O 'Homem de Vittrup' morreu de forma violenta num pântano há 5.200 anos. Agora, os investigadores conhecem a sua história

CNN , Ashley Strickland
25 fev, 16:00
Crânio fragmentado do Homem de Vittrup (Stephen Freiheit)

Há cerca de 5.200 anos, a vida de um homem acabou de forma violenta numa turfeira no noroeste da Dinamarca. Agora, os investigadores usaram análises genéticas avançadas para contar a inesperada história do “Homem de Vittrup”, o imigrante mais antigo já conhecido da história da Dinamarca.

Há muito que os corpos dos pântanos, “múmias acidentais” preservadas de forma única e descobertas no norte da Europa, intrigam os investigadores, mas um novo estudo afirma que é a primeira vez que os especialistas conseguem mapear a este ponto a história de vida dos falecidos.

Os restos mortais do homem foram descobertos numa turfeira em Vittrup, na Dinamarca, durante o corte de turfa em 1915. O seu tornozelo direito, tíbia inferior esquerda, maxilar e crânio fragmentado foram encontrados ao lado de um taco de madeira. Os investigadores estimam que o homem morreu após ter sido atingido na cabeça pelo menos oito vezes com o taco de madeira algures entre 3100 a.C e 3300 a.C.

Os cientistas analisaram os restos mortais do Homem de Vittrup num estudo recente publicado na revista Nature sobre a pré-história genética da Dinamarca que sequenciou os genomas de 317 esqueletos antigos. Alguns desses investigadores decidiram conduzir um estudo individual ao Homem de Vittrup após o seu ADN ter revelado que era geneticamente distinto do resto da população dinamarquesa da Idade da Pedra. Um estudo a detalhar as suas descobertas foi publicado na quarta-feira na revista especializada PLOS One.

“Queria pôr uma caveira anónima a falar [e] descobrir o indivíduo por trás dos ossos. Os resultados iniciais foram quase ‘demasiado bons para serem verdade’, o que me levou a aplicar métodos adicionais alternativos. O resultado foi esta história de vida surpreendente”, disse num email o autor que liderou o estudo, Anders Fischer, gestor de projeto no departamento de estudos históricos da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, e diretor da Sealand Archeology.

O que a equipa descobriu ao reunir as peças da vida do Homem de Vittrup ajuda a explicar os movimentos e ligações entre diferentes culturas da Idade da Pedra.

Um migrante da Idade da Pedra

A equipa de investigadores, ansiosa por descobrir o máximo de pistas possíveis sobre o Homem de Vittrup, analisou o esmalte dos dentes, tártaro e colágeno ósseo usando métodos analíticos de última geração.

A deteção combinada de elementos químicos específicos no seu esmalte, como estrôncio, nitrogénio, carbono e oxigénio, bem como a análise a uma proteína nos seus dentes e ossos, revelou que a dieta do Homem de Vittrup passou de ser uma de caçador-recolector para a de um agricultor antes de morrer entre os 30 e os 40 anos.

O Homem de Vittrup provavelmente nasceu e cresceu na costa da Península Escandinava, talvez nos climas frios da Noruega ou da Suécia. Geneticamente era mais próximo do povo dessas regiões e tinha a pele mais escura do que nas comunidades da Idade da Pedra na Dinamarca.

Na Escandinávia, o Homem de Vittrup provavelmente pertenceu a uma comunidade de caçadores-recolectores do Norte que desfrutava de uma dieta à base de peixe, focas e até baleias, o que sugere que os forrageadores tinham embarcações que lhes permitiam pescar em mar aberto.

Depois, algo aconteceu que fez mudar a sua vida de forma drástica e por volta dos 18 ou 19 anos, o Homem de Vittrup estava na Dinamarca e subsistia à base de uma dieta de agricultor, comendo ovelhas e cabras.

A sua viagem até uma sociedade camponesa agrícola na Dinamarca “indica extensas viagens de barco”, dizem os autores do estudo. As movimentações de longa distância do Homem de Vittrup eram invulgares, “mas pode dizer algo sobre o intercâmbio recorrente entre agricultores dinamarqueses e caçadores-recolectores do Norte”, diz o coautor do estudo Karl-Göran Sjögren, investigador do departamento de estudos históricos da Universidade de Gotemburgo.

