Toda a gente sabe que o Pai Natal vai andar por aí no Natal, a descer chaminés, a beber copos de uísque, a deixar presentes debaixo das árvores e a regressar ao Pólo Norte no seu trenó voador.
Ou - e é melhor pedir às crianças que desviem o olhar neste momento - será que ele vai mesmo estar morto debaixo de uma igreja com o seu nome, num porto do sul de Itália?
A cidade de Bari, situada no calcanhar da bota de Itália, reivindica esta história alternativa do Pai Natal há quase mil anos, depois de se ter dito que os restos mortais do senhor barbudo estavam enterrados debaixo de uma igreja que tem o seu nome.
O Pai Natal aqui é São Nicolau, reconhecido mundialmente como o homem que inspirou a lenda do Pai Natal. Nicolau, também conhecido como Niklaus ou Nicola, foi um santo cristão da vida real, nascido não no norte gelado, mas em Myra, no que é hoje a Turquia.
Acredita-se que São Nicolau nasceu por volta de 270 d.C. e morreu 67 anos depois. Era venerado em todo o Mediterrâneo pela sua generosidade, especialmente em Bari. Talvez por isso, os marinheiros de Baresi roubaram os seus ossos em 1087 e levaram-nos para a sua cidade.
Atualmente, três quartos do que se diz ser o esqueleto de São Nicolau repousam em paz sob a Basílica de San Nicola, a maior igreja de Bari, onde é regularmente visitada por cristãos de todas as denominações e de todo o mundo.
Os habitantes de Bari celebram regularmente a sua ligação a São Nicolau, mas estão um pouco indiferentes ao seu papel na extravagância comercial que é o Natal moderno.
Herói local
"Os habitantes locais orgulham-se de a sua cidade ser popular por três coisas: mexilhões deliciosos, praias imaculadas e São Nicolau", diz Antonio Palumbo, um realizador de cinema de Bari que fez um documentário sobre a ligação do santo ao Pai Natal.
"Mas eles não acham que o culto do santo tenha alguma coisa que ver com a ligação natalícia da cidade."
Entre os habitantes de Bari, refere Palumbo, há uma nítida relutância em abraçar a história da origem do Pai Natal/São Nicolau, em parte porque a famosa imagem de um homem de barba branca e vermelho foi inventada pelos comerciantes americanos de bebidas gaseificadas.
"O Pai Natal é visto como um estranho, uma figura consumista importada dos Estados Unidos, cuja cara vermelha e barriga redonda foi criada e explorada nos anos 30 pela Coca-Cola para fins publicitários, para levar as famílias a comprarem Coca-Cola porque as crianças gostavam dela", sublinha Palumbo.
Os habitantes locais, que guardam imagens de boa sorte e estatuetas de São Nicolau nas suas carteiras e carros, consideram o seu herói local muito diferente do Pai Natal.
"Veneramos o nosso padroeiro São Nicolau, rezamos-lhe nos momentos difíceis, ele protege as crianças, os jovens, os marinheiros e os comerciantes", diz Maria Rita Mauro, diretora do posto de turismo local.
"É o nosso culto e não o vemos como Pai Natal, apenas como São Nicolau."
As celebrações do dia de São Nicolau começam em Bari na noite de 5 de dezembro. Os habitantes locais assistem à missa católica romana na madrugada do dia seguinte e depois deliciam-se com chocolate quente, panquecas e palitos de polenta frita chamados sgagliozze. Realizam-se concertos de rua enquanto a estátua de San Nicola desfila pelo bairro antigo até uma enorme árvore de Natal. Os bares e as pastelarias estão abertos todo o dia.
Como Nicolau é também o santo padroeiro das mulheres solteiras, as jovens que procuram marido fazem tradicionalmente fila na basílica, rezando por um noivado.
Protetor das mulheres
Embora os habitantes de Bari possam ser demasiado protetores de São Nicolau, as autoridades eclesiásticas locais reconhecem e apoiam a ligação entre ele e o Pai Natal.
O padre Giovanni Distante, prior da basílica de San Nicola, diz que são a mesma pessoa.
"O Pai Natal é apenas uma evolução e uma transformação de São Nicolau, que é um santo universal venerado em todo o cristianismo, a seguir à Virgem Maria", afirma à CNN Travel.
A popularidade de São Nicolau entre os cristãos de todo o mundo (foram construídas igrejas em seu nome até no Japão) pode ajudar a explicar o apelo global do Pai Natal. Tal como a sua reputação de generosidade.
Segundo o padre Gerardo Cioffari, arquivista do centro de investigação da basílica de San Nicola, a imagem de São Nicolau como portador de presentes é um facto histórico e não apenas uma lenda.
"Há um episódio documentado e famoso que narra que uma noite ele atirou três sacos de moedas de ouro pela janela a três donzelas, permitindo-lhes um casamento decente."
Aparentemente, as raparigas não tinham dote e o pai tinha-as empurrado para a prostituição.
