Gosta de andar de bicicleta, não escreve com qualquer caneta, e não se cansa de comer bife grelhado com arroz e verduras. Fernando Medina, o novo ministro das Finanças

24 mar 2022, 00:27
Fernando Medina (PS) em campanha para a Câmara de Lisboa

178 dias depois da derrota surpresa nas eleições autárquicas, Fernando Medina volta a assumir um lugar de destaque na política nacional: na próxima quarta-feira assumirá a pasta de ministro das Finanças. Com sentido de humor, por vezes impaciente, desportista ao fim-de-semana. O que é que a sua experiência como presidente da Câmara de Lisboa revela sobre este portuense de 49 anos?

Durante as reuniões que lidera ou as conferências que dá, é comum Fernando Medina invocar episódios da série “Sim, Senhor primeiro-ministro”. É uma forma de revelar o sentido de humor mas também de passar algumas mensagens. Um dos episódios que mais conta à sua equipa relata uma conversa entre Sir Humphrey, um ficcional e astuto secretário do governo britânico, e James Hacker, recém-nomeado ministro dos assuntos administrativos britânicos, sobre como o papel da Inglaterra na União Europeia é “desunificar a UE”.

“Ele brinca muito com episódios dessa série”, confirma João Paulo Saraiva, vereador próximo de Medina, com quem ele confidenciou muitas vezes durante os seis anos em que fez parte da equipa do antigo autarca de Lisboa.

Fernando Medina, 49 anos, vai agora estrear-se como ministro, e com a pasta das Finanças. Licenciado em Economia, mestre em Sociologia Económica, teve a sua primeira experiência próxima de um executivo como assessor de António Guterres, na viragem do século. Mais tarde, viria a ser nomeado secretário de Estado do Emprego e da Formação Profissional e secretário de Estado da Indústria e Desenvolvimento, nos governos de José Sócrates.

Não gosta de canetas BIC. Nas reuniões, sempre que lhe passam uma ele pede, com delicadeza, que lhe arranjem antes uma Roller Uniball. Gosta de rotinas e quando encomendava almoço para a Câmara Municipal de Lisboa (CML) era quase sempre o mesmo: bife grelhado, com arroz e verduras, em geral brócolos. À preocupação com a alimentação soma-se a do exercício físico. “Quando estava na câmara, aos fins de semana, fazia cerca de 40 quilómetros de bicicleta pelas ciclovias de Lisboa. Cada vez que reparava num defeito de uma infraestrutura, tirava fotografia e enviava para os serviços camarários. Era sempre um dia complicado para a divisão de obras”, relata uma fonte próxima de Medina na autarquia. Para além do ciclismo, joga ténis e, menos frequentemente, faz mergulho.

Agora, torna-se um dos ministros mais importantes do Governo, um cargo que recebe 178 dias depois de ter sido derrotado nas eleições autárquicas de 2021 por Carlos Moedas. “Foi uma grande surpresa para o país e ainda mais para ele", assume uma fonte próxima do gabinete de Medina na Câmara, que acrescenta que o resultado o frustou, por um lado por ir contra aquilo que as sondagens indicavam e, por outro, pelos objetivos que ficaram por cumprir na autarquia, “nomeadamente a atribuição de seis mil casas de arrendamento acessível”.

 

O abraço entre Medina e António Costa após a derrota nas autárquicas / Lusa

“Para ele, foi bastante frustrante que o programa não tivesse andado à velocidade que esperava”, conta João Paulo Saraiva. Em 2017, prometeu entregar seis mil habitações de renda acessível em Lisboa, mas só cerca de mil foram entregues até às eleições, ainda que o processo já estivesse em curso. “A frustração maior é não ser ele a entregar as casas, mas tem a consciência de que o plano que está a ser executado resulta da sua insistência”, conta o vereador socialista. Já a maior vitória de Medina, realça, foi o passe social.

Essa derrota “pessoal e não transmissível”, como descreveu no discurso de concessão, pode ter sido um dos piores momentos da sua carreira política, mas também “lhe deu outro tipo de disponibilidade para estar com os três filhos”, principalmente com a mais nova, que nasceu em dezembro na maternidade Alfredo da Costa. 

“Já estava a começar a ficar psicologicamente desligado”, disse a João Paulo Saraiva, quando começou a reunir individualmente com cada vereador para passar os dossiers ao executivo de Moedas. “Ele não veio bater à porta dizer façam isto, ou façam aquilo. Acho que conseguiu dar a volta por cima”, afirma o vereador.

