aeroporto.

Contingências operacionais. O aeroporto do Montijo é o que pontua pior no critério do espaço aéreo e territorial. Segundo o relatório, apresenta vários conflitos com áreas militares e “constrangimentos nos procedimentos de aproximação e descolagem por razões ambientais”.

População e biodiversidade. É a proposta que mais população afeta e também a que mais ameaça a biodiversidade, sendo considerada a mais prejudicial para a avifauna, segundo o relatório.

Impacto macroeconómico. De acordo com os estudos, é a opção que gera menor impacto macroeconómico a longo prazo, sendo penalizada pela incapacidade de expansão.

Santarém

O projeto foi apresentado publicamente em novembro de 2022. Promovido pela Magellan 500, liderada por Carlos Brazão, o aeroporto situa-se a norte de Santarém. A distância, mas sobretudo os constrangimentos ao tráfego aéreo, levaram a CTI a considerar esta solução inviável. O promotor discorda e diz que “o projeto não foi corretamente avaliado”.

Vantagens

Até quatro pistas. Tal como o Campo de Tiro de Alcochete e Vendas Novas, o aeroporto de Santarém permitiria garantir o crescimento da procura a longo prazo e substituir o Humberto Delgado.

Coesão territorial. Embora gere menor impacto macroeconómico do que Alcochete conjugado com a Portela, Santarém é a opção “que apresenta maior vantagem em termos de coesão territorial”, “dada a menor densidade económica e peso na economia nacional da região envolvente da localização”.

Acessos rodoviários. A proximidade à A1 é uma vantagem de Santarém, exigindo um investimento de apenas 15,5 milhões em acessibilidades, o valor mais baixo. No entanto, o tempo de viagem até ao centro de Lisboa é estimado em 67 minutos. O facto de Santarém não ter prevista a oferta de serviços de ferrovia de alta velocidade é uma desvantagem.

Constrangimentos

Pior na proximidade. Fica a 94 quilómetros do centro de Lisboa, o que leva a que seja o que pior pontua neste critério. O que faz ainda com que seja, a par de Vendas Novas, a pior opção em termos de pegada carbónica.

Contingências operacionais. O tráfego aéreo em Santarém conflitua com a base de Monte Real, que é usada no âmbito da NATO, e com Santa Margarida. Os constrangimentos nos serviços de navegação aérea levariam a “valores de capacidade inferiores aos do Humberto Delgado”, segundo o relatório. Uma conclusão contestada pelo promotor, que diz ter apresentado no início dos trabalhos da CTI “um projeto de compatibilização do espaço aéreo, demonstrando como o Magellan 500 é compatível com a base de Monte Real”.

Biodiversidade. Depois do Montijo, é apontado como a localização que tem maior sobreposição com áreas protegidas.

Desenvolvimento urbano. Tal como Vendas Novas, seria construído inteiramente em solos privados. O relatório aponta a necessidade de expropriar 1.360 hectares. É também o que apresenta menor disponibilidade de solo para o desenvolvimento de atividades económicas. O impacto macroeconómico é o segundo mais reduzido.

Risco do contrato de concessão. Santarém é a única localização fora da área de concessão da ANA e é a que apresenta maior risco jurídico, segundo o relatório, sobretudo num cenário em que viesse a substituir o Humberto Delgado. Uma desativação da Portela seria “passível de fundamentar o direito da concessionária (ANA) ao reequilíbrio e, caso o mesmo se revelasse excessivamente oneroso para o concedente (o Estado), a resolução do contrato com pagamento de uma compensação equivalente à que seria devida em caso de Incumprimento do contrato”. Ou seja, o Estado poderia ter de pagar uma indemnização sem racionalidade económica. A oportunidade seria abrir o mercado à concorrência, pondo fim ao monopólio da ANA. A necessidade de abrir um concurso público “implica um risco temporal”.

Vendas Novas

A opção estratégica Vendas Novas surgiu durante o período de recessão de propostas para a localização do novo aeroporto, lançado pela Comissão Técnica Independente no início do processo. É apontada no relatório como a “outra solução viável”, além do Campo de Tiro Alcochete.

Vantagens

Capacidade de expansão. O terreno dispõe de espaço suficiente para a implantação de uma matriz semelhante à do Campo de Tiro de Alcochete, podendo evoluir para quatro pistas.

Contingências operacionais. Segundo o relatório, “pelas suas características geográficas e de orografia esta opção assemelha-se bastante à do Campo de Tiro de Alcochete. Fica pior pontuada que este último devido à proximidade e possível conflito com a Área Militar de Beja.

Acessibilidades. A proximidade da A6 e a possibilidade de ligação à linha de Alta Velocidade entre Lisboa e Madrid são vantagens apontadas.

População afetada. Tal como o Campo de Tiro de Alcochete e Santarém, tem menor impacto do que a opção Montijo.

Biodiversidade. Vendas Novas é a única localização em que numa faixa envolvente de três quilómetros ao chamado polígono de implantação onde não existe uma área classificada. Por outro lado, é a que tem maior sobreposição com sobreiros. Ainda assim, é a que melhor pontua nos riscos ambientais.

Constrangimentos

Distância de Lisboa. A zona de localização do aeroporto ficaria a 70 kms de Lisboa. O tempo de deslocação por estrada estimado é de 49 minutos.

Expropriações. O aeroporto seria construído inteiramente em solos privados, obrigando à expropriação de 3.260 hectares. Um processo caro e moroso. Depois de Santarém, é o que tem menor área para desenvolvimento de atividades económicas.

Impacto macroeconómico. Vendas Novas é a opção que menos benefícios gera, devido à sua baixa densidade económica.

 

 

Patrocinados