Afinal, o que se passa com a saúde de Erdogan?

27 abr 2023, 12:26
Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan (AP Photo)

Presidente turco abandonou programa televisivo em direto e cancelou todos os eventos de campanha para quarta e quinta-feira. Ancara desmente rumores de ataque cardíaco

O real estado de saúde do presidente turco continua a ser motivo de especulação. Na terça-feira, durante uma entrevista conjunta aos canais Ulke TV e Kanal 7, Recep Tayyip Erdogan sentiu-se maldisposto, interrompendo a transmissão durante cerca de 20 minutos.

Após voltar aos ecrãs, o líder do partido AKP afirmou que a indisposição se deveu a uma doença súbita no estômago, motivada, segundo ele, pela intensa campanha para as eleições gerais de 14 de maio.

"Hoje, houve um intenso trabalho de campanha, estou muito constipado devido a essas campanhas. Durante algum tempo, perguntei-me se não seria mal interpretado se cancelássemos o programa", disse Erdogan durante a entrevista, que tinha já começado uma hora e meia mais tarde do que o previsto.

Apesar de ter regressado à entrevista, aparentemente recuperado, certo é que o presidente turco cancelou todos os eventos de campanha previstos para esta quarta e quinta-feira. “Hoje, por recomendação dos médicos, vou descansar em casa”, escreveu Erdogan no Twitter esta quarta-feira, anunciando também que o seu vice-presidente, Fuat Oktay, o iria substituir nos eventos de campanha nas cidades de Kirikalle, Yozgat e Sivas, todas localizadas na região da Anatólia Central.

A explicação de Erdogan não convenceu alguns utilizadores das redes sociais, e depressa começou a correr o rumor de que o presidente turco tinha sofrido um ataque cardíaco e estava em situação crítica no hospital, tendo a sua família sido chamada de emergência para o acompanhar. Estas informações foram categoricamente negadas pela presidência turca. “Rejeitamos categoricamente tais alegações infundadas sobre a saúde do presidente Recep Tayyip Erdogan”, escreveu no Twitter Fahrettin Altun, diretor de comunicações da presidência da República da Turquia. “Nem este nível de desinformação consegue pôr em dúvida que o povo turco apoia o seu líder e que Recep Tayyip Erdogan e o seu partido vão sair vitoriosos das eleições de 14 de maio”, completou. Altun anunciou, também, que o chefe de Estado iria participar na inauguração da central nuclear de Akkuyu através de videochamada.

O porta-voz do AKP, Omer Çelik, também negou veementemente as “notícias falsas e imorais de alguns meios de comunicação estrangeiros” sobre o estado de saúde de Erdogan.

“O nosso presidente está no comando. Depois de um pequeno descanso, vai prosseguir o seu programa. Gostaríamos de expressar nossa gratidão aos desejos e orações de nossa nação pela sua saúde e bem-estar”, escreveu Çelik no Twitter.

Também nesta rede social, o vice-presidente do AKP, Erkan Kandemir, anunciou que a arruada prevista para esta quinta-feira em Mersin, uma das maiores cidades e portos do país, vai realizar-se noutra data a anunciar.

Apoio a Erdogan em trajetória descendente

Se há político experiente e vitorioso na Turquia é o seu atual presidente. Erdogan ganhou todas as eleições que disputou desde 1994, quando assumiu a presidência da autarquia de Istambul. Chefe de Estado desde 2014, foi também primeiro-ministro desde 2003 até ao ano em que se tornou presidente.

Desde o seu primeiro mandato, e particularmente após o alegado golpe de Estado falhado de 15 de julho de 2016, Erdogan governa a Turquia de forma autoritária. Desde esse dia, cerca de 40 mil pessoas, incluindo quase três mil juízes, foram detidas por, alegadamente, estarem envolvidos no plano.

A perseguição aos apoiantes de Fethullah Gulen, académico conservador islâmico exilado desde 1999 no Estados Unidos, também se intensificou. No total, 77 mil pessoas foram detidas e 160 mil afastadas dos seus empregos por supostas ligações ao opositor do regime de Ancara.

A repressão não afetou seriamente os seus resultados eleitorais, mas os índices económicos, bem como as consequências do terramoto de 6 de fevereiro, têm motivado grande contestação nas ruas.

Desde 2018, a lira, moeda da Turquia, desvalorizou fortemente: só em 2021, o seu valor em relação ao dólar americano caiu 44%, tombando novamente cerca de 30% no ano passado. O resultado está à vista: em novembro de 2021, um dólar valia cerca de oito liras. Um ano volvido, o mesmo dólar correspondia, naquele momento, a 19 liras, uma consequência da recusa, da parte de Erdogan, em aumentar as taxas de juro para conter a inflação, que atingiu o valor recorde de 80,21% em 2022.

Os efeitos devastadores do sismo de fevereiro, que matou quase 60 mil pessoas e feriu mais de 120 mil, motivaram a revolta dos turcos, que culpam os responsáveis políticos por permitirem a construção de milhares de edifícios sem os mínimos padrões de segurança, bem como pela resposta tardia das equipas de emergência.

Quem espera capitalizar este descontentamento é Kemal Kiliçdaroglu. O economista e antigo funcionário público de 74 anos assume-se como a principal figura da oposição a Erdogan, liderando a coligação Millet (Nação, em português), composta por seis partidos de quase todo o espetro político, desde a social-democracia ao nacionalismo islâmico, passando pelo liberalismo pró-europeu.

A aliança liderada por Kiliçdaroglu tem como grande bandeira o regresso ao sistema parlamentar, o qual Erdogan substituiu por um sistema presidencial total. "Aqueles que apoiam o regresso ao sistema parlamentar reforçado estarão em maioria no parlamento. Os deputados do AKP também o apoiarão, porque viram que lhes foi retirado o direito de fazer política. Talvez não o possam dizer em voz alta”, disse o líder da oposição numa entrevista esta quarta-feira, citado pelo jornal turco Hurriyet.

Kemal Kiliçdaroglu (AP)

As sondagens para o parlamento deixam antever que o AKP perca deputados em relação a 2018, quando o partido de Erdogan obteve 42,6% dos votos, correspondendo a 285 dos 600 assentos na Grande Assembleia Nacional.

Para a escolha do novo chefe de Estado, a indefinição é ainda maior, com Erdogan e Kiliçdaroglu a alternarem entre si a liderança das sondagens, o que deixa antever que, pela primeira vez desde 2007, poderá ser necessário recorrer a uma segunda volta para eleger o presidente da Turquia.

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