O SOM E A FÚRIA

Há por aí muitos metros quadrados de pó que podiam ser metros cúbicos de vida

Qui, 22 fev 2024

Ou porque não dá para levar certas promessas a sério

O Estado está raladíssimo com a falta de habitação. Quer reabilitar muito, construir muito, quer muito ocupar devolutos e muito colocar edifícios públicos no mercado. Folheia-se os programas eleitorais e é uma delícia de consenso: há por aí muitos metros quadrados de pó que podem ser metros cúbicos de vida. Estamos de acordo. E no entanto, noves fora e nada. O mesmo Estado que está raladíssimo com os outros é um inferno até para si mesmo.

Ora veja este anúncio imobiliário:

“Prédio na Rua da Madalena, na baixa pombalina em Lisboa, 646 metros quadrados. Localização excelente, lojas térreas e quatro andares de habitação. Para investir e reabilitar. 1,8 milhões de euros”.

 

Quanto tempo demorará este prédio a vender? Pois bem, já passaram cinco anos e nada. É que o anúncio é inventado, o prédio não. Pertence ao Estado, foi colocado em 2019 num fundo imobiliário para reabilitar imóveis devolutos do Estado e era suposto ter entrado em obras em 2021. Mas os prazos de licenciamento falharam, os concursos públicos ficaram desertos e o processo foi agora arquivado pela Câmara de Lisboa: nem alvará de licença de construção, nem empreitada de reabilitação do prédio, o licenciamento caducou a 29 de janeiro e até o conceito, anunciam, estará “brevemente disponível”. Brevemente há cinco anos.

Casos destes é aos pontapés.

Outro pontapé: o antigo quartel da GNR do Cabeço de Bola. Foi o próprio Pedro Nuno Santos que, ministro da Habitação, anunciou em conferência de imprensa em 2019 a sua reconversão, como um exemplo de como o “Governo está a reabilitar o parque habitacional público que neste momento está sem qualquer utilidade”. Quase cinco anos depois está… “sem qualquer utilidade”. Nem o pedido de licenciamento foi submetido.

Também em 2019, o primeiro-ministro, três ministros, um secretário de Estado e um presidente de câmara juntaram-se para anunciar o Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior (PNAES), que iria criar 11 500 camas até 2022. Ao todo, 263 imóveis de 42 concelhos transformados em residências universitárias! Exemplo? A antiga sede do Ministério da Educação, na Av. 5 de Outubro, em Lisboa. Mais central não há. Pois bem, há quase seis anos que esse edifício está fechado. Era suposto ser convertido em alojamento para estudantes, 603 camas. Depois veio a burocracia. Projeto de arquitetura chumbado, o número de camas baixou para 450, decidiu extinguir-se o fundo que tinha o imóvel, depois anulou-se a extinção, foi-se ao PRR, novo projeto de arquitetura aprovado em agosto, agora falta a segunda fase do processo de licenciamento. Nova previsão de data de abertura: 2026.

Estes casos, com outros, estão descritos nesta notícia da CNN Portugal: “Fundos para a habitação acessível tutelados por Pedro Nuno Santos pagaram mais de 3 milhões em salários e não começaram qualquer obra”. Porque nestas casas não mora gente mas neste fundos ganha gente para fazer casas que não saem nem do papel nem das gavetas.

Não é por acaso que estas notícias são de 2019. Nesse ano, havia um ministro que já gostava de “ação”, de “fazer”, de “decidir”, de “não arrastar os pés”. E, por isso, com esse ministro arrancou o Fundo Nacional de Reabilitação de Edificado, um fundo de investimento imobiliário “que se rege por lei própria”, ultrapassando as regras do Código dos Contratos Públicos, fundo esse que passou a ser gerido pela Fundiestamo, entidade da Parpública, que decidiu desmultiplicar-se em subfundos, dos quais quatro estão em funcionamento – e mais haverá. São os tais quatro que ainda não fizeram nada.

Das três uma: ou os ministros não mandaram fazer nada e foi só propaganda vazia; ou distribuíram empregos mas não trabalhos; ou o governo não manda nada e foi vencido pelo Estado.

Mesmo com excessos de propaganda, António Costa, Pedro Nuno Santos, Tiago Brandão Rodrigues, Manuel Heitor e outros que andaram nos anúncios não esperariam que tudo viesse a ser nada. O que se aconteceu então? Aconteceu a realidade. E a realidade é que o mesmo governo que chegou a achar que podia resolver isto com “arrendamento obrigatório de casas devolutas”, percebendo depressa que isso era um mito, é incapaz de por a máquina a funcionar. O Estado que nem sabe bem quantos imóveis tem, o Estado burocrático, lento, labiríntico, incapaz de se solucionar a si mesmo, que cria dificuldades porque não confia nos cidadãos ou porque precisa de se justificar a si mesmo, o Estado que só acelera à lei da cunha, do tráfico de influências, de facilitadores, de intermediários, o Estado que mesmo depois de quase duas décadas de notável Simplex é um notório Complex, tudo é um inferno, cada primeira pedra é como uma pedra nos rins, nada se resolve porque nada se dissolve.

Bem podem pois anunciar “Mais Ação” e “Fazer o que Nunca foi Feito”®, clamar “25 de Abril, sempre”, proclamar que “já não dá para continuar”, prometer que “avançamos pelas causas” e propor “limpar Portugal”, um “Portugal com futuro” ou “Contrato com o Futuro”, que não sairemos disto – e isto é um mercado de habitação impensável e impossível, mesmo se uma em cada oito casas em Portugal está vazia - as míticas 723 mil casa vazias, segundo os Censos de 2021, dos quais 350 mil dizem estar colocadas no mercado de arrendamento e 375 mil estão desocupados por causas como morte do anterior morador, partilhas de herdeiros ou obras de beneficiação.

Não é preciso acabar com o Estado, é preciso que o Estado não acabe com o país. Ou então rasgar páginas inteiras dos programas eleitorais dos partidos que vão falhar antecipadamente as suas promessas. De boas intenções está o inferno cheio, de boas habitações é que não. Aliás, nem boas, nem más.

 

 

Vamos tipo build the future, man

A habitação precisa de novos conceitos – basta ler os programas eleitorais. E em inglês soa tudo mais incrível: PSD, IL e Chega defendem modelos build to rent. Mas o PSD defende também mixed housing (coisa de que o Chega não deve gostar nada), co-living e uma regulatory sand box. Já o PS quer projetos de micro-housing.

Simples é o PCP, que defende módulos pré-fabricados. Não tem o mesmo sainete, mas toda a gente percebe.

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Menos conversa, mais ação

Obrigado, PS
"O PS não viabilizará nem apresentará uma moção de rejeição se houver uma vitória da AD"
Pedro Nuno Santos, 19 de fevereiro

PS desobrigado
"O PSD não está disponível para garantir ao PS aquilo que o PS garantiu. E por isso nós sentimo-nos desobrigados"
Pedro Nuno Santos, 21 de fevereiro

PNS desabrigado
"Fui mal interpretado. Aquilo que eu disse, não retiro. Agora, o que nós exigimos é reciprocidade. (...) Nós não apresentaremos nenhuma moção de rejeição"
Pedro Nuno Santos, 21 de fevereiro  

Mania da perseguição

Ventura diz que o Chega foi "recebido por tiros em Famalicão". PSP esclarece: eram "rateres de uma mota" que seguia na caravana... do Chega

Coiso e tal

"Sobre corrupção não me meto nisso porque acho que coiso".
Gonçalo da Câmara Pereira, aqui

E por hoje não é tudo

Não é oficialmente ainda campanha, mas já está na rua a toda a brida.

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