Por isso, passou a ser visto como um protetor das mulheres.
Em Itália, São Nicolau transformou-se no Pai Natal nos anos 1500, trazendo presentes às crianças e deslizando pelas chaminés, diz Cioffari. Este padre também apoia a ligação, apesar do descontentamento dos habitantes de Bari com as suas associações ao consumismo.
"Apoio a ligação porque, através do Pai Natal, encontro aqui em Bari pessoas de todas as raças que vêm estudar a origem do Pai Natal", diz. "Os fãs neerlandeses, belgas, suíços e alemães do Pai Natal vêm todos a Bari, mas é um folclore que não se instala na cidade."
A ligação à Coca-Cola
De acordo com a investigação de Cioffari, a metamorfose mundial de São Nicolau em Pai Natal começou em 1600, quando o santo foi exportado para o Novo Mundo através dos colonos neerlandeses de Nova Amesterdão, ou do que é hoje parte da cidade de Nova Iorque.
"Muitos poemas e livros americanos publicados nos anos 1800, incluindo obras de Washington Irving, escrevem e retratam São Nicolau a entrar nas casas e a levar presentes às crianças na véspera de Natal, e depois a voar num trenó puxado por renas", diz.
Nestes livros, continua a chamar-se São Nicolau, embora a cor do seu manto esteja sempre a mudar.
O sucesso do uniforme vermelho proposto pela Coca-Cola numa campanha dos anos 30 "batizou" e consagrou a imagem do Pai Natal tal como a conhecemos hoje, diz Cioffari. Muito provavelmente porque lembrava o vermelho do rótulo da bebida.
No entanto, as coisas estão a mudar lentamente em Bari. Uma nova consciência está a espalhar-se entre alguns Baresi, ansiosos por impulsionar os esforços para explorar a ligação Nicolau-Santo e transformar as ligações natalícias de Bari num ponto turístico.
Rossella Mauro, uma antiga professora que escreveu vários livros sobre o Pai Natal, diz que as jovens ainda vão à basílica na noite de 5 de dezembro para rezar por um marido.
"Sinto-me muito orgulhosa por o nosso santo padroeiro ter inspirado o Pai Natal. Bari ostenta as relíquias do verdadeiro Pai Natal e é ótimo que tenhamos o seu esqueleto no nosso quintal", diz ela.
Mauro reparou que, ultimamente, São Nicolau tem assumido características físicas mais semelhantes às do Pai Natal em pinturas, estatuetas turísticas e amuletos.
"Agora, é retratado com uma barriga grande e bochechas rosadas, há pequenos chocolates vendidos na cidade com a forma do Pai Natal e não de San Nicola", diz Mauro. Segundo ela, alguns habitantes locais até promovem as suas casas como "a verdadeira casa do Pai Natal".
Ioga, cerveja e t-shirts
Muitos locais em Bari têm o nome do santo. Há uma padaria de San Nicola, um estádio, um bar, um hotel e uma orecchietteria (uma loja onde se vende a tradicional massa orecchiette feita à mão em forma de orelha).
Em dezembro, atores andam pela cidade vestidos alternadamente de Pai Natal e de San Nicola.
Paco Ricchiuti, diretor da Velo Service, um operador turístico local, começou a tirar partido do laço natalício de Bari. Organiza visitas guiadas à basílica e ao museu local, onde estão guardados artefactos de São Nicolau.
Outras paragens turísticas incluem o estádio de San Nicola, um centro de investigação dedicado ao santo e pinturas murais espalhadas pela cidade que transformaram São Nicolau num herói da pop-art. No bairro histórico de Bari Vecchia, há vários murais do herói local, incluindo um em que ele está a fazer ioga.
"Levamos os visitantes em passeios guiados a pé, de bicicleta e de riquexó. Os veículos foram pintados com imagens de San Nicola e do Pai Natal e gostamos de levar atores vestidos de ambos para melhorar a experiência", afirma.
Os turistas também são brindados com a popular cerveja San Nicola, feita com ingredientes locais. Uma garrafa de cerveja mais pequena, chamada "Nicolino", apresenta uma imagem do santo no seu rótulo.
A cervejeira Paola Sorrentino diz que criou a cerveja para homenagear o santo, que é também o protetor dos fabricantes de cerveja e dos estrangeiros.
"Sou napolitana e esta cidade acolheu-me de braços abertos, tal como o seu patrono. Além disso, sou cervejeira, por isso não há melhor maneira de celebrar e agradecer a San Nicola", diz.
As t-shirts de recordação com a imagem de San Nicola também podem ser compradas em Bari, mas Ricchiuti diz que a cidade devia fazer mais para patrocinar a ligação de Natal em todo o mundo.
"Estou contente por o verdadeiro Pai Natal estar enterrado na minha cidade natal, que é o local de origem do mito do Pai Natal", diz. "As pessoas de todo o mundo invejam isto e não nos apercebemos de como somos abençoados."
