Médicos, professores, ativistas, militares da GNR, advogados, proprietários: foi assim que eles viram (e avaliaram) o confronto Pedro Nuno Santos - Luís Montenegro

20 fev, 07:00
Debate Pedro Nuno Santos e Luís Montenegero (Lusa/José Sena Goulão)

Pelo país fora, houve muitos portugueses na expectativa de ver e ouvir Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro a falar das suas preocupações. Entre profissões e causas, a CNN Portugal foi à procura da avaliação deste frente-a-frente pelos destinatários das promessas eleitorais

Enquanto na parte exterior do Capitólio, onde decorreu o debate entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro, muitos polícias se manifestavam, mais longe, em Esposende, Tiago, um militar da GNR desta cidade assistia com expectativa ao frente a frente, achando que iria "finalmente" conhecer "medidas concretas" para atenuar as dificuldades que a classe vive atualmente. Mas ao fim de quase 80 minutos garante que ficou "desiludido" por os líderes do PS e da AD "apenas dedicaram alguns segundos ao tema" e por Pedro Nuno ter criado  "um clima de intimidação ao protesto".

Já Ivo Ferreira, um médico radiologista do Porto, chegou a uma conclusão depois de assistir ao confronto entre os dois lideres partidários: “Fico mais preocupado se ganhar Pedro Nuno Santos". Além da saúde, um dos temas mais quentes da noite, também a educação marcou troca de acusações entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro. Atenta ao que se passa, a professora de uma escola pública do Pinhal Novo, Cristina Mota avalia da mesma forma a prestação dos dois pretendentes a primeiro-ministro. "Ambos revelaram uma continuação da falta de respeito que temos sentido".

Houve ainda portugueses, como o ativista ambiental e professor universitário João Joanaz de Melo; a advogada de Lisboa Patrícia Baltazar Resende ou ainda membros de associações de imigrantes, como Alberto Matos, de Beja que passaram aqueles longos minutos à espera que o clima, a imigração  e a Justiça entrassem nos temas em discussão. Mas praticamente sem sucesso. Mais sorte teve Sandra Pintéus, uma proprietária da zona de Lisboa, que assistiu a várias trocas de ideias sobre a habitação, garantindo que uma das propostas que ouviu é "escandalosa" e Ricardo Ferraz, um economista que conseguiu perceber as duas estratégias para convencer o eleitorado a nível de política fiscal. Depois de acabar o debate todos falaram com a CNN Portugal e explicaram o que ouviram, sentiram e avaliaram no frente a frente entre os dois homens que falaram ao país, tentando captar votos de portugueses, como eles-  polícias, professores, médicos, ativistas, advogados, proprietários, imigrantes e economistas. 

Saúde: Ivo Ferreira, médico radiologista, 39 anos, Porto

Para o médico Ivo Ferreira, da zona do Porto, foi evidente quem, pelo menos na área da saúde, esteve melhor: Luís Montenegro. “Quando diz que abriram mais de 30 hospitais privados e zero públicos nos últimos anos, isso prova que há procura”.

“Ficou clara a diferença de modelos entre ambos. Independentemente de ser apologista ou não do SNS, que sou, entendo que para dar resposta a esta situação de emergência não há outra alternativa que não seja fazer parcerias”, diz este médico a trabalhar no setor privado no Porto.

Pedro Nuno Santos acenou com a ideia de investir mais no SNS e de formar mais médicos. Ideias que, para Ivo Ferreira, são boas, mas desmontadas pela própria experiência do governo socialista: “Recordo que estiveram anos a negociar e só conseguiram um acordo assinado por um sindicato”, nota, acrescentando que “depois Pedro Nuno Santos mostra um gráfico de investimento no SNS, mas é confrontado com a percentagem do valor executado”.

“Mais do que formar, é necessário perceber porque não se retém” médicos no SNS, considera o especialista que não esconde que na área da Saúde houve para si um perdedor no debate: “Fico mais preocupado se ganhar Pedro Nuno Santos. Há uma coisa que não foi discutida, que é obrigar os médicos a ficar determinado número de anos ao SNS. É uma aberração, porque os médicos pagam as suas propinas e acabam as suas especialidades no SNS”.

Educação: Cristina Mota, professora e porta-voz da Missão Escola Pública, 45 anos, Pinhal Novo

“Se tivesse de dar uma nota ao debate, ambos teriam negativa. Ambos revelaram uma continuação da falta de respeito que temos sentido”, aponta a professora Cristina Mota, de uma escola Pública no Pinhal Novo. E exemplifica: no meio da discussão sobre educação, até José Sócrates e Pedro Passos Coelho vieram à baila.

O debate sobre este tema, diz, esteve concentrado na recuperação integral do tempo de serviço dos professores. Mas na sua opinião mesmo aqui, houve questões que faltaram, dando um exemplo: “Não referiram como compensar os professores que entretanto se reformaram e não tiveram a contagem integral do tempo de serviço”.

