Juíza recusa condenar Rui Pinto com base na lei da amnistia da Jornada da Juventude

ECO - Parceiro CNN Portugal , Filipa Ambrósio de Sousa
11 jul 2023, 12:38
Rui Pinto

Lei da amnistia foi aprovada na generalidade, mas ainda não entrou em vigor. Rui Pinto pode vir a ser amnistiado nos crimes de violação de correspondência e acesso indevido

Dois anos e sete meses após o início do julgamento, o pirata informático Rui Pinto ainda não vai conhecer a decisão do coletivo. A leitura do acórdão estava marcada para esta quinta-feira mas, depois de sucessivos adiamentos, agora é a juíza responsável pelo processo que se recusa a fazer a leitura do acórdão do hacker português, devido à nova lei da amnistia, aprovada pelo Governo a propósito da vinda do Papa na Jornada Mundial da Juventude (JMJ), mas que ainda não está sequer em vigor.

No que toca, em concreto, aos crimes de violação de correspondência e o crime de acesso indevido, a juíza considera que não vale a pena decidir para depois o arguido vir a ser amnistiado, com base na referida lei.

“Sucede […] pela proposta de lei aprovada na generalidade no passado dia sete que visa fixar um regime de perdão de penas e de amnistia de infrações praticadas por jovens até às 0h00 de dia 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática dos factos, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude (JMJ)”; diz a magistrada Margarida Alves. Rui Pinto celebrou 30 anos só em outubro de 2018.

No que concerne ao regime da amnistia, prevê-se que venham a ser amnistiadas todas as infrações penais cuja pena aplicável não seja superior a um ano de prisão ou a 120 dias de multa. “Sendo certo que estarão excluídos de tal amnistia os crimes previstos no artigo 5.º da referida proposta de lei, entre os quais a extorsão, prevista no artigo 223.º do Código Penal, e os crimes do foro da cibercriminalidade, previstos na Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, na sua redação atual”.

Diz então a juíza que “constata-se, assim, que se encontra iminente a entrada em vigor de uma lei que irá colidir com a apreciação que cumpre fazer da responsabilidade criminal do arguido Rui Pinto relativamente a alguns dos crimes pelos quais se encontra pronunciado, nomeadamente o crime de violação de correspondência e o crime de acesso indevido que, nas suas formas simples, são punidos precisamente com uma pena de prisão até um ano ou com pena de multa. O arguido, atenta a sua idade à data da prática dos factos, encontra-se abrangido pelo âmbito de aplicação da referida Lei”.

Assim, é entendimento do tribunal coletivo que mostrar-se-ia “inútil e contrário à estabilidade inerente às decisões judiciais, a prolação de um acórdão que de seguida, dias depois, pudesse ter que vir a ser alterado, mediante marcação de audiência para eventual reformulação”.

Acrescenta ainda que “seria inusitado e contrário a uma tramitação célere que num curto espaço de tempo no presente processo passassem a coexistir dois acórdãos, o segundo dos quais proferido antes do trânsito em julgado do primeiro, com todas as inerentes questões processuais e atrasos para a definição da situação jurídica do arguido que de tal situação adviria”.

Mas, para os arguidos “terem a sua situação jurídico-processual definida no mais curto espaço de tempo possível, designar para a leitura de acórdão o próximo dia 31 de julho de 2023, pelas 14h30, caso a referida lei da amnistia entre em vigor até ao dia 28 de Julho de 2023 ou, em alternativa e somente para o caso tal não vir a suceder, o próximo dia 11 de Setembro de 2023, pelas 14h30”.

Rui Pinto estava acusado de 90 crimes, sendo 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.

Entre os visados estão Jorge Jesus, Bruno de Carvalho, o então diretor do DCIAP Amadeu Guerra e os advogados José Miguel Júdice, João Medeiros, Rui Costa Pereira e Inês Almeida Costa.

