Raúl chegou ao fim da carreira, aos 38 anos
Soccer legend Raúl will retire at the end of this @naslofficial season. Story ➡️ http://t.co/r5CzDefRl3 #NYCosmos pic.twitter.com/ykiqAPXH5b
— New York Cosmos (@NYCosmos) October 15, 2015
Foi desta forma que o New York Cosmos confirmou ao mundo do futebol o adeus anunciado de Raúl Gonzalez no próximo mês de novembro. Aos 38 anos, o futebolista espanhol gozou os últimos meses de uma pré-reforma dourada, no segundo escalão norte-americano, proporcionando à sua família, entre um golo e outro, uma vida pacata e descontraída em Nova Iorque. Embora a despedida só este domingo tenha acontecido, há muito que os desempenhos de Raúl tinham deixado de ser relevantes para a sua lenda. Mais precisamente desde 2012, quando fechou o capítulo na Bundesliga e rumou ao Al-Sadd, do Catar, para converter em dólares o prestígio construído ao longo de 18 temporadas de altíssimo nível.
Há duas maneiras de falar sobre Raúl Gonzalez, e a mais fácil passa pelos números: seis títulos de campeão espanhol, três Champions e duas taças Intercontinentais, em 16 temporadas no Real Madrid. A isto há que juntar os 323 golos em 741 jogos com a camisola
Mas, como em todos os raros jogadores capazes de marcar uma época – e Raúl, indiscutivelmente, marcou a sua – os números são tradução insuficiente para enquadrar o talento do goleador que voltou a pôr o Real no topo do mundo - e, por uma unha negra, já não foi a tempo de fazer o mesmo com a seleção espanhola.
No princípio era o sono. Pelo menos a julgar pela história contada por Jorge Valdano, o técnico que o lançou na primeira equipa do Real Madrid, em outubro de 1994, com apenas 17 anos. O jogo era em Saragoça, e Raúl, chamado pela primeira vez, iria ocupar a vaga do lendário Butragueño, que estava lesionado. Na primeira conversa, Valdano tentou sondar as inseguranças do jovem. Não as encontrou: «Se quer ganhar o jogo, ponha-me a titular», disse o miúdo com uma certeza desarmante.
Valdano ainda tinha dúvidas acerca da maturidade do jovem
Nessa tarde, Raúl deu nas vistas pela enorme qualidade do seu jogo, mas também por falhar dois golos fáceis, um deles depois de driblar o guarda-redes. Valdano, no banco, espantou-se com a frieza daquele miúdo magrinho com cara de poucos amigos: «Nem um abanar de cabeça, nem um lamento. Os erros não o afetavam minimamente. Qualquer outro jogador teria a explosão adiada após um percalço assim, mas ele não. Vim a saber depois que quando chegou a casa desabafou com a família:
Os frutos da autoconfiança chegaram logo na semana seguinte: Raúl foi novamente titular, em pleno Bernabéu, num dérbi contra o Atlético, o seu clube do coração, em cujos escalões de formação tinha começado a carreira. Em apenas 60 minutos destruiu os «colchoneros», conquistando um penálti, assistindo o parceiro de ataque, Zamorano, para o 2-0, e marcando ele próprio o terceiro golo antes de rumar ao banco, recebendo a primeira de muitas ovações de pé.
A lenda do novo dono da camisola 7, que herdou de Butragueño e deixou depois com Cristiano Ronaldo, nasceu nessa noite de estreia e viria a prosseguir durante 16 anos. Com muitos técnicos (Capello, Heynckes, Hiddink, Del Bosque, entre outros), muitos parceiros de ataque (Zamorano, Mijatovic, Suker, Anelka, Figo, Ronaldo, Zidane, Morientes e Cristiano Ronaldo) e, claro, muitos títulos – especialmente as três Ligas dos Campeões, conquistadas em 1998, 2000 e 2002.
Depois, como é frequente acontecer com os nomes que se confundem com os clubes que representam, Raúl começou a ter anticorpos no Real Madrid, sendo encaminhado para a porta de saída em 2010, ainda antes da chegada de José Mourinho. A passagem de dois anos, pelo Schalke, permitiu-lhe prolongar o rasto goleador na Liga dos Campeões e enriquecer o palmarés com uma Taça da Alemanha, provando – a si mesmo, antes de todos os outros – que era capaz de impor-se fora do conforto do lar.
Por esse altura, já a seleção espanhola era a maior potência mundial. Um estatuto para o qual Raúl tentou contribuir, sem sucesso, entre 1996 e 2006, ao longo de três fases finais de Campeonatos do Mundo e duas de Europeus. Foi nesse ano, após mais um Mundial em que a Espanha voltou a ficar aquém das promessas, que o selecionador Luis Aragonés decidiu virar uma página sobre o que considerava ser a influência excessiva de Raúl sobre o crescimento dos jovens.
A sua exclusão das convocatórias de «la roja» incendiou debates durante dois anos, mas Aragonés não cedeu às críticas, nem mesmo face ao excecional rendimento de Raúl na temporada 2007/08. A vitória da Espanha nesse Campeonato da Europa, com Fernando Torres como referência de ataque, e a marcar o golo da vitória na final com a Alemanha, deu razão a Aragonés e condenou Raúl – sem dúvida o melhor jogador espanhol da sua geração – a viver de fora o período dourado da seleção, campeã mundial em 2010 e bicampeã europeia em 2012.
Mas nem essa mágoa pode, porém, retirar Raúl do pedestal dos sobredotados. E talvez não haja melhor prova do que este elogio do seu rival, amigo e ex-companheiro de seleção, Pep Guardiola, em 2012, quando o Barcelona já tinha escrito algumas das páginas mais brilhantes da história recente do futebol e a geração de Xavi e Iniesta acumulava conquistas sobre conquistas.