"Arquitetura de segurança". Nova Lei de Contraespionagem da China dificulta contacto com estrangeiros

Agência Lusa , HCL
6 ago 2023, 08:40
Bandeira da China (AP Photo/Natacha Pisarenko)

Especialista em Direito chinês Jeremy Daum ressaltou a linguagem “vaga” e a vontade das autoridades, “agora muito mais forte”, em aplicar a Lei de Contraespionagem

A entrada em vigor das leis de Contraespionagem e para as Relações Externas na China pode dificultar o contacto entre cidadãos e entidades chinesas e estrangeiras, disseram à agência Lusa especialistas e funcionários governamentais.

A legislação passou a proibir a transferência de qualquer informação relacionada com a segurança nacional e alargou a definição de espionagem, à medida que o Presidente chinês, Xi Jinping, enfatiza a necessidade de construir uma “nova arquitetura de segurança”.

Em declarações à Lusa, numa visita recente a Pequim, o especialista em Direito chinês Jeremy Daum ressaltou a linguagem “vaga” e a vontade das autoridades, “agora muito mais forte”, em aplicar a Lei de Contraespionagem.

“A letra da lei não é assim tão importante: nunca faltou às autoridades [chinesas] base legal para atuarem”, salientou o pesquisador do Centro para a China Paul Tsai, da Escola de Direito da Universidade de Yale.

“Mas, agora, há claramente muito mais vontade em fazer cumprir a legislação e, por isso, sentimos que o ambiente está a apertar”, notou.

Daum receia que a legislação vá “dificultar ainda mais o contacto entre cidadãos chineses e estrangeiros”.

“Mesmo que não seja esse o propósito: a falta de clareza atribui um ar de suspeição a qualquer contacto”, notou.

“Sinto-me feliz, como investigador, que nesta visita [a Pequim], muitos dos meus velhos amigos chineses tenham mostrado grande disposição em reunir comigo. Mas, não sei o quão fácil vai ser fazer novos amigos”, observou.

Daum admitiu que “existe agora um cálculo, uma análise de custo benefício, no contacto com estrangeiros”.

É o caso de um funcionário de uma agência governamental chinesa encarregue de atrair investimento estrangeiro, que optou por não ser identificado, e que disse à Lusa que agora tem de pedir autorização e esclarecer o motivo antes de reunir com entidades estrangeiras, como aconteceu recentemente, durante um encontro com a câmara de comércio de um país europeu.

“Os contactos passaram a ser mais regulados e restritos”, apontou.

Crescentes fricções geopolíticas entre a China e o Ocidente motivaram também transformações nas perceções sobre o exterior.

Esta semana, o Ministério de Segurança do Estado chinês pediu a mobilização de “toda a sociedade”, visando “prevenir e combater a espionagem”.

O ministério indicou que todos os órgãos estatais e organizações sociais, empresas e instituições têm a obrigação de prevenir e impedir a espionagem e “proteger a segurança nacional”.

O organismo disse que vai colocar à disposição dos cidadãos números de telefone e caixas postais para receber denúncias, “garantindo o sigilo” dos informantes.

A lei chinesa já previa punições pesadas, incluindo pena de morte, para quem participa em operações de espionagem.

Em maio passado, um cidadão norte-americano de 78 anos foi condenado à prisão perpétua por acusações de espionagem.

No mesmo mês, a polícia chinesa entrou nos escritórios de duas consultoras, a Bain & Co. e Capvision, e de uma empresa de diligência prévia, a Mintz Group. As autoridades não deram nenhuma explicação, afirmando apenas que as empresas estrangeiras são obrigadas a cumprir a lei.

Na China, o “papel dirigente” do Partido Comunista (PCC), que governa o país desde 1949, é um “princípio cardeal”, estando o sistema judicial subordinado ao poder político. Noções como a separação de poderes e independência do sistema judiciário fazem parte da “ideologia errada” do Ocidente, que deve ser combatida.

Jeremy Daum considerou que a emenda que entrou em vigor em julho não visa aproximar a legislação dos parâmetros de um Estado de Direito, mas antes torná-la ainda mais “imprecisa e flexível”.

“Um ponto importante da emenda é: se se partilha algo que não está rotulado como segredo de Estado, mas que se devia saber que é um segredo de Estado, está-se também sujeito a punição”, explicou.

O especialista disse que outro ponto preocupante é que, de acordo com a emenda, não só é considerado espionagem “participar, ser agente ou aceitar tarefas, mas também alinhar com uma agência de espionagem”.

“O que quer dizer ‘alinhar com’? É um termo vago. Não é um termo legal”, resumiu.

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