Ordem dos Advogados restringe “unilateralmente” acesso direto de brasileiros em Portugal. Ordem brasileira avisa que "mentalidade colonial só tem lugar nos livros de História"

5 jul 2023, 14:52
Sala de audiências

A Ordem dos Advogados cessou "o regime de reciprocidade” com a Ordem dos Advogados Brasileiros, em vigor desde 2015, e que permitia que estes profissionais pudessem exercer no país sem realizarem provas adicionais e estágios. Regime também permitia aos portugueses exercerem no Brasil. A Ordem brasileira diz-se "surpreendida" e recorda que "a mentalidade colonial já foi derrotada"

A Ordem dos Advogados (OA) deliberou, após reunião do Conselho Geral e por “unanimidade”, “fazer cessar o regime de reciprocidade de inscrição de Advogados(as)”, em vigor desde 2015, com efeito já a partir desta quarta-feira.

A decisão foi divulgada terça-feira à noite e a Ordem dos Advogados Brasileiros (OAB) já reagiu, dizendo-se “surpreendida”. A Ordem brasileira diz ainda que "a mentalidade colonial já foi derrotada" e que não pode ser uma realidade nos dias de hoje. Vai ainda procurar retomar “o diálogo”, mesmo “compreendendo que a entidade europeia enfrenta dificuldades decorrentes de pressões governamentais”.

E que regime de reciprocidade é este? Em 2015, este regime passou a constar no estatuto da Ordem dos Advogados Portugueses. Implica que os advogados brasileiros não precisam de provas adicionais para exercer em Portugal, bastando estar com inscrição válida e ter atividade junto da Ordem dos Advogados Brasileiros. Também não precisam de realizar estágios profissionais.

Esta fórmula também era válida no sentido inverso. Ou seja, os advogados portugueses que querem exercer no Brasil também não precisavam de provas adicionais e estágios.

Dados divulgados pela Ordem de Advogados portugueses, em dezembro, mostram que, dos cerca de 34 mil profissionais inscritos na instituição, 3.173 são brasileiros. No Brasil, existem cerca de dois mil portugueses inscritos.

“Diferença notória na prática jurídica”

No comunicado divulgado na terça-feira à noite, a Ordem dos Advogados justifica que “em Portugal têm sido adotadas opções legislativas muito distintas das que são implementadas no Brasil” e que esse facto “tem contribuído para que ambos os ordenamentos jurídicos se afastem e tenham evoluído em sentidos totalmente diferentes”.

“Verifica-se ainda que, no quadro atualmente vigente, existem sérias e notórias dificuldades na adaptação dos Advogados(as) brasileiros(as) ao regime jurídico português, à legislação substantiva e processual, e bem assim às plataformas jurídicas em uso corrente, o que faz perigar os direitos, liberdades e garantias dos(as) cidadãos(ãs) portugueses(as) e, de forma recíproca os(as) dos(as) cidadãos(ãs) brasileiros(as)”, lê-se no documento.

A OA salienta ainda que recebeu "inúmeras queixas relativas à utilização indevida do regime de reciprocidade em vigor, o qual só deverá produzir efeitos no âmbito da inscrição como Advogado(a) nas respetivas ordens profissionais e não para a obtenção de registo ou inscrição junto de outras Ordens de Advogados ou Associações Profissionais Equiparadas de outros Estados membros da União Europeia, que não são, nem nunca foram, parte deste acordo”.

Entre fevereiro e junho deste ano, terão havido várias reuniões entre as duas entidades. Segundo o comunicado da OA, no fim de junho, a Ordem brasileira considerou não ter “condições para poder proceder às alterações do atual regime de reciprocidade e a AO nem no imediato, nem dentro de um prazo" considerado razoável pela Ordem portuguesa.

De alguma forma, o comunicado da AO expressa que havia um entendimento comum entre as duas entidades sobre os atuais problemas que estavam a ser enfrentados pelos advogados brasileiros em Portugal, e vice-versa. A discórdia estaria no tempo de resolução e aperfeiçoamento do regime de reciprocidade existente.

Para a rescisão “unilateral”, a OA considera que “perante a gravidade das questões acima identificadas e amplamente conhecidas, bem como a especial repercussão social que delas decorre, designadamente, no que se refere à garantia de uma efetiva proteção dos interesses legítimos dos(as) cidadãos(ãs) de ambos os países”, o Conselho Geral acredita que só “tal cessação se apresenta como suscetível de colmatar as preocupações conjuntamente identificadas e acima elencadas”. Ressalva ainda que estão salvaguardados “os processos em curso”.

Brasileiros "surpreendidos” 

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Beto Simonetti, reagiu através de um comunicado. No documento, assumiu surpresa pela decisão e garantiu que fará o que for necessário para “defender os direitos dos profissionais brasileiros aptos a advogar em Portugal”. Acrescenta que vai procurar retomar o diálogo, mesmo “compreendendo” que a Ordem portuguesa “enfrenta dificuldades decorrentes de pressões governamentais”.

“O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi surpreendido, nesta terça-feira (4/7), pela decisão da Ordem dos Advogados Portugueses (OAP) de romper, unilateralmente, o acordo de reciprocidade que permitia a inscrição de advogados brasileiros nos quadros da advocacia de Portugal e vice-versa”, lê-se no comunicado.

Beto Simonetti lembra que “estava em curso um processo de diálogo iniciado havia vários meses com o objetivo de aperfeiçoar o convênio, uma vez que a realidade demográfica, social, legislativa e jurídica dos dois países evoluiu desde a assinatura do acordo”. E assume que se opôs a alterações que validassem “textos imbuídos de discriminação e preconceito contra advogadas e advogados brasileiros".

"A mentalidade colonial já foi derrotada e só encontra lugar nos livros de História, não mais no dia a dia das duas nações”.

Perante o “anúncio unilateral”, a Ordem dos Advogados do Brasil faz saber que “tomará todas as medidas cabíveis para defender os direitos dos profissionais brasileiros aptos a advogar em Portugal ou que façam jus a qualquer benefício decorrente do convênio do qual a Ordem portuguesa está se retirando. Paralelamente, a Ordem dos Advogados do Brasil buscará a retomada do diálogo, respeitando a autonomia da Ordem dos Advogados Portugueses e compreendendo que a entidade europeia enfrenta dificuldades decorrentes de pressões governamentais”.

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