Estado paga a uma equipa própria, mas continua a gastar milhões a contratar advogados (e a maioria por ajuste direto)

26 jun 2023, 07:00
Notas, dinheiro, euro, poupança. Foto: Adrien Fillon/NurPhoto via Getty Images

Uma equipa de 18 pessoas que custa quase 60 mil euros por mês não impede vários setores do Estado de continuarem a gastar. Só o Banco de Portugal fez vários contratos milionários nos últimos anos, muitos deles por ajuste direto

Todos os meses o Estado gasta quase 60 mil euros com o Centro de Competências Jurídicas do Estado, o JurisAPP. Um organismo criado pelo Governo em 2017 com o objetivo de ter uma equipa a trabalhar exclusivamente para o setor público, contribuindo com consultoria, assessoria e aconselhamentos jurídicos.

Apesar disso, todos os anos o mesmo Estado continua a gastar milhões de euros na contratação de advogados. Desde que o JurisAPP existe foram gastos 56.387.596 milhões de euros em apenas 11 sociedades de advogados, de acordo com o portal Base.

A análise da CNN Portugal incidiu sobre os contratos feitos entre Estado e as 11 sociedades de advogados que mais faturam no país, de acordo com os rankings do setor.

Valores em euros dos contratos feitos entre as sociedades de advogados e o Estado desde 2018

Sociedade

2018

2019

2020

2021

2022

2023

Morais Leitão

699.865

1.154.297

949.323

1.236.574

1.202.015

762.135

Vieira de Almeida

5.320.909

475.190

1.075.999

7.650.779

700.455

226.256

PLMJ

160.040

569.165

1.062.078

1.424.383

733.835

664.748

Abreu

273.654

97.280

328.785

594.640

418.812

529.323

Miranda

331.790

363.800

589.250

975.870

460.530

203.848

CMS

177.624

254.525

319.395

242.895

722.100

226.940

SRS

186.250

180.599

276.920

1.199.164

541.165

151.000

Sérvulo

1.434.410

1.945.385

1.301.315

2.406.886

2.355.408

1.057.190

Telles

335.550

237.210

72.100

536.536

665.890

315.880

CS

47.700

69.800

230.726

132.615

76.500

49.900

Cuatrecasas

1.471.920

3.471.043

1.145.032

359.800

1.135.200

457.275

Total

10.439.712

8.818.294

7.350.943

16.760.142

9.011.010

4.644.495

O JurisAPP tem 16 advogados e duas assistentes que trabalham em regime de exclusividade, sendo que alguns deles recebem salários que se aproximam do topo na Administração Pública. De acordo com o decreto-lei que definiu a criação do JurisAPP, quatro dos advogados, contratados como consultores seniores, recebem 4.688,49 euros por mês cada.

Contratos com as maiores sociedades feitos por ajuste direto

A figura do ajuste direto é comum na contratação de advogados. Sejam câmaras municipais, a RTP ou até universidades, é este o tipo de contrato mais realizado.

Dos 163 contratos entre o Estado e a sociedade Morais Leitão entre 2018 e 2023, 144 foram feitos por ajuste direto, sendo que os contratos com os valores mais elevados recorreram todos a este procedimento. É o caso da Câmara Municipal de Cascais, entidade que adjudicou os quatro contratos mais elevados com aquela sociedade, num valor total que chega perto de um milhão de euros.

É também o caso do Banco de Portugal. Apenas em quatro contratos, três com a sociedade Vieira de Almeida e um com a Cuatrecasas, foram gastos 14.715.000 euros. Montante que serve, segundo os contratos analisados, para "serviços de assessoria jurídica e patrocínio jurídico". Como na maioria dos casos, também estes contratos foram adjudicados com recurso ao ajuste direto.

De resto, e à semelhança da Morais Leitão, a Vieira de Almeida teve os seus contratos adjudicados por ajuste direto em 73 das 75 ocasiões que prestou serviços ao Estado no mesmo período. Já a Sérvulo, que é a sociedade que mais trabalha com o setor público, sendo conhecida por ser especialista na área, realizou 234 dos 267 contratos com o Estado através de ajuste direto.

O código da contratação pública prevê uma série de modalidades para que o Estado possa contratar. Entre elas está o ajuste direto, que tem regras claras: só pode ser usado em contratos com um máximo de 50 mil euros, sendo que esse limite baixa para 30 mil euros em casos de obras públicas e para 20 mil euros na aquisição de serviços, como seria o caso das sociedades de advogados.

Apesar disso, e de acordo com o que está previsto no código da contratação pública, existem exceções que podem legalizar contratos acima dos valores referidos. São cenários desses o facto de um concurso ficar deserto ou se, por motivos imprevisíveis, não existir tempo para o lançamento de um concurso.

Na prática, e como acontece nos contratos analisados, a maioria dos casos de contratos de serviços jurídicos acaba por ter sempre presente alguma das exceções previstas para o limite de preços dos ajustes diretos.

Despesa para este tipo de serviços aumenta

Não é possível perceber com exatidão quanto é que o Estado prevê gastar todos os anos com serviços jurídicos, mas as parcelas onde estes estão inseridos têm vindo a aumentar substancialmente.

De acordo com os últimos Orçamentos do Estado, e na parte que analisa os gastos em estudos, pareceres, projetos e consultadoria, onde se incluem os pareceres jurídico e a assessoria, em 2023 o setor público prevê gastar 245.644.213 euros. Bem mais do que os 181.535.534 euros previstos para 2022 e quase o dobro dos 136.200.249 alocados em 2021.

Fora das contas referidas no portal Base estão eventuais serviços jurídicos que o Estado tenha contratado para empresas como a TAP, por exemplo. Mas dentro das parcelas que incluem os estudos, além daquilo que é gasto em advogados, estão os valores de estudos como os encomendados para se perceber onde vai realizar, afinal, o novo aeroporto de Lisboa.

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