Há empresas que já admitem manter semana de quatro dias após fim do projeto-piloto

ECO - Parceiro CNN Portugal , Isabel Patrício
18 nov 2023, 16:00
Escritório (Pexels)

Piloto português da semana de quatro dias arrancou a 5 de junho e estende-se até ao final deste mês. ECO falou com cinco das empresas que estão a testar semana mais curta e há quem já admita mantê-la.

Semana sim, semana não, não se trabalha à sexta-feira na Onya Health. Esta agência de comunicação especializada na área da saúde é uma das 39 empresas que estão a testar em Portugal desde junho uma semana de trabalho mais curta. E os resultados, adianta a diretora-geral ao ECO, são muito positivos.

Hoje os trabalhadores têm maior qualidade de vida, mas também, ao sentirem-se mais satisfeitos, “lidam melhor com o trabalho“. O sucesso é tal que, ainda a algumas semanas do fim do projeto-piloto, Vânia Lima já garante que fará todo o sentido manter a semana de trabalho reduzida. Podem, claro, ser feitas adaptações ao modelo atual, mas uma coisa é certa: o regresso à semana de 40 horas está mesmo fora do baralho, assegura.

Este não é caso único. Entre as empresas ouvidas pelo ECO, o balanço geral destes cinco meses de teste é positivo e em nenhum caso a continuação da semana de trabalho mais curta está, por agora, descartada, isto é, há quem já tenha decidido — como a Onya Health — que o modelo inovador é para manter, mas também, por outro lado, quem admita fazê-lo, mas sublinhe que, primeiro, é preciso avaliar todos os resultados deste projeto-piloto, que está a ser promovido pelo Ministério do Trabalho e coordenado pelo professor Pedro Gomes e professora Rita Fontinha.

Voltemos à Onya Health. Localizada na Maia, no distrito do Porto, esta agência de comunicação “em rápido crescimento” escolheu testar a semana de 36 horas. A cada duas semanas, os trabalhadores cumprem 32 horas, em vez das tradicionais 40 horas, sem cortes salariais. No total, ao longo dos seis meses do projeto-piloto, aos trabalhadores da Onya Health foram prometidos 11 dias livres que, de outro modo, não teriam.

Mas para garantir que essa experiência não prejudica a produtividade, esta empresa teve de mudar a forma como trabalhava. “Optamos, entre outras coisas, por melhorar a comunicação entre as equipas e implementar estratégias para um trabalho com mais foco“, explica Vânia Lima.

Por exemplo, as reuniões passaram a ter o tempo ideal de 30 minutos e máximo de 45 minutos, além de ser mais bem preparadas. Mais, foram definidos bloco no horário de cada trabalhador nos quais não deve haver interrupções desnecessárias, para que a produtividade não seja quebrada. 

A produtividade da nossa equipa aumentou. Essa eficiência aconteceu devido a vários fatores, nomeadamente a otimização das ferramentas internas de trabalho, assim como na quantidade, duração e qualidade das reuniões diárias. Além disso, a produtividade também tem sido maior devido à própria motivação e ao bem-estar de todos os trabalhadores.

Volvidos agora os primeiros cinco dos seis meses deste projeto-piloto, a diretora-geral já adianta que a produtividade da equipa aumentou. Isto em resultado, por um lado, da otimização das ferramentas de comunicação interna e das reuniões, mas também, por outro lado, da maior motivação e bem-estar dos trabalhadores, identifica Vânia Lima.

“Tendo mais tempo para descansar e para investir em atividades que os estimulem, acabam por encarar a semana de trabalho com mais ânimo. Estando o nosso trabalho diretamente ligado à criatividade, o equilíbrio e o bem-estar emocional são pilares que prezamos muito e a semana de quatro dias tem-nos ajudado a alcançar conceitos melhores e em menos tempo”, assinala a responsável.

Estes resultados não deixam, portanto, dúvidas: “fará todo o sentido manter a semana mais curta após o fim do piloto“, revela a diretora-geral da Onya Health.

Do Porto para Lisboa, da área da comunicação para o cuidado infantil, Inês Poeiras, diretora executiva da creche Caminhos da Infância, faz declarações semelhantes: “Admitimos, sim, manter a semana mais curta após o piloto. Já em dezembro. Parece-nos que é o que todos os trabalhadores querem e precisam“.

Neste caso, o modelo que está a ser testado passa por semanas de quatro dias todas as semanas, sem cortes salariais. Tal implicou, adianta a diretora executiva, a revisão do esquema de turnos para garantir o rácio entre adultos e crianças.

“Temos a mais-valia de já termos auxiliares polivalentes, que substituem diretamente os funcionários em caso de falta). Mas apostamos na contratação de mais uma auxiliar de infância a tempo e inteiro, e outra a part-time“, conta Inês Poeiras. Além disso, a Caminhos da Infância tratou de otimizar os seus recursos, nomeadamente no que diz respeito ao modelo das reuniões praticado e criando momentos de concentração no trabalho de secretária.

