Esta história tem traições e títulos perdidos, vidros partidos e cabeças quentes

4 mai 2023, 09:04
West Ham-Manchester United 1995 (Foto Phil Cole/Getty)

História de um jogo olha para duelos com muito que contar entre West Ham e Manchester United

Escolhemos um dos encontros do fim de semana e partimos em busca de histórias. O Maisfutebol traz-lhe a História de Um Jogo. Desta vez, duelos com muito que contar entre West Ham e Manchester United

O dia é 14 de maio de 1995, o palco já não existe. Jogava-se a última jornada da Premier League e o Boleyn Ground recebia o West Ham-Manchester United. Os «Red Devils» estavam na luta pelo título, mas esbarraram na resistência dos Hammers. É um dos episódios mais marcantes do duelo entre as duas equipas, que se repete neste domingo. Um jogo que não é cabeça de cartaz entre os clássicos do futebol inglês, mas que tem muitas histórias. Com tendência para a temperatura aquecer.

A casa do West Ham é tradicionalmente território difícil para os «Red Devils» e a história começa aliás com uma derrota do United na primeira visita ao Boleyn Ground, também conhecido por Upton Park. Foi em 1911, numa eliminatória da Taça de Inglaterra. O West Ham, que jogava ainda na Southern League, venceu por 2-1. Nessa época os «Red Devils» viriam a conquistar o segundo título de campeões nacionais da sua história, o último em muitos anos, até à chegada de Matt Busby e da geração que levaria o clube ao topo, aquela que ficou marcada pela tragédia de Munique em 1958, mas cujos sobreviventes ainda teriam muito para ganhar.

Desse tempo fica uma vitória memorável dos «Red Devils» no Boleyn Ground. Que também cimentou a rivalidade. Em 1967, a longa era dos Busby Babes aproximava-se do fim. A 6 de maio, faltavam duas jornadas para o final da Liga quando o United visitou o West Ham, a precisar apenas de um empate para se sagrar campeão. Não foi bonito. Milhares de adeptos viajaram de Manchester e o encontro com os londrinos foi tudo menos cordial. O jogo ficou marcado por confrontos no exterior do estádio e também incidentes nas bancadas, uma animosidade que o marcador alimentou: o United venceu por 6-1, até hoje a sua maior vitória em casa dos londrinos, e fez a festa do título logo ali.

O esforço «obsceno» que custou um título

Os «Red Devils» seriam campeões europeus no ano seguinte, na final com o Benfica, mas a partir de então iniciaram nova travessia no deserto, que se prolongou nos primeiros anos de Alex Ferguson no banco e só chegou ao fim em 1993. Mas antes disso o West Ham negou-lhes um título. Em 1991/92, o ManUtd estever perto de ganhar o campeonato, mas começou a deitar tudo a perder em Upton Park.

Era a antepenúltima jornada da Liga e o ManUtd estava em segundo lugar, a um ponto do líder Leeds, antes da visita a um West Ham já despromovido, mas ainda com ânimo para se intrometer nas contas do campeonato. Um golo de Kenny Brown deu a vitória ao West Ham e atrasou o ManUtd. No final, um irado Ferguson indignava-se com o esforço «quase obsceno» do despromovido West Ham. Na ronda seguinte o United perdeu com o Liverpool e viu o Leeds festejar o título.

Avançando três anos, chegava então a última jornada da época 1994/95. Eram os primeiros tempos da Premier League e na frente do campeonato estava, contra todas as probabilidades, o Blackburn Rovers de Alan Shearer, que tinha Kenny Dalglish no banco.

A decisão jogava-se em dois campos nessa última ronda. O Blackburn, que liderava com dois pontos de vantagem sobre o ManUtd mas com pior diferença de golos, visitava o Liverpool. E os «Red Devils» jogavam em casa do West Ham, que estava tranquilo na tabela, sem nada a perder. O ambiente, como de costume, era quente.

Paul Ince, o «Judas»

Mais ainda por causa de Paul Ince, o médio que tinha deixado o West Ham, onde se formou, para rumar a Old Trafford. E que ainda antes de assinar foi fotografado com uma camisola do ManUtd. Na primeira vez que voltou a Upton Park, em 1994, Ince foi vaiado o tempo todo, mas acabou a marcar o golo, nos minutos finais, que valeu um empate a duas bolas. Mais tarde, contou que teve o impulso de festejar junto dos adeptos do West Ham, mas foi impedido por Brian McClair: «Provavelmente evitou que eu levasse um pontapé na cabeça, honestamente.»

Naquela última jornada de 1994/95, Ince também foi recebido com vaias e cartazes na bancada a chamar-lhe Judas. Ele ocupou o seu lugar no meio-campo do United, que não tinha Eric Cantona, a meio da suspensão de oito meses por causa do pontapé de «kung fu» a um adepto em janeiro desse ano, mas tinha uma série de miúdos a aparecer. Em campo, Gary Neville, Nicky Butt e depois Paul Scholes foram a guarda avançada da geração de 92.

