O SOM E A FÚRIA

Para seres feliz, baixa as expectativas: como os debates viraram a campanha

Sex, 16 fev 2024

Foram já 21 debates de rajada. Faltam sete.

Entrámos nos debates com as sondagens a dar vitória ao PS e a maioria à direita; e por mais que o azeite se afastasse do vinagre, via-se então Montenegro e Ventura a fazerem um governo galheteiro. Mas 21 debates depois, isso mudou: Montenegro está a ganhar mesmo sem ser muito bom, Pedro Nuno está a perder mesmo sem ser muito mau. O contraste com as expectativas ajuda o líder da AD, que finalmente saiu da letargia, e desajuda o do PS, que saiu da energia.

A sete debates do fim, este é o meu ranking:

 

1 - Luís Montenegro: devagar, devagarinho 

Faz hoje 51 anos. Conseguiu convencer pelo menos duas pessoas de que não vai dar o braço nem pedir a mão a André Ventura: Pedro Nuno Santos e Mariana Mortágua. Ambos quiseram tanto tratar Ventura como um leproso político que desmentiram as suas próprias profecias: “Nem o parceiro que tanto deseja o leva a sério”, disse Pedro Nuno a Ventura; “Ninguém se quer sentar ao seu lado”, desdenhou Mariana Mortágua. Montenegro agradeceu: e libertou-se finalmente da pergunta sobre o Chega. Falta lilbertar-se do único cenário que ainda não esclareceu: se o PS vencer sem minoria. Entre entrevistas emocionais e debates cerebrais, está a avançar em velocidade controlada: para prosseguir, convém-lhe que não se julgue o melhor condutor do mundo: não o é. Como o famoso haiku: “Ó caracol, / Escala o Monte Fuji, / Mas devagar, devagar!”

 

2 - Mariana Mortágua, em posição de ataque       

A mais jovem dos candidatos tem sido um doce frente à esquerda e uma fera frente à direita, que nitidamente não consegue sequer respeitar. Precisou de três debates para encerrar o erro inicial de usar o caso insinuado da avó, mas já superou a crise. Está a dar tudo - mas o debate mais importante para si não é o mais espalhafatoso: é hoje contra Pedro Nuno Santos. Porque disputam o mesmo eleitorado. E porque de um lado estará Mariana Mortágua a frisar que o melhor PS foi o da geringonça, e do outro estará Pedro Nuno Santos a apelar ao voto útil. E como os dois se admiram demasiado para serem agressivos, ou sequer desagradáveis, terão de - glosando Gabriel Alves - usar a força dos argumentos em vez dos argumentos da força.

 

3 - André Ventura, o caviloso

O candidato da extrema direita é o Conor McGregor dos debates, luta uma espécie de MMA sem regras e de eficácia deletéria: provoca, insulta, mente e desmente, acusa e no fim desguarda-se contra os "do regime" que trata como associação criminosa. É líder de audiências na TV, líder em seguidores nas redes sociais, cavalga para o objetivo de um milhão de eleitores - e quer ter poder, mesmo se o seu programa eleitoral é o mais delirante. Não lhe interessa nem a subtileza nem a sofisticação, interessa-lhe ganhar. Tem conseguido. 

 

4 - Rui Rocha, agora em polícia bom  

Tirou os óculos, pôs uma gravata e parece outro, com mais consistência e menos verrina. Trocou a altivez pela concentração e assim parece ter saído - pelo menos durante os debates - do campeonato do quem-é-mais-radical, que estava a marcar a pré-época desta campanha. A Iniciativa Liberal ainda tem de provar que basta tirar a campânula dos impostos para as plantas crescerem até ao céu, mas continua a ter uma mensagem fácil de compreender. O seu debate com Luís Montenegro, este domingo, é o BE-PS da direita. Precisa de contrariar o voto útil na AD.  

 

5 - Rui Tavares e o dilema sem filosofia 

Há pessoas que passam a vida inteira a perguntar quem são, Rui Tavares passa os debates a responder para que serve. É como um vendedor de excelentes aspiradores de tectos que, antes, tem de convencer-nos que precisamos de aspirar tectos. Isto não é escárnio, resulta até da desvalorização que os outros partidos de esquerda lhe fazem. Tavares é um excelente conversador, fala como um historiador de futuros e porta-se como um Bob, o Construtor de simpatias. Mas se for uma espécie de caramanchão do PS, serve para quê?

 

6 - Pedro Nuno Santos: luzes, câmara, mais ação 

Está numa situação difícil, porque teve tudo a ver com um governo que tinha pouco a ver com ele, e porque sobre ele voa o fantasma de António Costa, quer como político muito popular ainda agora, quer como líder de uma maioria absoluta desastrosa, quer como primeiro-ministro que deixou os cofres cheios e os serviços públicos numa lástima. Além disso, o PS é o partido português mais profissional de todos a ganhar eleições e tem tantos assessores que talvez tenha assessores de mais: Pedro Nuno Santos parece estar à procura de uma nova persona entre a ação e a reflexão. E o que sabe sobre habitação, transportes ou impostos parece não saber sobre justiça, saúde ou educação. Precisa de ganhar o debate a Luís Montenegro. 

 

7 - Inês Sousa Real e a concentração

Tem tentado, e muitas vezes conseguido, controlar os temas dos debates. Fez o melhor e pior no mesmo debate, com Luís Montenegro, que conseguiu apanhar de surpresa com uma inesperada agressividade - mas patinou quando acusou o líder da AD de a desrespeitar como mulher por interrompê-la - num debate, todos se interrompem uns aos outros. Percebe-se sempre que se preparou muito e que está a levar esta campanha a sério e com um sorriso. Mas não emprega um carisma cativante e parece pouco eficaz em captar novos eleitores.

 

8. Paulo Raimundo e a ortodoxia 

Já sabemos que vai dizer que os bancos lucram 12 milhões por dia e já sabemos que terá dificuldade em explicar que o verdadeiro PS é o destes últimos dois anos, pelo que útil é votar PCP. Pode até vir a ser o melhor líder de sempre do seu partido, mas é por enquanto o pior de todos eles a debater: a inexperiência parlamentar e eleitoral tem um custo: este custo. Este custo. É o único candidato, aliás, que parece ter tempo a mais. 

 

E as palavras mais ditas foram...

Metemos os debates todos numa máquina de palavras e de lá saíram estas: as que foram mais vezes ditas (tirando, claro, palavras comuns e nomes das pessoas e dos partidos presentes):

  • Portugal
  • Salários
  • Impostos
  • Casa/habitação
  • Corrupção
  • Saúde

São bons indicadores dos temas dominantes. Num país de baixos rendimentos, promete-se subida de salários e descida de impostos. Fala-se muito de habitação, corrupção e saúde. Pouco de educação ou justiça. E nada de agricultura ou defesa, por exemplo.

 

E por hoje não é tudo

Pode ver aqui os debates que faltam. Aqui todos os debates na íntegra. E aqui o nosso Pulsómetro.

Até segunda-feira, o dia do grande debate entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro. Mas ainda nos vemos antes. Bom fim de semana.

 

 

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Newsletter diária de Pedro Santos Guerreiro sobre a campanha eleitoral das legislativas de 2024