Metade da humanidade vive em países onde despesa com dívida supera a de Educação ou Saúde

Agência Lusa , FG
12 jul 2023, 16:36
António Guterres, secretário-geral da ONU. (Hadi Mizban/ AP)

"3,3 mil milhões de pessoas são mais do que um risco sistémico, são uma falha sistémica", disse António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas.

Cerca de 3,3 mil milhões de pessoas – quase metade da humanidade – vivem em países que gastam mais com o pagamento de juros da dívida do que com Educação ou Saúde, segundo um novo estudo da ONU, divulgado esta quarta-feira. 

Os dados constam do recente relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), denominado "Um mundo de dívida", apresentado em Nova Iorque, com a presença do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, que considerou estes números uma "falha sistémica".

"Metade do nosso mundo está-se a afundar num desastre de desenvolvimento, alimentado por uma crise de dívida esmagadora. Essa é a principal mensagem do relatório que apresentamos hoje", disse Guterres.

"No entanto, como a maioria dessas dívidas insustentáveis está concentrada em países pobres, elas não são consideradas um risco sistémico para o sistema financeiro global. Isso é uma miragem, 3,3 mil milhões de pessoas são mais do que um risco sistémico, são uma falha sistémica", frisou.

De acordo com o ex-primeiro-ministro português, apesar de parecer que os mercados não estão a sofrer, as "pessoas estão", sendo que alguns dos países mais pobres do mundo são "forçados a escolher entre pagar as suas dívidas ou servir o seu povo".

Esses países “praticamente não têm espaço orçamental para investimentos essenciais nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) ou na transição para energia renovável. Os níveis de dívida pública são impressionantes – e crescentes", afirmou.

Em 2022, a dívida pública global atingiu o recorde de 92 biliões de dólares (83 mil milhões de euros), apontou Guterres, salientando que os países em desenvolvimento arcam com uma quantia desproporcional.

"Uma parcela crescente é mantida por credores privados que cobram taxas de juro altíssimas a muitos países em desenvolvimento", disse Guterres.

Em média, os países africanos pagam quatro vezes mais por empréstimos do que os Estados Unidos da América e oito vezes mais do que os países europeus mais ricos, segundo conclusões do levantamento feito pela ONU.

O relatório esta quarta-feira apresentado indica que a dívida pública atingiu níveis colossais, em grande parte devido a dois fatores: os esforços dos países para evitar o impacto de crises em cascata; e uma arquitetura financeira internacional desigual, que torna o acesso dos países em desenvolvimento ao financiamento inadequado e caro.

Citando dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), o líder da ONU disse que 36 países estão na chamada “fila da dívida” – ou em alto risco de sobreendividamento. Outros 16 estão a pagar taxas de juros insustentáveis a credores privados.

"Um total de 52 países – quase 40% do mundo em desenvolvimento – estão com sérios problemas de dívida. É um resultado da desigualdade construída no nosso antiquado sistema financeiro global, que reflete a dinâmica do poder colonial da época em que foi criado", criticou Guterres.

"O sistema não cumpriu o seu mandato como rede de segurança para ajudar todos os países a administrar a atual cascata de choques imprevistos: a pandemia, o impacto devastador da crise climática, e a invasão russa da Ucrânia", observou.

Na visão do secretário-geral, quando os países são forçados a pedir empréstimos para a sua sobrevivência económica, a dívida torna-se "uma armadilha que simplesmente gera mais dívida".

Apesar de ser um forte defensor de reformas profundas no sistema financeiro global, Guterres admitiu que essas reformas não acontecerão da noite para o dia.

"Mas há muitos passos que podemos adotar agora. As nossas propostas incluem um mecanismo eficaz de liquidação da dívida que apoie suspensões de pagamento, prazos de empréstimo mais longos e taxas mais baixas, inclusive para países vulneráveis de rendimentos médios", disse.

"A ação não será fácil, mas é essencial e urgente", concluiu António Guterres.

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