Não se sabe porque é que o Homem de Vittrup fez uma viagem tão longa, mas os investigadores têm algumas teorias. É possível que fosse um refém ou um escravo que se tornou parte da sociedade local na Dinamarca. Ou então era um comerciante que se instalou na Dinamarca.

Os arqueólogos sabem que machados de sílex foram comercializados da Dinamarca para o Círculo do Ártico na Noruega, diz o coautor do estudo Lasse Sørensen, investigador-chefe de culturas antigas da Dinamarca e do Mediterrâneo no Museu Nacional de Copenhaga.

“O estudo acrescenta um ser humano concreto de carne e osso a esta descoberta”, diz Sørensen.

Estudar o Homem de Vittrup tem ajudado os investigadores a ganhar conhecimento sobre a genética, estilo de vida e práticas ritualísticas das sociedades da Idade da Pedra, diz Sjögren.

“O Homem de Vittrup é um migrante – indiscutivelmente o primeiro imigrante de primeira geração conhecido da Dinamarca e arredores”, diz Fischer. “Tanto quanto sabemos, é a primeira vez que os cientistas conseguem mapear a história de vida de uma pessoa do Norte da Europa com tanto detalhe e de um passado tão distante.”

Morte num pântano

O Homem de Vittrup teve “uma trajetória de vida notável antes de ter sido morto e atirado ao pântano”, diz Fischer, que investiga culturas da Idade da Pedra há mais de 40 anos. O investigador tem um interesse particular na forma como a Dinamarca mudou de uma cultura de caçadores-recolectores para uma de agricultores há cerca de 6 mil anos.

Porque é que o Homem de Vittrup acabou com o crânio esmagado numa turfeira? A resposta exata nunca será conhecida, mas os investigadores acreditam que foi morto como sacrifício, uma prática que à data era comum na região.

Cartoon incluído na nova investigação mostra como o Homem de Vittrup foi potencialmente sacrificado num pântano. (Anders Fischer/Niels Bach)

“As zonas húmidas parecem ter desempenhado um papel especial na vida religiosa no Norte da Europa naqueles dias”, diz Fischer. “O Homem de Vittrup foi morto de uma forma brutal pouco comum. Outros humanos foram mortos por tiros de flecha ou estrangulados com uma corda.”

“Talvez devêssemos encará-lo como um escravo que foi sacrificado aos deuses quando deixou de estar apto a desempenhar trabalho físico pesado”, diz o coautor do estudo Kristian Kristiansen, professor de arqueologia na Universidade de Gotemburgo, em comunicado.

Mas também é possível que o Homem de Vittrup tenha estado no local errado à hora errada.

“Com base apenas nas provas arqueológicas é difícil distinguir isto de, por exemplo, alguém que foi morto num conflito ou roubado e morto”, diz Roy van Beek, professor associado de arqueologia paisagística na Universidade de Wageningen nos Países Baixos, via email. “Que ele possa ter sido um escravo ou mantido em cativeiro é, na minha opinião, bastante especulativo, mas os autores também mostram algumas reservas quanto a isso.”

Van Beek não esteve envolvido no estudo mas foi coautor da investigação publicada na revista especializada Antiquity sobre a riqueza de informação que os corpos dos pântanos fornecem sobre a vida pré-histórica.

“Na minha opinião, este é um estudo fascinante que mostra a enorme contribuição que os métodos bioarqueológicos inovadores podem dar para melhorar o nosso conhecimento sobre as sociedades pré-históricas, incluindo aspetos importantes como história populacional, migrações e estilos de vida”, disse Van Beek após ler o novo estudo.

“O nosso estudo na Antiquity mostra que a vida de milhares de humanos pré-históricos e históricos primitivos terminou em pântanos por todo o Norte da Europa, e estudos como este mostram o incrível potencial científico que encerram. E este é apenas um indivíduo – ainda só estamos a começar!”

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