Porque esse cenário, a acontecer, só mesmo se o orçamento permitir. “Não nos deixa descansados, de maneira nenhuma. Ambos mostraram uma falta de preparação para a pasta da Educação”,avalia.

Pedro Nuno Santos também reforçou a vontade de tornar a profissão mais atrativa. Mas, para os professores desta plataforma, diz Cristina Mota, isso traz um problema: “Não explica o que acontece aos restantes e vai fazer com que se sintam desrespeitados”.

Num debate onde não se falou de indisciplina, esta professora lembra que “não são as provas de aferição que vão aumentar a responsabilização dos alunos”. E embora Luís Montenegro queira levar “paz e tranquilidade” à escola pública, neste debate não o conseguiu: “Não senti paz e tranquilidade em nenhum”.

(José Sena Goulão / Lusa)

Polícias: Tiago, militar da GNR, 35 anos, Esposende

Para Tiago, que está na GNR desde 2009, e que no último mês tem estado em várias ações de luta pelo País, existia a expectativa de que os dois candidatos a primeiro-ministro dedicassem uma grande parte do tempo do debate da noite de segunda-feira aos problemas da classe. Especialmente, após a concentração de centenas de polícias no Capitólio.

Esse protesto, que não estava autorizado, “acabou por não dar força nenhuma, já que Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos dedicaram apenas alguns segundos a abordar as dificuldades que os polícias hoje enfrentam", diz. "Até pensei que fossem falar no final, mas fiquei desiludido", acrescenta o militar da GNR.

Do lado da AD, diz, o líder do partido “acabou por dizer o que já tem vindo a dizer ao longo dos tempos, que é que vai negociar". Mas, segundo Tiago, "negociar é um termo bastante vago. Ou seja, “ninguém ficou a perceber que tipo de medidas estão pensadas para melhorar os salários das polícias e para tornar a entrada na profissão mais atrativa”.

Já do lado de Pedro Nuno Santos, que pediu contenção às forças de segurança e disse que a negociação não se faz sob coação, o militar da GNR sublinha que “a sensação que deu foi que ele criou um clima de intimidação ao protesto”.

“Ainda que tenha razão sobre a questão da coação, para alguns colegas isto pode ter o efeito contrário, levando a comportamentos não desejados”, refere o agente, confessando: “Acredito que estas palavras de Pedro Nuno Santos possam inflamar mais ainda os protestos”.

“Enquanto o tema das pensões, saúde e educação, foram alvos de propostas concretas, para as forças de segurança não se viu nada”, nota ainda Tiago, que gostava que os líderes partidários se tivessem focado na questão dos serviços gratificados na polícia.  Gratificados estes,“que na verdade não passam de um segundo trabalho que muitos temos de fazer para termos um salário minimamente digno e que nos roubam tempo pessoal e familiar”. 

Com os poucos segundos dedicados ao tema das forças de segurança neste debate entre os líderes dos dois maiores partidos, o militar da GNR  assume que não tem “grande esperança que na campanha eleitoral sejam abordados assuntos relacionados com as forças de segurança".
 

(José Sena Goulão / Lusa)

Clima: Leonor Caldas, 27 anos, ativista climática na Climáximo, Lisboa e João Joanaz de Melo, 61 anos, professor universitário na área da engenharia do ambiente

O clima praticamente não entrou do debate. Entre os ativistas, ninguém estranhou. ““É um debate como se estivéssemos numa realidade alternativa. Feito num clima de falsa normalidade, que não contempla qualquer plano para travar a catástrofe climática. Isto é uma perversão da democracia”, reage Leonor Caldas da Climáximo. Notando que Luís Montenegro mencionou que a crise climática é uma das prioridades, critica: “Mas depois não há qualquer menção”. Para Leonor Caldas, é claro: “Não há intenção nenhuma de avançar com um plano”, mesmo que o clima vá ter implicações em todas as outras áreas das nossas vidas.

De outra geração de ativistas pelo clima, João Joanaz de Melo lembra que “qualquer um deles defendeu medidas que têm implicações ambientais, mas que não foram equacionadas”. E dá um exemplo muito concreto: o do novo aeroporto de Lisboa, que foi tratado apenas como um problema de "localização”. “O objetivo é olhar para o curto prazo, dar resposta àquilo que é a contestação na rua”, diz.

Foi, em resumo, um debate sem surpresas, até porque uma das entidades com que João Joanaz de Melo colabora, o GEOTA, já tinha convidado o PS e o PSD para falar sobre política de ambiente. Até agora, não receberam respostas de nenhum.

Imigração e Integração: Alberto Matos, 71 anos, porta-voz da Associação Imigrante, Beja

Alberto Matos passou o debate à espera que o tema da imigração surgisse. Contudo, só encontrou uma referência, quase indireta, de Pedro Nuno Santos a defender a importância do ensino do português para estrangeiros. “É, de facto, fundamental para a integração numa escola cada vez mais intercultural”. Mas, “por si só não chega”, avisa.

