Ferro Rodrigues representa Portugal no funeral de Estado de ex-PM do Japão assassinado

16 set 2022, 04:37
Eduardo Ferro Rodrigues (Lusa/Rodrigo Antunes)

Antigo presidente do Parlamento, já retirado da política ativa, será o representante oficial de Portugal na cerimónia que irá homenagear Shinzo Abe, morto a tiro em julho. Maioria dos países europeus envia membros do governo ou representantes políticos em funções

 


Eduardo Ferro Rodrigues, ex-presidente da Assembleia da República, será o representante oficial de Portugal no funeral de Estado de Shinzo Abe, antigo primeiro-ministro do Japão que foi assassinado a tiro a 8 de julho. O enviado de Portugal difere da escolha feita pela generalidade dos países da União Europeia, que optaram por se fazer representar por representantes políticos no ativo - na sua maioria, membros do governo. 

Não será esse o caso de Portugal, que envia o antigo número dois da hierarquia do Estado, que deixou de ter funções políticas em março, quando foi substituído por Augusto Santos Silva como presidente da Assembleia da República. 

Ao contrário de Portugal, a generalidade dos países da UE será representada por responsáveis políticos de primeira linha, nomeadamente primeiros-ministros, presidentes do parlamento, ministros dos Negócios Estrangeiros ou outros membros do governo. 

A Espanha far-se-á representar pelo presidente do Senado, Ander Gil, e outros quatro países enviam o líder do respetivo Parlamento, Senado ou Câmara dos Deputados. O Luxemburgo e a Roménia serão representados pelos primeiros-ministros, enquanto a Polónia envia o vice-primeiro-ministro. Três estados-membros da UE optaram pelos chefes da diplomacia, e outros quatro enviam ministros de outras pastas.

Ao que a CNN Portugal apurou, apenas dois países da UE decidiram, como Portugal, enviar figuras já retiradas da vida política ativa: França e Alemanha. Mas em ambos os casos, o representante será um antigo chefe do Estado: Nicolas Sarkozy, no caso da França, e Christian Wulff, pela Alemanha.

Quase 500 anos de história bilateral

A opção de Portugal por um representante oficial que está retirado de funções políticas contrasta com a longa história de relações bilaterais entre Portugal e o Japão, mais antiga e mais rica do que a de qualquer outro país europeu. Portugal foi o primeiro país ocidental a chegar ao Japão. Em 1543, três navegadores portugueses desembarcaram na ilha de Tanegashima, tornando-se os primeiros europeus a pôr pés no Japão. Ao longo do século seguinte, os dois países mantiveram intensas relações comerciais.

A presença portuguesa no Japão acabou por ser determinante na evolução histórica do país, devido à introdução das armas de fogo europeias, trazidas pelos navegadores. Para além disso, em consequência das relações comerciais entre os dois países, o Japão abriu pela primeira vez um porto a navios estrangeiros - a abertura do Porto de Nagasaki aos navios portugueses, em 1571, foi um marco na história do Japão. No ano passado, a cidade japonesa celebrou os 450 anos desse momento. O vídeo do Coro de Nagasaki a interpretar A Portuguesa, no âmbito dessas comemorações, tornou-se viral nas redes sociais. As relações diplomáticas bilaterais foram formalmente estabelecidas em 1860.

Para além da longa história comum, o Japão é a terceira maior economia mundial, com quem Portugal espera poder reforçar relações económicas e comerciais. Ainda recentemente investidores japoneses se mostraram interessados em projetos futuros no Porto de Sines.

EUA e Austrália em peso

Os Estados Unidos e a Austrália, os dois aliados mais próximos do Japão, já anunciaram que enviam delegações de alto perfil. A Casa Branca será representada pela vice-presidente Kamala Harris, mas o antigo presidente Barack Obama também já anunciou que estará presente na cerimónia em Tóquio. O primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, chefia a representação do seu país, que integra três antigos chefes do Governo.

O Canadá, outro aliado próximo do Japão, envia o primeiro-ministro Justin Trudeau, e a Índia também deverá ser representada pelo chefe do Governo, Narendra Modi. Mesmo a Coreia do Sul, cujas relações com o Japão sempre foram tensas e marcadas por altos e baixos, anunciou que será representada pelo primeiro-ministro.

Uma cerimónia polémica

Shinzo Abe foi o primeiro-ministro do Japão mais tempo em funções, ao longo de cerca de uma década, e é considerado uma figura decisiva na história contemporânea do país. O seu assassinato a 8 de julho, atingido por tiros de uma arma de fogo de fabrico caseiro enquanto discursava num comício de campanha eleitoral, chocou o Japão e o mundo. As motivações do crime, segundo o atirador, têm a ver com as ligações de Abe a uma seita sul-coreana, a Igreja da Unificação, conhecida em Portugal como Seita Moon. O assassino de Abe alega que queria chamar a atenção para as ligações do poder político japonês (em particular do partido de Abe, o PLD) a essa igreja, cujos fiéis são incentivados a fazer grandes donativos à instituição. Segundo se soube entretanto, a mãe do atirador terá levado a família à ruína com as doações que fez a essa seita. Desde o assassinato, centenas de elementos do PLD têm sido relacionados com a Igreja da Unificação, incluindo deputados e membros do governo.

A decisão do executivo japonês de realizar um funeral de Estado para o antigo primeiro-ministro - algo que não acontece há décadas - tornou-se bastante contestada e tem afundado a popularidade de Fumio Kishida, o atual chefe do governo (do mesmo partido de Abe). Para além do escândalo das relações entre Abe, o partido, e a seita sul-coreana, há a questão dos custos da cerimónia. A estimativa inicial era de 1,7 milhões de euros, mas esse valor subiu para 12 milhões de euros, um montante considerado excessivo pelos críticos da cerimónia, tendo em conta as dificuldades que muitos japoneses enfrentam devido à inflação, à desvalorização do iene e ao abrandamento da economia.

A cerimónia está marcada para 27 de setembro, e são esperados mais de seis mil convidados estrangeiros, representando mais de 70 países.

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