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Psicologia em tempo guerra. Domínio, identidade, (des)ânimo?

"Psicologia em tempo de guerra", uma rubrica para ler no site da CNN Portugal

No dia em que foi timidamente notícia a previsão da Direção-Geral da Saúde sobre o levantamento total de restrições da pandemia da COVID19, acordámos com a notícia da invasão da Ucrânia, uma realidade que julgávamos não voltar a ver à porta de casa. Procurar descrever ou encontrar sentido numa situação que nos choca e que consideramos absurda é sempre um exercício difícil, até porque a mesma envolve dimensões que não conhecemos. Mas não deixamos de identificar algumas dimensões.

Desde ressentimentos pessoais e coletivos e nostalgias em relação a algo que já não existe ou que provavelmente nunca existiu, até objetivos geoestratégicos e afirmação de domínio e de uma identidade construída, concorre para o desejo de guerra uma complexidade de motivos históricos, geopolíticos, psicossociais e até individuais dos seus perpetradores.

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A guerra é uma das coisas que consideramos absurdas e irracionais, mas é planeada e serve significações - a guerra como uma triste arena para responder a necessidades de domínio e afirmação de poder, neste caso reforçadas pela nostalgia fantasiosa e até delirante de um tempo que já foi, por uma perceção ressentida de “nós versus eles” e por um ímpeto de corrigir uma espécie de erro histórico ou humilhação prévia. Estes comportamentos estão frequentemente associados às questões de identidade, por exemplo racionalizando-se uma agressão desta dimensão em nome de uma representação identitária imperial, a qual é reforçada quanto mais desumanizados forem os oponentes. A alteração da forma como vemos os nossos adversários abre caminho para que os mesmos sejam tratados com menor justiça e respeito e com critérios morais duplos, como mostram vários estudos sobre desumanização e fenómenos intergrupais em psicologia.

Mas isto pouco serve às pessoas que são afetadas - na sua vida, na sua saúde e na sua perspetiva do mundo e do futuro. Sabemos que a exposição contínua à incerteza e a ausência de controlo sobre o que nos acontece se associa a maior stress e ansiedade. De resto, situações extremas e nenhuma capacidade individual para lidar ou fazer alguma coisa que as resolva é a definição de desespero - um desespero pelo qual milhões de pessoas estão a passar.

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Viver sob ameaça ou uma guerra no terreno não representa apenas destruição da infraestrutura, perda de vidas e ferimentos. Tem um impacto em termos de choque, revolta e trauma psicológico, e gera um sentimento de desmoralização e desânimo, obviamente sobretudo nas vítimas primárias, mas também num plano mais alargado do clima social e da convivência no mundo. Deixa também sementes para ressentimentos e conflitos futuros. A própria guerra de informação e contra informação contribui para a perceção de falta de controlo e incerteza.

A gravidade desta experiência tem um impacto direto na saúde psicológica em múltiplos níveis e com repercussões que serão duradouras, não apenas nas pessoas mais diretamente afetadas, mas em toda a comunidade - nós próprios incluídos. Num período em que continuamos a viver efeitos nefastos da pandemia, os quais envolvem justamente o sofrimento psicológico, o desânimo e a apatia, a situação que vivemos torna-se ainda mais exigente.

Falava-se recentemente da incerteza como uma das características mais distintivas destes anos 20. Depois de dois anos de pandemia e agora com um conflito internacional, vivemos numa espécie de limbo entre a vida que conhecíamos e algo que não sabemos o que será. Um dia depois do início no terreno de mais esta guerra na Europa, não é ainda clara a dimensão, a extensão temporal e os impactos sociopolíticos que este conflito terá. Mas sabemos bem que em termos psicossociais o impacto existe e é muito significativo.

Talvez seja por isso que nestes momentos é também importante recordar - ainda que com a contenção de uma escrita que ocorre precocemente no conflito - o papel que a esperança tem na nossa capacidade de lidar com a adversidade. Em tempos sombrios, que reafirmemos os nossos valores civilizacionais, ajamos em conformidade e reforcemos a expetativa de que a Liberdade, a Democracia e a Cidadania acabarão por prevalecer.

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