“Fazemos um balanço bastante positivo. A maior vantagem é claro que é o bem-estar dos trabalhadores. Vê-se nas suas caras. Têm mais tempo para lazer e para tratar de assuntos pessoais. Para a empresa, isto reflete-se no bem-estar das crianças, que é, muito provavelmente, a nossa métrica mais fidedigna“, sublinha a responsável.

Esta creche ainda está a fechar as contas deste ano, mas garante que, se conseguir cobrir os custos, irá manter a semana mais curta. “A equipa apresentou uma grande maturidade. Trabalhou-se verdadeiramente em equipa, e não como somatório de ações individuais“, realça Inês Poeiras.

Mais tempo para avaliar

Em contraste com a Onya Health e com a Caminhos da Infância, na Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES), apesar dos sinais positivos, entende-se por agora que é preciso alargar o “período de experimentação, por forma a dar solidez às conclusões já obtidas e contribuir para decisões mais fundamentadas“, afirma a coordenadora-geral, Ana Luísa Pereira.

“A vigência deste programa-piloto durante um período mais alargado permitirá não só dar continuidade ao processo de adaptação das equipas às novas dinâmicas de trabalho, mas também uma avaliação mais precisa do impacto da semana de quatro dias nas mudanças do desempenho, da satisfação dos trabalhadores e da execução do Plano de Atividades da CASES”, pormenoriza a responsável.

Apesar de ainda não ter a certeza em relação à continuidade da semana mais curta, Ana Luísa Pereira admite que os resultados têm sido “bastante positivos”: trabalhadores estão mais motivados e com maior capacidade de organizar as tarefas no tempo disponível, e, em paralelo, a qualidade dos serviços prestados não sofreu com a redução das horas trabalhadas.

Também em fase de avaliação está a Crioestaminal. Este banco de células estaminais e laboratório de terapias celulares avançadas localizado em Coimbra adotou o modelo da semana de trabalho de 36 horas (quatro dias a cada duas semanas) e “a experiência tem sido altamente positiva“, observa a diretora de recursos humanos, Alexandra Mendes.

Estamos atualmente a avaliar a possibilidade de manter a semana de trabalho mais curta, após o período piloto. É muito importante para nós que os colaboradores percebam este benefício como um investimento da empresa no seu bem-estar.

Além do bem-estar dos trabalhadores ter melhorado, a produtividade parece não ter sido prejudicada, mas ainda é preciso consultar os trabalhadores e lideranças antes de dizer um “sim” à continuação do modelo inovador. “Estamos atualmente a avaliar a possibilidade de manter a semana de trabalho mais curta, após o período piloto. Este mês, vamos consultar os colaboradores e as lideranças para obter mais informações e tomar uma decisão informada. É muito importante para nós que os colaboradores percebam este benefício como um investimento da empresa no seu bem-estar“, salienta Alexandra Mendes.

Na mesma linha, Inês Luís, diretora-geral da Evolve, empresa de recursos humanos, avança que a continuação da semana mais curta “sempre foi considerada“, mas antes de tal ser confirmado há que fazer um balanço final do projeto-piloto, que só termina no final deste mês.

Ainda assim, por agora, o balanço é positivo, sem que tenha havido alterações à produtividade, apesar da redução das horas trabalhadas. “As equipas consideram que a semana de quatro dias é um benefício corporativo que veio melhorar a sua qualidade de vida pessoal“, atira a responsável.

Empresas britânicas também não quiserem regressar às 40 horas

Também o Reino Unido testou recentemente a semana de trabalho mais curta e o sucesso foi estrondoso. O piloto envolveu 61 empresas e aproximadamente 2.900 trabalhadores. Dessas seis dezenas, 56 decidiram continuar a “testar” o modelo inovador e 18 deram-no logo como permanente. Já do lado dos trabalhadores, 90% afirmaram taxativamente que o seu desejo é continuar com a semana de quatro dias.

A ideia de uma semana de trabalho mais curta não é nova. Já no século XVIII, o norte-americano Benjamin Franklin — um dos “pais fundadores” dos Estados Unidos — antecipava que quatro dias de trabalho por semana seriam, eventualmente, suficientes para garantir todas as “necessidades e confortos”, conta o historiador holandês Rutger Bergman, no livro “Utopia para Realistas”. A ideia de uma semana de trabalho mais magra ressurgiu, mais tarde, também com Karl Marx, com Stuart Mill e com John Maynard Keynes.

Mais recentemente, a pandemia e os desenvolvimentos tecnológicos vieram dar um novo fôlego à semana de quatro dias. Em Portugal, o argumento contra o teste passava há muito pelos baixos níveis de produtividade, mas Pedro Gomes, coordenador do piloto em curso e autor do livro “Sexta-feira é o novo sábado”, argumenta que a redução das horas trabalhadas pode até dar um contributo para a resolução desse problema da economia nacional.

Além de Portugal, mais recentemente também o Brasil começou a preparar o teste à semana de quatro dias, conforme escreveu o ECO. À semelhança do teste luso, o brasileiro será guiado pela 4-Day Week Global. Essa consultora foi fundada pelo empresário e filantropo Andrew Barnes, que acredita que apoiar a semana de quatro dias é mesmo estar “do lado certo da história”.

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