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Quem pensa positivo vive mais anos, dizia ele. Vamos ter saudades suas, professor (uma carta de despedida dedicada a José Eduardo Pinto da Costa)

O médico legista José Eduardo Pinto da Costa tinha 87 anos. Morreu quarta-feira. João Fernando Ramos, diretor da TVI Norte, escreve-lhe uma carta de despedida

Ninguém ficava indiferente ao olhar, levemente sorridente, entre umas barbas que amareleceram com o tempo e tornavam aquela cara, levemente pálida, enigmaticamente mais longa.

O professor entendia a vida, que saboreava com prazer, mas sabia efetivamente explicar a morte.

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Quem não gosta de si próprio não pode gostar dos outros, afirmava sempre Pinto da Costa - e fundamentava a sua teoria com um sorriso desconcertante; quem pensa positivo vive em média mais sete anos. Ele terá sido um desses, tenho a certeza.

Dizia sempre que a medicina não tem agora apenas a missão de curar, mas sim de ajudar a lidar com as doenças que nos acompanham até aos cem anos. Ele não chegou lá e nunca assumia como seria a sua morte e o depois. Varia vezes me disse que a maioria acredita que há uma nova vida depois desse momento, por isso tudo se torna mais simples. Morrer é apenas o virar de mais uma página.

Não sei quantas vezes nos cruzámos, mas foram muitas, normalmente em momentos de crise em que a sua sabedoria acrescentava dados inquietantes ao que não conseguíamos explicar.

Recordo a tragédia de Entre-os-Rios e o pragmatismo como abordou o que iria acontecer, construindo o doloroso processo de luto das famílias. A forma clara como nos falava chegava a ser desconcertante.

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Sabia ler o olhar dos vivos e nunca deixava de largar uma gargalhada compassada com um comentário carregado de humor, mas eram os sinais que ficam num corpo inerte que o fascinavam. Falava de cada um desses momentos de descoberta com paixão, que só o conhecimento profundo permite.

Tentou fazer um museu da medicina legal, mas comprou uma daquelas polémicas que só as cabecinhas pequenas sabem alimentar. Foi inaugurado, mas o politicamente correto dos cinzentos lá tratou de o fechar. Guardava alguma mágoa com isso, mas era uma questão pequena que não lhe deve ter nunca tirado o sono.

Acredito que ele efetivamente sempre procurou explicar o fim da vida num corpo, mas verdadeiramente o que procurava era entender melhor o reino dos vivos, para nele estar plenamente.

Afável, carregado de saber que cultivava e acrescentava em cada dia, tinha o encanto de manter plateias sempre atentas e de fazer debates notáveis.

Moderei uns quando e confesso que são inesquecíveis, cheios de prazer de ver como se pode comunicar de forma simples, mesmo que o tema seja complicado.

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Dizia sempre que o nosso corpo, o nosso olhar, explica tudo o que aconteceu num dado momento. Sabia ler esses sinais e agarrou causas como a violência contra as mulheres. Foi contra o aborto, embora defenda a liberdade da mulher de terminar uma gravidez em determinadas condições, e nunca conseguiu entender quem defende uma morte assistida, mas entrou inúmeras vezes no debate com argumentos que dão mesmo que pensar.

O professor, sempre que o tema era fraturante, lá deixava mais uma daquelas ideias que fechava a conversa; nós nascemos desinformados, vivemos desinformados e morremos desinformados. Quem vive informado é um marginal.

Lá tinha a sua teoria, a do carro elétrico, que tem de andar sempre nos trilhos. Quando se sai dos carris há sempre um problema, que pode até não ser mau.

Vamos ter saudades suas, professor.

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