"Prefiro pouco, mas fiável, do que muito e incerto". David, Sandra e Vítor fugiram à regra e aumentaram as rendas abaixo do que a lei permite

15 abr, 07:00
Imobiliário (Associated Press)

Para muitos proprietários, aumentar a renda em 6,94% este ano iria sobrecarregar os inquilinos e levá-los a situações de incumprimento. Por isso, preferiram subir só mesmo o necessário para não terem de regressar ao mercado de arrendamento - "é uma roleta russa para arranjar alguém que não nos dê problemas", conta uma senhoria de Lisboa

No final do ano passado, David Almeida começou a fazer contas à vida. Recebe entre 450 e 500 euros por mês de renda através dos dois apartamentos que tem alugados a jovens estudantes perto do Hospital de São João, no Porto, e existia a possibilidade de cobrar mais, se decidisse atualizar o valor segundo o coeficiente definido para 2024 - um aumento de 6,94% que lhe garantia cerca de mais 35 euros por mês, mas que lhe trazia uma série de outras complicações: “Se eles são bons, o melhor é deixá-los estar, nem que isso signifique que não consigo rentabilizar tanto como poderia”.

Sabendo que a atualização total da renda segundo o coeficiente definido para este ano iria sobrecarregar os inquilinos, o proprietário, de 61 anos, decidiu então “dividir o prejuízo” e avançar com um aumento de 3%. “Decidi dividir o custo, digamos, pelas aldeias”. Isto porque, refere, muitos dos estudantes que tem vindo a receber “sofrem com dificuldades financeiras, por estarem longe dos pais e por terem de trabalhar ao mesmo tempo que estudam”. Por vezes, aponta, “pedem para adiar ou até para pagar em prestações a renda”.

O caso de David Almeida foge à regra, mas não é tão invulgar quanto se possa achar. No arranque deste ano, mais de dois em cada dez proprietários tomaram uma decisão semelhante, segundo um estudo feito pela Associação Lisbonense de Proprietários (ALP). O inquérito, conduzido ao longo do mês de março e que recebeu mais de meio milhar de respostas, aponta que 21,4% dos senhorios não fizeram a atualização pelo coeficiente legal de 6,94%.

As razões que os levaram a avançar para uma solução à margem da fórmula legal diferem: aproximadamente um terço das pessoas que responderam à ALP disse tê-lo feito por já ter outro tipo de acordo mútuo. Já 14% dos proprietários preferiram atualizar num valor diferente, por entenderem que o coeficiente iria colocar os inquilinos em risco de incumprimento e 10% sublinharam que mantiveram a renda inalterada porque acreditavam que qualquer aumento seria incomportável para os arrendatários. 

Os senhorios que falaram com a CNN Portugal identificam outra razão paralela: têm medo de regressar ao mercado de arrendamento. A falta de confiança é tal que a família de Sandra Pintéus, proprietária de uma “vivenda antiga” T6, prefere manter contrato com os mesmos inquilinos há 10 anos, mesmo que isso signifique rendas em atraso. “Pagam tarde, mas pagam”, conta a proprietária de 51 anos. 

Trata-se, diz, de “uma família de quatro pessoas que sempre foi da confiança” dos seus pais. Mantêm uma renda “à volta dos 500 euros” há vários anos e a razão que os leva a não avançar com mexidas “demasiado drásticas” prende-se com a realidade do mercado de arrendamento. “Antes destes inquilinos já tivemos várias situações de incumprimento”. Uma das que mais impacto lhe causou, conta, foi quando os seus pais foram chamados de forma inesperada a fornecer explicações à EDP. “Os inquilinos tinham feito uma ligação direta para não pagarem eletricidade”, explica.

“É uma roleta russa para arranjar alguém que não nos dê problemas”, alerta, destacando que os seus pais recebem “constantemente propostas para vender a vivenda”, mas que a mantêm por ter sido lá que cresceu a família. “Há uma procura imensa, estão sempre a receber cartas de ofertas para comprar a propriedade e a maioria é de fundos imobiliários”. “A nível social, sentimos que os senhorios têm um esforço maior do que o Estado tem”.
À CNN Portugal, Diana Ralha, diretora da Associação de Inquilinos Lisbonenses, destaca que os proprietários vivem “um clima de impunidade no arrendamento”. “Os arrendatários sabem que poderão estar um, dois ou três anos numa habitação sem que exista absolutamente nenhuma consequência”, aponta.

“Hoje em dia é muito difícil encontrar bons inquilinos, que paguem a tempo e horas e que cumpram o contrato”, afirma, por sua vez, Vítor Rodrigues, 66 anos, proprietário de um apartamento T5 que tem alugado, desde 2022, a quatro jovens trabalhadoras na Avenida Almirante Gago Coutinho, em Lisboa. 

Este ano, também Vítor Rodrigues escolheu não aumentar o valor da renda - cerca de 1.250 euros por mês - segundo o coeficiente de atualização anual, como determina o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU). “Elas pagam cada uma a sua parte e têm cumprido sempre muito bem e a primeira ideia para mim foi a de não querer martirizar as inquilinas”. “Prefiro pouco, mas fiável, do que muito e incerto”.

Na mesma linha, David Almeida refere que no mercado de arrendamento já teve situações em que lhe faltaram ao pagamento das rendas. “A situação mais recente foi a de um homem que não me pagava e se recusava a sair”. Nessa altura, sublinha, teve “de andar à porta do arrendatário para que as coisas acontecessem, porque se fosse para tribunal iria demorar vários anos para resolver a situação”. Por isso, diz, “prefiro reunir aqui um conjunto de pessoas que seja mais fiável e ganhar um bocadinho menos, mas segurá-los durante algum tempo”. 

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