O SOM E A FÚRIA

E os melhores amigos da banca são… Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro

Qua, 14 fev 2024

"A grande parte do mal no mundo é feita por pessoas boas, e não por acidente, lapso ou omissão. É o resultado das suas acções deliberadas, há muito desenvolvidas, que elas consideram motivadas por ideais elevados e com fins virtuosos."  Isabel Paterson 

Não há quem não prometa construir mais. E agilizar burocracias. E libertar património público e devoluto: os programas eleitorais estão cheios de propostas para a habitação. Depois, bifurcam-se entre controlo de preços, alteração de impostos ou apoios. Mas PS e PSD podem juntar os trapinhos nesta proposta em comum nos programas eleitorais: limpar os balanços dos bancos de hipotecas problemáticas e transformar o Estado numa grande agência imobiliária. A sério, isto é a consequência do que lá está.


 

Não sei como, mas Pedro Nuno Santos está mesmo a safar-se do que o PS não fez no passado com a promessa do que o PS fará no futuro. O governo foi um desastre na habitação, fez pouco trabalho e fez pouco de quem alertava, e só quando o problema social se tornou num problema político – com a aflição da subida das taxas de juro – é que se comoveu com a usura de uns e a cesura de outros: fez às três pancadas um programa Mais Habitação, foi ao pote do PRR, mandou ligar as betoneiras e encomendou 32 mil casas. Dez anos depois de António Costa se queixar de apenas 2% do parque habitacional ser público, apenas 2% do parque habitacional é público.

O problema da habitação é tão grave – como o da saúde e o da educação – que devíamos estar a discuti-lo de manhã à noite. Os três, aliás, precisam de tempo – mas não podemos ficar dez anos à espera dos licenciamentos, dos loteamentos, da construção. Sim, é um problema internacional, mas aqui o “arrastar os pés” durante anos rasgou a sociedade entre incluídos e excluídos, desalojou classes médias e congelou os seus filhos adultos nos quartos de infância, travou divórcios em casa, “casou” desconhecidos em casas partilhadas, criou novos sem-abrigo, imobilizou professores. E como responder agora do lado da oferta demora anos, o governo atira água fria para a procura, tentando afastar estrangeiros.

Nos programas eleitorais há páginas e páginas de medidas. Algumas previsíveis e algumas boas, como por exemplo construir mais, muito mais (todos o propõem, a IL é a que tem objetivo mais ambicioso, entre público e privado, em parcerias de que o Chega também fala), agravar impostos em operações de especulação (PS) e desagravá-los nas compras de habitação própria e permanente (PSD) ou consagrar a “dação em cumprimento” para garantir que a entrega da casa ao banco extingue a dívida associada (BE, PCP, Livre).

E há um cantinho especial para os jovens: o Chega quer que o Estado bonifique (isto é, pague parte dos) juros e o Livre quer que o Estado empreste até 30% do valor do imóvel, exigindo fiador. E o PS e o PSD têm uma ideia peregrina:

que o Estado dê uma garantia pública para o crédito à habitação de jovens.

Não sei se alguém no PS e no PSD parou para pensar nisto, mas não me lembro de tamanha ajuda aos bancos que os bancos não tenham pedido. Emprestar com garantia de Estado? É faz-favor, todos emprestarão de olhos fechados, porque o Estado assume o risco do contrato. Com garantia do Estado até a TAP e a Efacec tiveram empréstimos. Claro! Quem paga? O jovem. E se o jovem não pagar? Paga o contribuinte.

O PS vai ainda mais longe: “em caso de incumprimento do pagamento do crédito à habitação” o devedor pode continuar a viver na casa passando a pagar renda ao Estado. E ainda mais longe: quer que o Estado compre habitações hipotecadas à banca “com garantia de arrendamento vitalício aos proprietários da mesma habitação ou integração dessas habitações em programas de arrendamento acessível”.

Ou seja, os bancos ficam sem risco e sem hipotecas problemáticas. E o Estado, que fica com carteiras de imóveis com riscos que acabarão por ser prejuízos, ficará com os problemas dos bancos. Os bancos, quando têm esses problemas, precisam de aumentos de capital. O Estado precisará de aumentos de impostos.

Isto é risco moral. Isto é um subsidio indireto aos bancos. E isto é uma transferência de risco para o Estado.

PS e PSD poderão dizer que não seria à doida. Por exemplo, nas coberturas de risco a empresas exportadoras, o papel do Estado pode ser essencial. Mas em todos esses casos empresariais há um processo pesado de candidatura e avaliação de risco. Pensar que a Direção-Geral de Tesouro e Finanças vai dar garantias pessoais a jovens à procura de casa é antecipar um resultado: esta medida, se sequer avançar, vai ser como o Banco de Fomento, nunca irá funcionar em pleno.