O título perdido nos pés de Andy Cole

Michael Hughes adiantou o West Ham à passagem da meia hora. Pouco depois do intervalo, Brian McClair igualava. Em Anfield, as coisas corriam de feição aos «Red Devils». Com uma ajuda do arqui-inimigo Liverpool. Alan Shearer começou por adiantar o Blackburn Rovers, mas o empate chegou num golo de John Barnes à meia hora. E em cima dos 90m o Liverpool fez o 2-1. Marcou Jamie Redknapp, filho de Harry Redknapp, o treinador que em Londres estava sentado àquela hora no banco do West Ham. Foi talvez um dos golos menos festejado em Anfield. «Nunca ouvi o Kop tão silencioso depois de um golo do Liverpool, foi assustador. Toda a gente achou que o meu golo tinha entregado o título ao Manchester United», recordou Jamie Redknapp.

Mas não entregou. Mesmo com a derrota do Blackburn Rovers, o United precisava de vencer o West Ham. Bem tentou, até ao fim, um massacre infrutífero. Para a memória ficaram as oportunidades falhadas do United. De Andy Cole, sobretudo. A dividir também com uma enorme exibição do guarda-redes checo Ludo Miklosko, a segurar o 1-1 final.

Carlitos Tevez, a polémica e o golo salvador

O Manchester United de Alex Ferguson teve muitas batalhas duras com o West Ham, mas em momentos especiais as duas equipas souberam estar à altura. Foi assim em novembro de 2005. O primeiro jogo do United depois da morte de George Best foi em Upton Park, que recebeu o adversário com uma cerimónia de homenagem à lenda dos «Red Devils». Houve discursos e um longo aplauso das bancadas antes do jogo.

Na época seguinte, a rivalidade foi retomada, de novo com contornos épicos. Desta vez em Old Trafford. Em 2006/07, as duas equipas defrontaram-se em mais uma última jornada de drama, apimentada por Carlos Tevez. O West Ham tinha contratado o avançado argentino, bem como Javier Mascherano, num processo que fez correr rios de tinta, por o clube londrino ter violado os regulamentos sobre os jogadores detidos por terceiras partes – uma percentagem dos seus passes era do empresário Kia Joorabchian. Na derradeira ronda, o West Ham corria o risco de descer e estava na luta com Sheffield United e Wigan, que tinham confronto direto. Só uma vitória em Old Trafford salvaria o West Ham, que nessa altura tinha o português Luís Boa Morte. E em cima do intervalo… Carlos Tevez marcou o único golo do jogo.

O ManUtd já era campeão e Ferguson tinha deixado no banco Cristiano Ronaldo, Giggs e Scholes. Entraram todos na segunda parte, mas o resultado não se alterou. Desceu o Sheffield United e salvou-se o West Ham, que no verão protagonizou um braço de ferro com os «red devils» precisamente por causa de Tevez. O ManUtd queria contratar o argentino, os Hammers reclamavam direitos sobre o passe, o caso chegou à FIFA, mas resolveu-se com uma indemnização ao West Ham.

O ataque ao autocarro no adeus ao Boleyn Ground

Há ainda outro marco mais recente nesta história. O Manchester United foi o adversário do West Ham na despedida do Boleyn Ground, antes de o velho estádio ser demolido. Foi a 10 de maio de 2016 e o jogo ficou desde logo marcado por um incidente. À chegada ao estádio, o autocarro dos «Red Devils» foi atacado por adeptos da equipa da casa, alvejado com garrafas e diversos objetos. Não houve feridos, mas houve vários vidros partidos e o jogo começou com 45 minutos de atraso.

Em campo, foi um grande jogo, com reviravoltas no marcador e uma vitória do West Ham, por 3-2, que complicou muito as contas do Manchester United, que estava então no quinto lugar e acabou por ficar mesmo de fora dos lugares de Liga dos Campeões.

Agora, a casa do West Ham é o London Stadium, o recinto que recebeu os Jogos Olímpicos de 2012. Será esse o palco do duelo deste domingo, desta vez sem decisões imediatas em jogo - o ManUtd está há muito arredado da luta do título e concentra-se em segurar um lugar na Liga dos Campeões. O West Ham tem feito boas temporadas sob o comando de David Moyes, o treinador que em 2013 sucedeu a Alex Ferguson no Manchester United, mas esta época ainda não está a salvo na luta pela manutenção – está quatro pontos acima da linha de água – e tem atenções focadas também na Liga Conferência, onde começa na próxima semana a disputar a meia-final com o AZ Alkmaar. Depois da Liga Europa na época passada, é a segunda meia-final europeia seguida para os Hammers.

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