O Partido pela Liberdade (PVV) foi o mais votado nas legislativas dos Países Baixos. A proibição do Corão, o fim do apoio militar à Ucrânia e a saída da União Europeia são algumas das suas bandeiras
Os resultados das eleições legislativas nos Países Baixos apanharam a Europa desprevenida: nenhuma das sondagens conseguiu prever a grande vitória do eurocético e anti-Islão Partido pela Liberdade (PVV).
A força política liderada por Geert Wilders conseguiu 37 dos 150 lugares da Câmara dos Representantes, mais 20 do que nas eleições anteriores e 12 que a aliança entre verdes e trabalhistas, que ficou no segundo lugar.
Todos os cenários de governação estão em cima da mesa e é até bastante provável que o PVV fique de fora do próximo executivo. No entanto, o sucesso desta quarta-feira é inédito na sua história – o anterior melhor resultado foi obtido em 2010, quando alcançou 24 deputados.
Falar do PVV é falar do seu líder desde a fundação. Inicialmente deputado dos liberais do VVD, de onde saiu em 2004 desagradado com a posição do partido sobre a entrada da Turquia na União Europeia, Geert Wilders e mais oito membros do PVV foram eleitos para a câmara baixa do Staaten-General no ano da fundação do partido, 2006.
O PVV trouxe para o panorama político dos Países Baixos uma agenda marcadamente anti-Islão e eurocética, totalmente personificada no seu presidente. Geert Wilders, ou ‘Capitão Peróxido’, alcunha dada devido ao seu cabelo, pintado regularmente em tons muito claros, que vive sob proteção policial 24 horas por dia há quase duas décadas por conta da sua posição contra o islamismo.
Para ele, o Islão “não é uma religião”, mas sim uma “ideologia retardada” e, apesar de dizer que não tem problemas com os muçulmanos, sempre defendeu o encerramento de todas as mesquitas e escolas islâmicas nos Países Baixos e a proibição do Corão no país.
Wilders chegou a ir a tribunal por duas vezes por afirmações contra muçulmanos; se em 2011 acabou ilibado de todas as acusações, em 2016 foi mesmo condenado por palavras “insultuosas contra a população marroquina”.
O programa do PVV apresentado nestas eleições defende também o fim completo da concessão de asilo a refugiados, o fim da divulgação de informações governamentais em turco e árabe, a deportação e retirada da nacionalidade a criminosos, a contratação de mais 10 mil polícias, o tratamento como adultos dos jovens de 14 anos por parte do sistema judicial e a reversão de todos os pedidos de desculpa dos Países Baixos pelo seu papel no comércio e tráfico transatlântico de escravos.
Noutras áreas, Wilders quer também uma redução generalizada dos impostos, o corte total dos apoios estatais à cultura, que considera estar dominada pela “esquerda que odeia os [nossos] heróis”, bem como o fim do financiamento à estação pública de televisão NPO. Em matéria de ambiente, o líder do PVV quer a saída dos Países Baixos do Acordo de Paris, a manutenção do funcionamento das centrais a carvão e a gás, a proibição da instalação de mais aerogeradores e painéis solares e o aumento do limite de velocidade nas autoestradas para 140 km/h.
Outra área na qual Geert Wilders se destaca são os assuntos externos, nomeadamente a relação com a União Europeia. O político populista é um grande defensor do Nexit, a saída dos Países Baixos do bloco dos 27. Embora reconheça que não há no país apoio suficiente, Wilders quer organizar um referendo sobre este tema. Até que o organize, e se estiver no poder, os Países Baixos vão deixar de contribuir para a União Europeia – o PVV quer que o país passe a receber mais do que envia para Bruxelas.
Um eventual governo com o PVV também poderá marcar uma inversão da política dos Países Baixos em relação à Ucrânia. Wilders, que já descreveu Vladimir Putin com um “verdadeiro patriota”, nutre simpatia pela Rússia, tendo visitado o país e o seu parlamento em 2018. A viagem valeu-lhe duras críticas dos opositores políticos e da opinião pública, ainda marcada pelo desastre que matou 193 neerlandeses quatro anos antes, quando o voo MH17 da Malaysian Airlines foi abatido por separatistas pró-russos nos céus de Donetsk.
Wilders, é certo, condenou verbalmente a invasão russa da Ucrânia, mas é contra o envio de ajuda militar a Kiev, incluindo de caças F-16, um dos pedidos mais insistentes de Volodymyr Zelensky ao longo do conflito e que o executivo neerlandês já se comprometeu a fornecer.
“Tenho simpatia pelos ucranianos, mas fui eleito por mais de um milhão de holandeses, pelos quais luto todos os dias, sobretudo em Haia”, escreveu Wilders no Twitter em março de 2022.
O primeiro lugar do PVV nas eleições foi bem recebido pelos líderes de extrema-direita de toda a Europa, desde Matteo Salvini a Marine Le Pen, passando por André Ventura e Viktor Orbán.
“O nosso amigo Geert Wilders acaba de vencer as eleições nos Países Baixos. É o último sinal: a seguir será Portugal!”, escreveu o líder do Chega nas redes sociais.