Empresas europeias "têm estado mais protegidas que os trabalhadores do choque adverso dos custos", indica estudo do FMI, antecipando que contribuição dos custos laborais para a inflação vai aumentar
O aumento dos lucros das empresas é responsável por quase metade da subida da inflação na Europa nos últimos dois anos, visto que as empresas aumentaram os preços acima do aumento dos custos da energia importada, segundo uma análise elaborada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).
Num artigo publicado no blogue oficial, três economistas da instituição liderada por Kristalina Gueorguieva argumentam que, com os trabalhadores a pedirem aumentos salariais para recuperar a perda do poder de compra, as empresas “poderão ter de aceitar uma menor percentagem dos lucros para que a inflação se mantenha no caminho certo para atingir o objetivo de 2% do Banco Central Europeu em 2025″.
A inflação na Zona Euro atingiu, em outubro passado, o pico de 10,6%, numa altura em que as empresas transferiram a subida dos custos das importações para os consumidores. Embora a inflação tenha abrandado para 6,1% em maio, a inflação subjacente — medida que exclui os produtos com preços mais voláteis, nomeadamente energia e alimentos — tem-se revelado mais persistente, conduzindo a consecutivos aumentos das taxas de juro pelo BCE.
“A inflação mais elevada até à data reflete, sobretudo, o aumento dos lucros e dos preços das importações, com os lucros a representarem 45% dos aumentos de preços desde o início de 2022″, escrevem Niels-Jakob Hansen, Frederik Toscani e Jing Zhou. Os custos de importação e os custos de mão-de-obra representaram, respetivamente, cerca de 40% e 25% da inflação, enquanto os impostos tiveram um “impacto ligeiramente deflacionista”.
Significa isto que as empresas europeias “têm estado mais protegidas do que os trabalhadores do choque adverso dos custos”, sublinham estes economistas do FMI, apontando que, entre janeiro e março deste ano, os lucros (ajustados à inflação) estavam cerca de 1% acima do nível anterior à pandemia de Covid-19. Por sua vez, os salários dos trabalhadores (ajustados à inflação) ficaram cerca de 2% abaixo da tendência — o que não é o mesmo que dizer que a rendibilidade aumentou.
No entanto, se se tomar como exemplo situações anteriores de subida dos preços da energia, a contribuição dos custos laborais para a inflação deverá aumentar no futuro. A organização internacional assinala, aliás, que já tem aumentado nos últimos trimestres, ao mesmo tempo que o peso das importações diminuiu desde o seu pico em meados de 2022.
“Este desfasamento nos ganhos salariais faz sentido: os salários são mais lentos do que os preços a reagir aos choques”, o que se deve parcialmente à pouca frequência de negociações salariais, justificam os economistas. Mas os trabalhadores pressionam agora por aumentos salariais, depois de verem os salários caírem cerca de 5% em termos reais em 2022. “As principais questões são a rapidez com que os salários irão aumentar e se as empresas irão absorver os custos salariais mais elevados sem aumentar ainda mais os preços”, afirmam.
Os três economistas antecipam que, com um aumento dos salários nominais a um ritmo de cerca de 4,5% e a produtividade praticamente inalterada ao longo dos próximos dois anos, a percentagem de lucros das empresas teria de voltar a cair para os níveis anteriores à pandemia para que a inflação atingisse os 2% em 2025. Isto partindo também do princípio de que os preços das matérias-primas continuam a descer.
Caso os salários aumentem de forma mais significativa — por exemplo, os 5,5% necessários para que os salários reais regressem aos níveis pré-pandemia até ao final de 2024 –, os lucros terão de cair “para o nível mais baixo desde meados da década de 1990 (salvo qualquer aumento inesperado da produtividade) para que a inflação volte ao objetivo” do BCE, calculam.
O FMI apela, assim, a que “as políticas macroeconómicas continuem a ser rigorosas para ancorar as expectativas e manter uma procura moderada”, o que “levaria as empresas a aceitar uma compressão da percentagem dos lucros e os salários reais poderiam recuperar a um ritmo moderado”.
Na segunda-feira, a partir do fórum anual do BCE, em Sintra, a vice-diretora do Fundo Monetário Internacional alertou que “a inflação está a demorar demasiado tempo” a regressar às metas definidas pelos bancos centrais. Referindo-se a “verdades desconfortáveis” com que se confronta a política monetária ao nível internacional, Gita Gopinath afirmou que o BCE “deve continuar comprometido em combater a inflação” na Zona Euro mesmo se, com isso, correr o risco de prejudicar o andamento da economia.