A viver num distrito onde a questão da imigração tem ganhado escala, sobretudo no trabalho agrícola, alimentando discursos racistas e xenófobos aproveitados “mais à direita”, Alberto Matos distribui culpas neste debate. Porque também a moderação e os tempos não permitiram lá chegar.“Infelizmente, não fiquei muito surpreendido”.

“Estiveram arredados. E essa invisibilidade no debate não pode dar-se no país”, onde há praticamente um milhão de imigrantes. “Não é possível falar de economia sem falar em imigrantes. O PSD tem adotado uma posição paternalista em relação aos emigrantes. Quer emigrantes qualificados. Mas qualificados para que economia? Temos uma economia de baixos salários, na agricultura, na construção e na hotelaria, que não atraem pessoas altamente qualificadas.

(José Sena Goulão / Lusa)

Justiça: Patrícia Baltazar Resende, advogada, 50 anos, Lisboa

Numa pré-campanha que ficou marcada pelos casos judiciais que levaram ao derrube do governo de António Costa e de Miguel Albuquerque, na Madeira, nem Luís Montenegro, nem Pedro Nuno Santos dedicaram muito tempo tema da Justiça. Para Patrícia Baltazar Resende, uma advogada de Lisboa, esta opção de excluir esta área do "mais importante debate" de toda a campanha, “cria uma angústia e preocupação no setor” - que tem vindo a ser marcado por sucessivas greves de oficiais de justiça e pela morosidade dos processos que chegam aos tribunais. 

“Num momento de greve de oficiais de justiça, que prejudicou vários processos, não foi falado nada sobre isso”, diz, acrescentando que “até agora sabe-se muito pouco sobre o que pretendem para fazer face à morosidade da justiça ou à falta de recursos humanos nos tribunais”. 

Patrícia Baltazar Resende lamenta ainda que, em todos os debates em que os líderes do PS e do PSD participaram, “não se tenha uma vez falado nas centenas de euros que os advogados, mesmo sem rendimentos, são obrigados a pagar para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores”.

“Vejo muitos colegas em situações muito difíceis em termos económicos por causa desta contribuição e tenho pena que os líderes dos maiores partidos não tenham incluído este tema na sua agenda”, afirma, referindo que, “os profissionais liberais caem sempre para último lugar nas prioridades”.
 

(José Sena Goulão / Lusa)

Habitação: Sandra Pintéus, proprietária de um Alojamento Local, 51 anos, Lisboa

O que saltou mais à vista para a Sandra Pintéus foi a proposta do líder do PSD que defendeu, durante o debate com Pedro Nuno Santos, a redução do IVA para 6% na construção para arrendamento. “Faz todo o sentido esta medida”, aponta, “dada a pouca oferta de habitação que existe atualmente em Lisboa”.

Já relativamente a Pedro Nuno Santos, Sandra Pintéus diz que lhe pareceu “escandalosa” a proposta de que a atualização das rendas seja indexada ao aumento dos salários, quando a taxa de inflação for superior a 2%. “É escandaloso, porque coloca o ónus do suporte dos inquilinos nos proprietários e só vai levar a que muitos deixem o mercado de arrendamento e vendam as casas”. 

Outro dos temas que a proprietária gostava de ter ouvido ambos os líderes a discutir é a “falta de regulamentação que leva os fundos imobiliários a comprarem dezenas de casas nas baixas de Lisboa, levando a uma especulação de preços e a vários despejos”. 

No seu prédio, diz, recentemente teve “uma vizinha idosa que foi despejada depois de um fundo imobiliário comprar a casa que estava a arrendar, com o objetivo de a tornar num estabelecimento hoteleiro”. Sandra Pintéus, que já recebeu propostas deste tipo de fundos, que não aceitou porque tinha a sua casa em Alojamento Local, explica que “os proprietários não confiam nada, hoje em dia, no mercado de arrendamento, porque os riscos e os custos a que ficam sujeitos não compensa o investimento que tem de se ter”. 

Política fiscal: Ricardo Ferraz, economista e professor universitário, 39 anos, Coimbra

Nos cerca de 80 minutos de debate, Ricardo Ferraz viu em Luís Montenegro uma estratégia que “passa por um choque fiscal como forma de estimular a economia”, já de Pedro Nuno Santos, diz, há a ideia de que “pretende seguir a mesma estratégia do actual governo socialista”.

“No geral, concordo com o choque fiscal que a AD pretende, embora admita que se poderá questionar se é possível conjugar esse choque com aumentos de despesa permanente, que a AD também propõe, e no final haver excedentes orçamentais”, aponta o economista.

Já relativamente ao PS, admite um receio.“Creio que se poderá questionar se não estará a revelar falta de ambição e de visão”. “Portugal é dos países menos competitivos fiscalmente no espaço da OCDE, pelo que, para darmos um salto, é necessário olharmos a sério para os impostos que asfixiam famílias e empresas”.

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