Em 2019 Rui Pinto assumiu que era o criador do site “Football Leaks”, criado em 2015. Segundo o arguido, esta plataforma surgiu após a divulgação do escândalo de corrupção na FIFA, que levou à detenção de vários dirigentes, e tinha como objetivo divulgar a “parte oculta do futebol”. Assim, a partir de Budapeste e através desta plataforma, Rui Pinto divulgou diversos documentos polémicos sobre futebol nacional e mundial.

No âmbito de um mandato de detenção europeu, foi detido no dia 16 de janeiro de 2019 em Budapeste. Após o “rebentar” do escândalo, em março de 2019, Rui Pinto foi entregue pelas autoridades húngaras à justiça portuguesa, tendo ficado em prisão preventiva no âmbito de um inquérito do Departamento Central de Investigação e Ação Penal. Inicialmente foi apenas indiciado por seis crimes.

“O Ministério Público e os advogados estão equivocados se consideram que não há um arrependimento sincero da minha parte. Não vou dizer que tenho a vida destruída, porque ainda estou vivo e enquanto há vida, há esperança… Mas tive comportamentos errados que violam a lei, claramente”, disse o criador do Football Leaks no encerramento das alegações finais, em janeiro, sem deixar de enaltecer as revelações do Luanda Leaks, que foram igualmente abordadas ao longo do julgamento.

Rui Pinto esteve em prisão preventiva entre o dia 22 de março de 2019 e 8 de abril de 2020 e em prisão domiciliária até ao dia 7 de agosto de 2020, tendo sido libertado “devido à sua colaboração” com a PJ e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.

Na altura em que foi preso preventivamente, a juíza de instrução criminal, Margarida Alves, justificou a medida com a inversão da postura do arguido, que passou a apresentar “um sentido crítico e uma disponibilidade para colaborar com a justiça” e, por outro, dizendo que as fronteiras se encontravam sujeitas a elevados controles devido à pandemia de Covid-19, razão pela qual entendeu “que se mostrava reduzido o perigo de fuga”.

No início de junho de 2020, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso do Ministério Público e manteve a decisão instrutória, proferida em 17 de janeiro de 2020, que pronunciou Rui Pinto por 90 crimes e não pelos 147 que constavam da acusação do MP.

Perdão de penas por visita do Papa na Jornada Mundial da Juventude

O Conselho de Ministros aprovou no dia 19 de junho, por via eletrónica, uma proposta de lei que estabelece o perdão de penas ou amnistia de crimes e infrações praticadas por condenados dos 16 aos 30 anos.

As medidas de clemência propostas, direcionadas apenas para os jovens, foram decididas, segundo admite o Governo, “no quadro” da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, que contará com a presença do Papa Francisco, “cujo testemunho de vida e de pontificado está fortemente marcado pela exortação da reinserção social das pessoas em conflito com a lei penal”, indica o comunicado do Conselho de Ministros.

O diploma determina um perdão de um ano para todas as penas até oito anos de prisão, sendo adicionalmente fixado um regime de amnistia que compreende as contraordenações cujo limite máximo de coima aplicável não exceda 1.000 euros e as infrações penais cuja pena não seja superior a um ano de prisão ou a 120 dias de pena de multa.

Neste lote de perdão não estão incluídos arguidos que tiverem praticado crimes de homicídio, de infanticídio, de violência doméstica, de maus-tratos, de ofensa à integridade de física grave, de mutilação genital feminina, de ofensa à integridade física qualificada, de casamento forçado, de sequestro, contra a liberdade e autodeterminação sexual, de extorsão, de discriminação e incitamento ao ódio e à violência, de tráfico de influência, de branqueamento ou de corrupção.

Estão abrangidas pela presente lei, a submeter à Assembleia da República, as infrações praticadas até 19 de junho de 2023 por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade.

A última vez que o Executivo aprovou medidas semelhantes de perdão de penas e amnistia de infrações penais, que permitiram reduzir a população prisional, ocorreu durante a pandemia de Covid-19.

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