"Quando há vontade arranja-se o dinheiro" e a vontade tem de ser "política" - rumo a uma economia mais verde (CNN Portugal Summit, o que foi dito)

17 out 2023, 18:35

Pode a economia mudar o clima? Pode o clima mudar a economia? Ninguém parece ter grandes dúvidas sobre o impacto das alterações climáticas na economia e de como é preciso que esta se torne "mais verde". O preço de nada se fazer pode ser demasiado alto no futuro. "Quando há vontade arranja-se o dinheiro" e a vontade tem de ser "política"

Sob a égide "A economia que muda o clima", realizou-se esta terça-feira, em Lisboa, no Hotel Pestana, a CNN Portugal Summit. Ouvindo as palavras de quase todos os intervenientes, algumas ideias pareceram unânimes. Ninguém tem dúvida da urgência do tema, ninguém tem dúvidas do impacto das alterações climáticas na economia, ninguém tem dúvidas de que é preciso começar já porque o preço - depois - pode ser demasiado elevado. E também quase todos acreditam que com vontade "arranja-se o dinheiro". Mas essa vontade tem de ser "política".

O ministro da Economia, António Costa Silva, foi o primeiro convidado e não teve problemas em assumir que “é urgente” mudar o paradigma da economia nacional e do funcionamento das empresas rumo a uma economia mais verde. O governante defendeu mesmo que apenas via duas formas de atuação: a economia circular e a bioeconomia. “Temos de desenvolver produtos biológicos com materiais menos poluentes”, como bioplásticos, biofertilizantes químicos, bioestimulantes, exemplificou.

“É uma verdadeira revolução se tivermos produtos biológicos. No fundo, vamos dar sequência ao que a natureza faz. Se olharmos para a natureza, a natureza é perfeita no seu funcionamento”, diz o ministro, salientando que “o nosso grande erro”, referindo-se a todos os seres humanos, “foi o divórcio com a natureza”.

"O PIB mundial pode decrescer 4%" em 2050

Em seguida subiu ao 'palco' a economista Sofia Santos, que abordou o "Financiamento verde, climático e sustentável". E de uma forma simples, recorrendo a slides e gráficos, exemplificou os já reais custos das alterações climáticas. Mais do que em Portugal, em todo o mundo "os Bancos Centrais já reconhecem que as alterações climáticas são uma fonte de risco financeiro".

E mesmo sem se conseguir perceber ao certo o impacto que o "aquecimento global possa ter" na economia e nas pessoas, admite a economista, "há estimativas", feitas por seguradoras, que olhando para as temperaturas expectáveis em 2050 fazem antever que, nessa altura, "o PIB mundial pode decrescer 4%".

Anabela Antunes, engenheira, COO da PRIO Bio e Membro da Comissão Executiva PRIO, juntamente com Filipe Duarte Santos, da Universidade de Lisboa, foram oradores seguintes. Anabela Antunes admitiu querer "acelerar o processo de descarbonização" e que as "90 mil toneladas de biocombustível" já disponibilizadas pela PRIO "ainda é pouco". Sendo que um dos entraves estará no custo de desenvolvimento de determinados produtos e que torna difícil fazer chegar os mesmos ao consumidor.

Já Filipe Duarte Santos, da Universidade de Lisboa, lembrou que, além dos biocombustíveis, "os combustíveis sintéticos também são muito importantes" já que são compostos por "hidrogénio verde e CO2". Lamentou ainda que os "países menos responsáveis" pela emissão de gases "sejam os mais vulneráveis às alterações climáticas". Por fim, concluiu que não será possível descarbonizar enquanto "continuarmos a produzir e consumir combustíveis fósseis como estamos a consumir".

"Produzir mais com menos"

O israelita Naty Barak era um dos convidados da CNN Portugal Summit desta terça-feira, em Lisboa, mas não conseguiu viajar para Portugal. À distância, por zoom, marcou presença no evento. Naty Barak é diretor de Sustentabilidade da Netafim e é conhecido como a pessoa que permitiu que o sistema de rega gota a gota se tornasse conhecido em todo o mundo. A sua intervenção foi sobre a "Agricultura sustentável".

Atualmente ensinam "agricultores de todo o mundo a produzir mais com menos", porque esta é a forma da "agricultura sustentável". E é simples perceber o motivo da importância de uma agricultura sustentável. "28% da população mundial está ligada à agricultura" e nos países em desenvolvimento esse valor vai de "50% a 80%", explicou Naty Barak. Sempre que a população aumenta a pressão sobre os alimentos é maior e agricultura é "essencial" para o desenvolvimento.

Este especialista recordou os 17 objetivos sustentáveis para o desenvolvimento definidos pelas Nações Unidas, em 2015, e como estes se ligam à agricultura sustentável.

É preciso tornar "a água mais valiosa"

Por fim, o último painel de convidados sentou Catarina de Albuquerque, CEO da parceria global da ONU "Sanitation and Water for All", Pedro Fontes, administrador da AdP - Águas de Portugal Valor, e José Saldanha de Matos, professor catedrático do Instituto Superior Técnico. O tema era "Como as políticas públicas podem evitar o desperdício".

A problemática da escassez da água foi a questão abordada por Catarina de Albuquerque, que lembrou que metade da população do mundo já sofre com a falta de água, pelo menos durante metade de um ano, e que "a situação vai agravar-se". Além disso, defendeu que "não se pode falar de clima sem falar da água".

Para Catarina Albuquerque é preciso tornar "a água mais valiosa" e tão "importante como fechar as torneiras ou apagar a luz é fazer perguntas aos políticos". Não tendo mesmo dúvidas de que "quando há vontade arranja-se dinheiro" e tem de haver "vontade política". 

Pedro Fontes, da Águas de Portugal, explicou que a empresa sempre se focou "no planeamento a longo prazo" e admitiu que estamos "a viver mais um desafio". Fez questão de ressalvar ainda que a questão do abastecimento de água "não se resume ás populações", já que este abastecimento apenas representa "20%" da atividade.

Para José Saldanha de Matos, professor catedrático do Instituto Superior Técnico, "o futuro já não é o que era" e "a incerteza arruína as contas e os modelos" tornando "as decisões mais complexas". Ao nível da água, evitar perdas é essencial e o professor revelou que o país tem "180 mil quilómetros de coletores", ou seja, "temos um esparguete debaixo de terra". "São 18 metros por cada habitante. O valor de reposição, se houvesse um terramoto, é de 20 biliões", lembra. Perante "um ativo importantíssimo" é preciso "tratá-lo bem" porque ele dá retorno", acrescenta.

O encerramento da CNN Portugal Summit coube a Isaltino Morais, presidente Câmara de Oeiras que defendeu que nem sempre é certo colocar a questão central nas alterações climáticas porque considera que a questão "é compatível com o crescimento económico".

Usando o exemplo dee Oeiras, autarquia a que preside e que conquistou prémios de "qualidade ambiental", defendeu que "só com criação de riqueza se pode suportar a qualidade ambiental".