Já há 35 casos do vírus Langya na China. O que é, quais os sintomas e qual o risco pandémico? (E como a ação humana pode ajudar a evitar futuras pandemias)

10 ago 2022, 20:07

Os primeiros dados que existem indicam que o o reservatório natural do vírus pode ser uma espécie de ratinho musaranho

Foi no final da semana passada que investigadores da China, Singapura e Austrália publicaram na revista científica New England Journal of Medicine um relatório - ainda a aguardar a revisão pelos pares - onde davam conta da deteção, através de exames de rotina, de um novo vírus zoonose: o vírus Langya (LayV).

Trata-se de um novo vírus, o sexto de uma família já conhecida pela comunidade científica: Henipavírus. Desta família, “são conhecidas seis espécies de vírus, duas são perigosas, quatro não são”. E é no leque das não perigosas que se encontra o Langya, ao contrário dos vírus Hendra e Nipah. “Não é por ser desta família que o torna automaticamente perigoso, não é o caso”, explica Miguel Castanho, investigador no Instituto de Medicina Molecular (IMM) e professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

“Esses outros dois vírus são relativamente perigosos, mas dependem da circunstância em que aparecem: das condições sanitárias do país, da resposta do sistema de saúde e daquilo que é o património genético de cada população”, destaca.

Segundo o The Washington Post, a primeira amostra do vírus Langya foi detectada no final de 2018 num agricultor da província de Shandong, que procurou ajuda médica por causa da febre. Durante um período de aproximadamente dois anos, 34 outras pessoas foram infectadas em Shandong e na vizinha Henan, sendo a maioria agricultores.

A origem deste novo vírus não foi formalmente definida e há “algumas dúvidas quanto ao animal portador” do vírus Langya. “Os dois vírus perigosos desta família são transmitidos por morcegos”, mas, neste caso, “os primeiros dados que existem, e isto é muito fresco e preliminar, porque é o primeiro estudo que aparece, apontam para que o reservatório natural, em que o vírus existe e depois passa a doença aos humanos, seja uma espécie de ratinho musaranho, que até é insetívoro”.

E como se dá a transmissão deste animal para humanos? “Ainda não é sabido”, mas “não é invulgar que os ratinhos sejam reservatórios de vírus”, diz o especialista.

O ratinho musaranho é o possível reservatório do vírus Langya (FRANK RUMPENHORST/DPA/AFP via Getty Images)

Quais os sintomas e sinais de alerta?

Nas pessoas infetadas, o vírus causou sintomas como fadiga (sentida por 54% dos infetados), perda de apetite (em 50% dos infetados), tosse (também em 50% dos infetados) e dores musculares (em 46%). Há ainda relatos de náuseas (38%) e de dor de cabeça e vómitos (36%), conta a Euronews. Além disso, todos os infetados tiveram febre e esse foi um dos aspetos que captou logo a atenção dos cientistas. “São sintomas semelhantes aos de uma gripe ou constipação, mas é de uma outra família, não do vírus influenza nem do SARS-CoV-2”, explica Miguel Castanho.

Mais de metade dos infetados (54%) tinha leucopenia, ou seja, um número insuficiente de glóbulos brancos que combatem patógenos, e mais de um terço (35%) tinha trombocitopenia, um baixo número de plaquetas, relata o NewScientist.

Não se sabe, para já, a duração nem a intensidade dos sintomas apresentados pelas pessoas infetadas pelo LayV.

Segundo o The Guardian, não há mortes registadas e o  professor Wang Linfa, da Duke-NUS Medical School, um dos coautores do relatório, disse que os casos detetados “não foram muito graves”.

Qual o risco pandémico?

Segundo Miguel Castanho, para já, tudo indica para que não haja um risco pandémico associado ao Langya - mas apressa-se a dizer que o risco nunca é nulo e que é necessário continuar a estudar o vírus e o seu comportamento.

“Em teoria, sim” há potencial pandémico, “devemos nunca parar de investigar, mas em princípio tudo indica que não, isto porque, independentemente das semelhanças entre os vírus, e até existem algumas parecenças entre este e o SARS-CoV-2 do ponto de vista bioquímico, o que conta para o potencial pandémico é a facilidade com que o vírus se transmite de pessoa para pessoa”, o que não se tem verificado.

“Para já, tudo aponta para que não haja transmissão de pessoa a pessoa ou para que ela não seja muito eficiente. Porque logo neste estudo feito na China também verificaram a existência do vírus no agregado familiar das pessoas infetadas mas nesse agregado familiar não detetaram pessoas infetadas”, continua o investigador, destacando que este “é um indício muito forte de que não existe potencial pandémico”. “Mais do que isso, os casos reportados parecem não estar correlacionados entre si, não parece ser o início de um surto com uma cadeia sucessiva de transmissões”, frisa.

Apesar de haver “relação com o coronavírus em alguns aspetos da constituição do vírus e nos sintomas que a doença causa”, a escala de risco é completamente diferente, diz Miguel Castanho. “O que interessa para efeitos práticos é a facilidade com que se transmite entre pessoas e nisso são radicalmente diferentes. Não há aqui um início de um grande surto, não estamos à beira do que aconteceu em Wuhan. Para efeitos práticos, eu diria que aquilo que afasta os vírus é muito maior do que o que aproxima”.

É a China um foco de doenças zoonose?

Com a chegada da covid-19 ainda fresca na memória de todas as pessoas, a chegada de um novo vírus oriundo na China “pode dar a ilusão de que a China é um ecossistema propício ao aparecimento de novos vírus, mas não é o caso, é uma coincidência”, diz o investigador. “Até mesmo os outros dois vírus de que falei desta família deste novo vírus, o Hendra e o Nipah, um deles apareceu na Malásia e o outro na Austrália, onde tem havido alguns surtos”.

Para o investigador, o facto de a China ser novamente palco de um vírus de origem animal com capacidade de transmissão para humanos deve-se ao seu “território imenso, onde pode acontecer o aparecimento de vários vírus”. Além disso, Miguel Castanho destaca o facto de a China ser “uma potência científica e tecnológica”, ou seja, “aquilo que acontece na China, neste domínio, é detetado, é analisado e é rapidamente reportado”. 

O investigador do Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa destaca que a ação humana tem um papel determinante neste tipo de situações, independentemente do país onde o vírus surge. “Em várias áreas do globo, os humanos têm invadido o território dos morcegos e os morcegos que se alimentam de fruta, por exemplo, têm de se alimentar dos mesmos pomares onde estão os humanos e se houver um vírus nos morcegos, este tem potencial para passar para os humanos por causa da partilha deste recurso natural. Em alguns locais, os excrementos dos morcegos são também usados como fertilizantes”, exemplifica. 

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