Irritações "pontuais"

Já Teresa Leal Coelho, vereadora do PSD durante os mandatos de Medina e de Costa em Lisboa, diz que Fernando Medina discute política de forma “violentíssima” e que há um provérbio que o caracteriza particularmente: “água mole em pedra dura tanto bate até que fura”. “Para conseguir a aprovação da câmara para vários projetos do PSD tivemos de batalhar durante 4 anos, foi o caso, por exemplo, da proposta de repor os sentidos na Avenida da Liberdade”.

Ainda que tenha uma postura calma a maior parte das vezes, Fernando Medina, “pontualmente”, irrita-se no confronto político. Com Teresa Leal Coelho, isto aconteceu quando a vereadora começou a denunciar as propriedades camarárias que estavam ao abandono em Lisboa. “Identificava os prédios e, nas reuniões com ele, dizia «Senhor presidente, faça o favor de anotar o edifício nesta rua está ao abandono». Achou piada das primeiras vezes, depois começou a irritar-se”.

Outra das coisas que irrita Fernando Medina são reuniões demasiado longas, garante Teresa Leal Coelho, explicando que as assembleias costumam demorar várias horas. Disciplinava sempre a dimensão das intervenções, a sua presença era bastante notada nas reuniões, fazia questão de ter uma intervenção final”.

A polémica em torno do tratamento de dados pessoais de participantes em manifestações anti-Putin foi, segundo as fontes ouvidas pela CNN Portugal/TVI, um dos momentos em que sentiu maior pressão. Teresa Leal Coelho viu-o “muito desgastado pessoalmente com o impacto mediático”. João Paulo Saraiva salienta que a injustiça sentida pelo antigo autarca deu origem a uma célebre frase entre ambos. “Como é que eu, um gajo que tem uns pais que tiveram toda a sua vida a lutar contra a ditadura, por ironia do destino vou estar envolvido numa coisa destas?”.

Fernando Medina ouvido no Parlamento por causa da polémica com a partilha de dados / Lusa

Da luta estudantil para o PS

As suas raízes políticas estão presentes mesmo antes do seu nascimento. Segundo o próprio contou numa entrevista à revista Visão, o pai, Edgar Correia - dirigente histórico do PCP - foi informado do sexo do filho quando este nasceu, a 10 de março de 1973. "Aos 18 anos, o meu pai contou-me que soube do meu nascimento na clandestinidade, através de um anúncio de jornal" colocado pela mãe, Helena Medina, antiga dirigente do PCP. "Dizia: «Perdeu-se uma mala de senhora no comboio Lisboa-Porto». O sentido da viagem determinava se eu tinha nascido rapaz ou rapariga".

Nasceu no Porto, torce pelo Sport Lisboa e Benfica, e em criança passava férias na Ajuda. É na calçada deste bairro que tem as suas primeiras memória de Lisboa. Os pais acabaram por desfiliar-se do PCP no início do século. Medina só entrou para o PS após a demissão de Guterres, em 2001. Antes, durante a licenciatura na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, começou a habituar-se à luta política. À frente da Federação Académica do Porto, liderou a luta contra as propinas durante o governo de Cavaco Silva.

Da faculdade, traz um amigo com quem ainda mantém o contacto, António Pires, e um gosto pelas contas e pelas finanças. Na CML, aliás, era o único pelouro em que a sua “opinião era mais determinada, porque tinha um conhecimento profundo”, afirma fonte do seu gabinete, garantindo que tinha discussões semanais com a sua equipa, mas que tinha o hábito de dar “uma ampla autonomia” aos seus vereadores.

As pessoas que trabalharam com Fernando Medina reconhecem-lhe a abertura para ouvir ideias. Mas, como conta João Paulo Saraiva, a sua primeira tendência para ver a solidez dessa ideia é tentar desmontá-la até ao seu núcleo perceber se quem a propõe é capaz de a defender bem. “Pode ser desagradável no primeiro impacto, mas é util. Um espírito mais fraco fica retraído, mas é uma das capacidades mais acutilantes dele”.

É também criterioso a escolher a sua equipa e tende a detestar profissionais que se deixam ser absorvidos pelo trabalho técnico e operacional, “valorizando aqueles que têm uma visão mais política e estratégica”, explica João Paulo Saraiva. Utiliza, aliás, aquele episódio da série “Sim, Senhor primeiro-ministro” para evidenciar isso mesmo.

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