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O governo é pior do que deveria e não há ninguém que o obrigue a ser melhor

2 jul 2023, 15:27
Memorial em homenagem às vítimas dos incêndios de 2017 em Pedrógão Grande

Uma maioria de tempo. No final de janeiro, logo a seguir ao auge da crise política da TAP, escrevi aqui na página da CNN Portugal um artigo que colocava a questão, à data, mais improvável de todas: “E se tudo correr bem a partir de agora?”.

A pergunta, um tanto contraintuitiva a seguir à demissão de Alexandra Reis e respetivos ricochetes rumo a Medina e Pedro Nuno, fundamentava-se na conjugação de três cenários diante do governo: défice quase zero (que se confirmou), a não dissolução do parlamento (que se confirma) e a ausência de recessão na zona euro (que se vai confirmando).

A isto valia a pena juntar três possibilidades, ainda por confirmar, mas mais do que prováveis até ao próximo ciclo eleitoral: o impacto do novo quadro comunitário de fundos europeus a partir deste verão (além do PRR), a estabilização da inflação (Lagarde apontou para uma primeira descida na Páscoa do próximo ano) e o cinquentenário da Democracia (em abril de 2024).

Todas elas, num ambiente de supremacia política e orçamental, sugeriam que, mesmo que António Costa não conseguisse salvar a sua maioria de si própria, conseguiria pelo menos governar apesar do seu governo.

Havia razões suficientemente sólidas para, no mínimo, afiançar a hipótese. Apesar do tumulto, o que torto havia nascido ainda poderia endireitar-se. O mau primeiro ano da maioria absoluta não significava, necessariamente, que o PS chegasse às próximas eleições ‒ as europeias ‒ sem condições de disputar ou até vencer a ida às urnas.

Nos seis meses que separam esse texto (“E se tudo correr bem a partir de agora?”, CNN, 24/1/23) deste aqui, a minha tese foi largamente açoitada pelo facto de tudo ter ficado ainda pior do que já estava. A Comissão de Inquérito à TAP transformou-se num museu de descoordenação política e contradições; a nova ministra da Habitação converteu o debate sobre a sua pasta num circo de materialização ainda incógnita mas insatisfação já geral; o ministério das Infraestruturas foi palco de eventos politicamente paranormais, que me abstenho de reproduzir outra vez.

No entanto, depois de tudo isso, e agora que finalmente acabou, vale a pena insistir na eventualidade: e se tudo correr bem a partir de agora? Uma das conclusões da CPI que não constará no seu relatório, mas que deverá constar em qualquer análise é que o governo de António Costa, sem saber ler nem escrever, sobreviveu. Está vivo. Não andando, respira.

A Comissão de Inquérito não foi só um espelho de guerras mudas no seio do PS, mas também um reflexo de uma oposição que nem diante do dilúvio conseguiu uma vitória política. Até o sr. Presidente da República, depois de meses a alimentar a narrativa de eleições antecipadas, conseguiu pedir a demissão de um ministro, ser contrariado, prometer redobrar a vigilância ao governo e acabar a defender o uso do Falcon para o sr. primeiro-ministro assistir a futebol estrangeiro.

Revisitando este último meio ano, mais do que o governo ser pior do que deveria, o facto é que não há ninguém que o obrigue a ser melhor. O PS está desgastado nas sondagens e o segundo semestre pode não ser tão sorridente na economia, mas os cofres do Tesouro estão cheios, a crise energética passou, António Costa é o político mais popular do país a seguir a Marcelo e é no PSD, por estes dias, que já se fala em perder as europeias por pouco, que não seria assim tão mau.

O governo, que falhou sempre que tentou recomeçar, tem um cronómetro mais generoso do que o Presidente (cujos poderes cessam nos idos de 2025) e do que o líder da oposição (cujo destino se joga nos idos de 2024). Mesmo que tudo não corra bem a partir de agora, a verdade é que são os incumbentes que podem esperar que corra.

Se Fernando Medina cumprir a promessa de alívio fiscal, se a execução do PRR se traduzir numa melhoria real da infraestrutura portuguesa, se o investimento no SNS e as reformas de Fernando Araújo facilitarem a retenção de médicos nos nossos hospitais, ainda haverá lugar para Costa, mais do que o homem que foi primeiro-ministro, ser o primeiro-ministro que fez alguma coisa.

Oito anos depois da sua chegada ao poder, doze anos depois da troika e 49 depois da Revolução, já era altura.

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