Vitor Baía e Carlos Secretário viveram por dentro os duelos entre os gigantes de Espanha e ajudam a compreender a rivalidade entre ambos; primeiro duelo realizou-se em 1902; tantos artistas, tantas histórias
Rivalidade alimentada pelo tempo. Mais de 100 anos olhos nos olhos, a trocar argumentos e a guardar no bolso do paletó, não raras vezes, a génese cavalheiresca do jogo. Real Madrid e Barcelona, gigantes paralelos, vão a jogo pela 229ª vez este sábado.É o duelo com direito a mais sequelas na história do futebol espanhol e, provavelmente, o que aglutina mais episódios rocambolescos.
Sátira, provocação, maniqueísmo, condimentos imperativos na essência de um jogo que ultrapassa os limites do campo e salta para o âmago da sociedade.
Falar de Real Madrid e Barcelona obriga-nos a enunciar dois dos nomes sagrados nas escrituras de cada um dos emblemas. Santiago Bernabéu nos blancos
Mas há mais, muitos, não fosse este, quiçá, o mais rico dos confrontos no desporto-rei. Real Madrid e Barcelona precisam, no fundo, um do outro para sobreviver. Alimentam-se mutuamente e contribuem indiretamente para o crescimento exponencial do arqui-rival.
Artistas? Tantos, tão bons. Veneráveis.
Alfredo Di Stéfano, Amancio, Emílio Butragueño, Vicente Del Bosque, Gento, Hugo Sanchez, Martin Vasquez, Michel, Ferenc Puskas, Raul, Santillana, Manuel Sanchís, Stielike, Jorge Valdano e Zinedine Zidane, só no Real Madrid.
Paulino Alcantara, Ricardo Zamora, Ladislao Kubala, Johan Cruyff, Carles Rexach, Diego Armando Maradona, Ronald Koeman, Hristo Stoichkov, Romário, Ronaldinho Gaúcho e Rivaldo, no Barcelona.
Luís Figo, Ronaldo Fenómeno, Luís Enrique, Michael Laudrup, Luis Milla e Samuel Eto’o dos dois lados.
Três parágrafos só para mestres. E nem tivemos de mencionar os nomes de Cristiano Ronaldo e Lionel Messi.
Quando, a 6 de março de 1902, Real e Barça dividiram pela primeira vez um campo de futebol, ninguém imaginaria que escreviam apenas e só o capítulo inicial de uma enciclopédia privada e de acesso restrito. Nesse primeiro clássico venceram os de Barcelona por 1-3.
A lista de portugueses que tiveram o privilégio de viver por dentro El Clásico
Vitor Baía defendeu quatro vezes a baliza do Barcelona contra o Real Madrid
«O que me recordo, acima de tudo, é que nos dias anteriores aos jogos as conversas iam para além do futebol. A questão da independência da Catalunha, por exemplo, ficava mais viva do que nunca»
«O lema do Barcelona, Més que un club, reflete a essência das suas gentes. A relação entre o adepto e o emblema é de amor puro, devoção total. E esses sentimentos são exacerbados ao quadrado sempre que o Real Madrid está do outro lado. Vivi isso tudo na primeira pessoa»
Baía acrescenta, aliás, não ser excessivo falar em ódio. «Não, não é excessivo e, de resto, é recíproco. Basta ler o tratamento que os jornais dão a toda a informação relacionada com o jogo. Até os jornalistas vestem a camisola, sem pruridos»
«Só os espanhóis entendem a dimensão disto»
Todos os golos do Clássico entre 1984 e 2014:
Em dois dos quatro jogos de Baía esteve Secretário. Do outro lado. O lateral direito fez 90 minutos pelo Real Madrid a 7 de dezembro de 1996 (2-0) e mais 35 (entrou e saiu) no 1-1 a 5 de fevereiro de 1997
«Recordo-me de uma vez que fui jogar a Barcelona e à chegada os adeptos partiram-nos os vidros do autocarro. Mas o Clássico que me deu mais gozo jogar foi o Real Madrid-Barcelona que ganhámos 2-0»
«Houve adeptos que ficaram dois e três dias nas filas para comprar bilhete. E nessa altura estava um frio de rachar. É nestes jogos que se vê a devoção dos adeptos ao clube»
O jogo de sábado realiza-se em Madrid. Secretário considera que em Barcelona a atmosfera é sempre mais pesada.
«Tudo é vivido de forma mais intensa, porque há questões políticas, relacionadas com a independência da Catalunha, que os adeptos levam para o estádio e o jogo, para eles, ganha outros contornos»
Agora à distância, Vitor Baía diz-se dividido: «joguei com o Luís Enrique, agora técnico do Barcelona, e com o Xavi. Mas do lado do Real está o Pepe, meu colega no FC Porto, além do Cristiano Ronaldo e do Fábio Coentrão. Desejo que seja um jogo bonito e com muitos golos»
Dez momentos definidores da rivalidade Real-Barça
1. Alfredo Di Stéfano esteve quase a assinar pelo Barcelona
2. Época 1960/61, o Real Madrid dono e senhor de cinco troféus consecutivos na Taça dos Campeões Europeus. Nos oitavos de final da sexta campanha defronta o Barcelona. Em Madrid empatam 2-2 e em Barcelona ganham os catalães por 2-1. Foi a primeira eliminação do Real nas provas europeias
Barcelona-Real Madrid em 1960
3. Chuva de garrafas na final da Taça do Rei em 1968
Real Madrid-Barcelona em 1968:
4. Invasão do relvado do Camp Nou
5. Supertaça de Espanha, 1990. Hristo Stoichkov pisa o árbitro Urizar Azpitarte, de cabeça perdida. O Real Madrid ganhou por 0-1 e Hugo Sanchez acabou o jogo agarrado aos genitais
6. Manita para um lado, manita para o outro
7. 1999/2000, Raul silencia o Camp Nou
8. Luís Figo, ídolo e vilão
9. 19 de novembro de 2005. Baile de futebol orquestrado por Ronaldinho Gaúcho
10. José Mourinho e o saudoso Tito Vilanova
Para o fim, o Maisfutebol
Melhor do que isto não há.
13 de junho de 1943: Real Madrid-Barcelona, 11-1
Há quem garanta que a rivalidade se extremou depois deste jogo. O Barcelona vencera 3-0 na Cidade Condal e os de Madrid queixaram-se do ambiente pesado. Na segunda-mão da Copa del Generalísimo
Juan Antonio Samaranch, posteriormente presidente do Comité Olímpico Internacional, deixou de ser jornalista depois de escrever a crónica do jogo.
25 de outubro de 1953: Real Madrid-Barcelona, 5-0
Di Stéfano chega e esmaga o Barça com dois golos. Chamartin fica a conhecer o Saeta Rubia
17 de fevereiro de 1974: Real Madrid-Barcelona, 0-5
O Chamartin rende-se a Johan Cruyff. «Depois do quinto golo só se escutava o silêncio o barulho das chuteiras na bola». O holandês fez um dos golos e encheu o campo com uma lição de técnica e inteligência. Asensi (2), o peruano Sotil e Rexach marcaram os restantes golos.
8 de janeiro de 1994: Barcelona-Real Madrid, 5-0
Quem não se lembra da vírgula
7 de janeiro de 1995: Real Madrid-Barcelona, 5-0
Jorge Valdano devolve a gentileza a Johan Cruyff. 41 anos depois, o Real voltou a aplicar uma manita