Isto mostra que não é só a justiça que está ausente do debate, é também a habitação. Dizer três frases de enfiada sobre casas não é debatê-la. Escrever vinte ideias num programa eleitoral também não.

Não surpreende que o PCP queira “restringir fortemente as possibilidades de execução de hipoteca da habitação permanente e despejo pelos bancos”. Nem surpreende que o BE afirme que “os inquilinos, assim como os titulares de crédito à habitação, têm de ser protegidos, seja da ganância de alguns senhorios, seja da ganância da banca”. Mas é surpreendente a ingenuidade do provável próximo primeiro-ministro: dar garantias de Estado a créditos bancários.

Eu, se fosse banqueiro, dizia já que sim. Pelos jovens, claro.

 

PCP quer casa de Pedro Nuno Santos arrendada por… 120 euros

Um investidor profissional calcula uma renda assim: estima o valor investido num imóvel e aplica a margem de lucro. Se, por exemplo, pagou 300 mil euros por uma casa e quer arrendá-la com margem (“yield”) de 5%, multiplica os dois fatores e divide por 12 meses: a renda será de 1250 euros.

O PCP usa a mesma fórmula. Mas, como não é especulador, propõe que o cálculo seja sobre o valor patrimonial. E, como não é ganancioso, aplica uma margem de 3%.

É isso que está no seu programa eleitoral, em que o PCP propõe alterar o regime de renda condicionada “por forma a garantir que a renda é calculada sobre o valor patrimonial multiplicado por 3% e dividido por 12.”

Quer ver a diferença? Usemos como exemplo a casa alentejana de Pedro Nuno Santos, perto de Montemor-o-Novo, que foi notícia pelo irrisório IMI de 143 euros: segundo o próprio, a casa foi comprada em 2022 por 506 500 euros e está avaliada pelo Fisco por 47 870 euros. Então, se a quiser arrendar, a conta está feita:

- para o investidor profissional, a renda seria de 2 110 euros por mês.

- o PCP calcula-a em 120 euros por mês.

Pronto, ou é de agente ou é para a gente. Caro Pedro Nuno Santos, como disse uma vez sobre a geringonça, “estamos juntos a fazer história em Portugal”. Mais ação e menos conversa: arrende por 120 euros por mês. É justo: há casas mesmo ao lado em alojamento local pelo mesmo valor… por dia.

 

O governo quer retirar um campeonato ao Sporting?

Às vezes não basta ter lata, é preciso ter muita imaginação. Como a taxa de abandono escolar subiu em 2023 face a 2022 e 2021, o Ministério da Educação informou que aqueles dois anos, sendo atípicos por causa da pandemia, não contavam: a taxa de abandono afinal não subia em 2023, descia face a 2020. Até que, ontem, o INE veio restabelecer a sanidade e informou que 2022 e 2021 aconteceram mesmo. Sim, há até quem se lembre deles.

Fica o esforço – e o ridículo – de o governo querer ligar 2020 diretamente a 2023. Por essa lógica, António Costa não teve uma maioria absoluta. A Ucrânia não foi invadida pela Rússia. E Ruben Amorim ainda não foi campeão pelo Sporting.

 

O novo “olhe que não, olhe que não”

Não diga isso. Não diga isso. Não diga isso. Não diga isso.”
Luís Montenegro, ao minuto 23 do debate com André Ventura, 13 de fevereiro

“Não diga isso. Não diga isso. Não diga isso. Não diga isso. Não diga isso. Não diga isso.”
Luís Montenegro, ao minuto 30 no debate com André Ventura, 13 de fevereiro

“Não diga isso. Não tem legitimidade para dizer isso. Não diga isso. Não diga isso.”
Luís Montenegro, no debate com Inês de Sousa Real, 11 de fevereiro

“Não diga que nós não temos programa. Não diga isso.”
Luís Montenegro, no debate com Mariana Mortágua, 6 de fevereiro

 

Programas eleitorais na íntegra

Estão finalmente (quase) todos disponíveis. Ei-los (com as propostas para a habitação, supra citadas, entre parêntesis).

BE aqui (habitação na pág. 10)
Chega aqui (pág. 36)
IL aqui (pág. 45)
Livre aqui (pág. 70)
PAN ainda não disponível. Ver mais tarde aqui.
PCP aqui (ponto 4.6)
PS aqui (pág. 69)
PSD aqui (pág. 176)

 

Por hoje não é tudo

E, pela primeira vez, Pedro Nuno Santos e André Ventura vão enfrentar-se num debate televisivo. É hoje às 20h45 em simultâneo na TVI e na CNN Portugal. É um dos três debates de hoje:

18h00 Livre - PAN (RTP 3)
20h45 PS - Chega (TVI)
22h00 IL - CDU (RTP3)

Até lá na TV,  até já no digital, até amanhã por aqui.

 

O SOM E A FÚRIA

Newsletter diária de Pedro Santos Guerreiro sobre a campanha eleitoral das legislativas de 2024