O SOM E A FÚRIA

Jovem, não emigres para França: vai para o Fundão

Qui, 08 fev 2024

Olá. Esta é uma nova newsletter da CNN Portugal. Quero escrever-lhe todos os dias até às eleições

A história está contada aqui: a autarquia do Fundão vai dar apoios até mil euros por mês a médicos, professores, agentes de segurança que mudem para a região. Não é exatamente salário direto, é rendimento apoiado, bolsas de habitação pública, reduções de IMI e IMT, financiamento de deslocações, enfim, política pública para superar a escassez de serviços públicos. Faltam médicos, faltam militares da GNR – e mais de 50% dos professores do Fundão entrarão na idade reforma nos próximos cinco anos.

Tanto país sem gente e tanta gente sem país.

O Fundão é um caso, só um caso, de um país onde “interioridade” parece nome de doença. E de um país onde um em cada três jovens vive fora porque aqui não falta trabalho mas falta emprego, e se não falta emprego falta salário, e se não falta salário falta habitação, e se não falta trabalho, emprego, salário e habitação então, jovem, ou tiveste uma grande cunha ou tiveste uma grande sorte, porque aqui não basta ter cérebro para pensar e músculos para fazer, é preciso uma dose de coração para acreditar.

Agora, em eleições, a conversa é outra. Na caça ao voto, não duvido – não duvido mesmo – da bondade e até da vontade de quem faz promessas: só quem está em negação pode não estar apavorado por ver o futuro apanhar o avião e ir-se embora – ou a ficar e tornar-se passado num quarto em casa partilhada.

A política fiscal tornou-se um leilão de desesperados. Mais de 73 500 portugueses pagam IRS Jovem, sejam eles ricos ou pobres, sendo que a maioria deles ainda frequenta o ensino superior – ainda estão a estudar. Pedro Nuno Santos dizia, há dias num debate, que os jovens saem para países onde a carga fiscal é superior. Sim, é verdade, o destino preferencial de emigração jovem portuguesa é França, onde a carga fiscal é de 48%, seguido da Suíça, onde a carga fiscal é de 41,6% - em ambos os países ela é superior à portuguesa. Mas faltou dizer o óbvio: o salário médio em França é quase o dobro do português e o da Suíça é quase o quíntuplo.

Sim, é mais um problema de baixos salários do que de altos impostos. E esses baixos salários resultam de uma economia sem estratégia, que cresce sobretudo à custa de muito emprego criado no sector dos serviços (onde os salários são menores e a precariedade maior), onde exportações quer sobretudo dizer turismo e investimento quer sobretudo dizer imobiliário, onde a pobreza se combate mas não se abate com subsídios e a riqueza resulta de privilégio à nascença, da sorte no casino das moedas virtuais ou da sagacidade a especular casas. Há bolsas de exceção – muitas fora de Lisboa e, já agora, muitas por ação de política local, como é o caso do Fundão – mas perdemo-nos entre a gentrificação das grandes cidades e a desertificação das pequenas.

Há quem venda sonhos e há quem compre votos, mas, mais do que baixar impostos, aos políticos falta a mercadoria da esperança. A minha geração – a Geração X, que nasceu por volta do 25 de abril – também começava precária e a ganhar mal, mas arrancava com uma grande diferença: tinha a expectativa de que conseguiria melhorar, de que valeria a pena, de que seria possível construir vida, constituir família e não morar em casebres a preços de palácio. Não esperávamos que o país nos garantisse o futuro, era até ao contrário, o país é que esperava que nós lho garantíssemos a ele. Só que, mesmo na dificuldade, havia a possibilidade. Agora até há muito melhores universidades em Portugal. Depois, é cada um por si.

Mais do que descer impostos para maiores de idade e menores de velhice, falta criar a possibilidade e a expectativa, mas não isso se faz numa campanha - a esperança é um ciclo de vida de longo. O que se faz numa campanha é desde logo praticar a decência do discurso, a responsabilidade do progresso e o compromisso de desarmadilhar o Estado do nepotismo e do tráfico de influências. Para que Portugal não se transforme num bacalhau ao sol

Aqui ninguém roubou nada a ninguém, os mais velhos têm pensões baixas e os da minha idade ou conseguiram construir vida e ter casa a tempo ou também já paralisaram sem salários, sem habitação e sem futuro. Tiraram o quê aos jovens, se têm tão pouco em mãos? Esta franquia não se paga com peso da consciência. Liberta-se com visão de longo prazo, decência público-privada e políticas de escolher em vez de colher.

Aqui, aí ou no Fundão, entre a desistência da abstenção e a revolta de querer destruir tudo, a política continua a ser a estrada. A abstenção jovem é ainda maior do que a metade total que já não vota, mas muitos deles só querem mesmo é saber com clareza e credibilidade quais são as propostas políticas. Depois, dia 10, irão votar.

Afinal, muitos até leram este texto.

Dois jotas entram num bar

Nós, na CNN, continuamos a falar com jovens todos os dias. Hoje, por exemplo, vamos publicar uma debate entre Alexandre Poço, da JSD, e Miguel Costa Matos, da JS. Pode ver um cheirinho já aqui, no nosso Instagram.

 

... e ainda

Também hoje, estarei com o António Costa, jornalista do Eco, no Porto a gravar um podcast em público, com Bruno Duarte e José Paulo Soares, das associações académicas da Católica do Porto e da Faculdade de Economia do Porto.

 

Veja o nosso Pulsómetro

Continuamos com atualização permanente do nosso Pulsómetro dos debates eleitorais. Esta imagem, por exemplo, reflete o sentimento nas redes sociais até ao início desta manhã sobre o debate desta quarta-feira, entre Rui Rocha, da Iniciativa Liberal, e Rui Tavares, do Livre.Veja aqui quem está a ganhar nas redes sociais os debates.

Por hoje não é tudo

Obrigado pela sua leitura. Hoje há mais um debate eleitoral, mais fact-checks, análises e notícias na CNN Portugal. Até já. Ou até amanhã - vemo-nos por aqui.

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Newsletter diária de Pedro Santos Guerreiro sobre a campanha eleitoral das legislativas de 2024