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Qual é a opinião dos europeus face à guerra? Primeiro as pessoas pensam com o coração, mas depois com os bolsos e com a boca

A guerra na Ucrânia parece não ter fim à vista. Especialistas falam em "simpatia geral" por parte do Ocidente, mas alertam: "a opinião pública está a mudar".

Há precisamente um ano, a agenda mediática deu lugar àquele que seria considerado o maior confronto militar na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. “Uma operação militar especial na Ucrânia”, chamou-lhe o governo russo. Outros países foram mais diretos no termo utilizado: é uma invasão.

“Houve uma simpatia geral em relação à Ucrânia, essencialmente porque defendia os valores europeus e ocidentais”, observa o historiador António José Telo. Além disso, “era uma situação típica de um país grande que ataca o país pequeno”.

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As forças de Volodymyr Zelensky acabariam por mostrar uma inesperada e eficaz capacidade de defesa, contrariando as previsões da Rússia. Numa primeira fase, a sua tática foi elogiada, sem que este tivesse logo em conta as consequências que o arrastamento do conflito lhe traria: uma gigante onda migratória, a crise alimentar, o aumento do preço dos combustíveis e a inflação.

António José Telo aponta que, numa segunda fase, quando as pessoas perceberam que as sanções pesariam tanto no país sancionado, como nos países sancionadores, “começaram a pensar sobre os preços e o bem-estar da vida na Europa e no Ocidente em geral”. Essas dúvidas foram reforçadas quando a Rússia pôs em causa a possibilidade de uma escalada nuclear. “Tornou-se uma ideia repetida até à exaustão pelos responsáveis russos, tentando criar uma situação de medo em termos da opinião pública no ocidente”, explica. “Aquele que não tem poder nuclear não pode resistir àquele que tem” e, por conseguinte, “não compensa a resistência”.

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Sondagens divulgadas no início deste ano mostram que a condenação da invasão russa e o apoio à Ucrânia por parte da Europa e dos EUA continuam estáveis, mas mostram também uma crescente preocupação com as consequências da guerra. “Se a Ucrânia vai ter de ceder, porque é que continua a resistir?”, é uma questão recorrente.

O mais recente inquérito Eurobarómetro do Parlamento Europeu, publicado em janeiro, refere que 74% dos cidadãos europeus aprovam o apoio da União Europeia à Ucrânia, e 73% as ações tomadas desde o início da guerra. O problema, observa o politólogo José Filipe Pinto, é que esta e outras sondagens também já evidenciam “alguns efeitos do cansaço” relacionado com a duração do conflito. Cerca de dois terços da população da UE (65%) não estão confiantes de que as suas vidas vão continuar inalteradas, tendo em conta as potenciais consequências da guerra.

O mesmo se verifica na análise do Pew Research Center, conduzida em janeiro entre os norte-americanos. À medida que os EUA reforçam a ajuda militar à Ucrânia, aumentou a percentagem de cidadãos norte-americanos que consideram ser “demasiado” o apoio prestado pelo governo de Joe Biden. Mais concretamente, 26%, tendo subido 6 pontos percentuais desde setembro do ano passado e 19 pontos desde que a Rússia deu início à invasão.

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Um estudo da Gallup – empresa de pesquisa de opinião dos EUA – partilhado a 6 de fevereiro, indica que 65% dos norte-americanos estão a favor do esforço da Ucrânia, mesmo que o conflito se prolongue. A opinião dos partidos também é unânime - ajudar a Ucrânia a conquistar o seu território - ainda que com uma significativa diferença percentual entre democratas e republicanos (81% e 53%, respetivamente).

Outro dado destacado pelo politólogo passa pelas principais preocupações dos europeus. No Eurobarómetro, 93% dos cidadãos revelaram preocupação com o aumento do custo de vida, e 65% dos portugueses confirmaram ter dificuldades em pagar as suas contas, uma proporção próxima da Bulgária e da Itália (64%). Os cidadãos gregos foram os que revelaram as maiores dificuldades: 86% afirmaram ter alguma ou muita dificuldade em pagar as contas no final do mês.

“Somos apenas um dos países da União Europeia onde o grau de preocupação é maior”, diz José Filipe Pinto sarcasticamente. França, por exemplo, “é um dos países menos preocupados com a subida de preços” e, mesmo assim, “mais de três quartos dos franceses já estão a reduzir o gasto do aquecimento e a fazer poupanças para adquirir produtos alimentares de primeira necessidade”. “Percebemos que a crise económica corre mesmo um risco real de se tornar numa crise social”, conclui.

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"A democracia da opinião pública"

Bernard Manin, autor do livro “Princípios do governo representativo”, considera que vivemos na terceira fase da democracia representativa: “a democracia do público”. Nas palavras do cientista político francês, estamos no “reinado dos comunicadores”, um período em que os meios de comunicação promovem campanhas políticas e estabelem uma relação direta entre os candidatos e os próprios eleitores, que reagem às propostas oferecidas.

Já José Filipe Pinto considera que nos encontramos na fase da “democracia da opinião pública”, em que o populismo encontra um campo fértil para recolher apoio social. “Centra-se nas bandeiras da resolução de problemas que afetam a vida dos nacionais”, explica o politólogo, o que acaba por afetar a forma como são encarados o conflito e o auxílio prestado à Ucrânia.

Por exemplo, em setembro, cerca de 70 mil pessoas manifestaram-se em Praga contra o governo da República Checa. Porquê? Acusavam-no de dar mais atenção à Ucrânia do que aos próprios cidadãos. “Há aqui um dado muito importante”, sublinha o especialista. “Os europeus já perceberam que o conflito está para durar, e isso preocupa-os”.

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Manifestação em Praga contra o governo e o aumento dos preços da energia. Foto: Martin Divisek/EPA

Afirma ainda que, na Hungria, a maioria da população acredita que, se nada for feito na Ucrânia, a Rússia não será encorajada a cometer novas agressões na Europa e na Ásia. Ou seja, somando ao aumento do custo de vida, o esforço da UE “não vale a pena” para muitos cidadãos húngaros.

E os refugiados ucranianos? Segundo o Eurobarómetro sobre a resposta da União Europeia aos desafios energéticos, 42% dos europeus aprovam na totalidade o acolhimento dos mesmos, e 40% tendem a aprovar. Não obstante, esta percentagem em países-membros como a República Checa e a Eslováquia tem vindo a revelar-se inferior à dos restantes.  

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“Isto mostra que a opinião pública está a mudar”, observa José Filipe Pinto, acrescentando que também depende da “proximidade da região em guerra", bem como da "afinidade que os líderes dos países têm com o regime de Putin”. Serve de exemplo o presidente húngaro, que está muitas vezes desfavorável à manutenção do apoio à Ucrânia.

O politólogo argumenta que aquilo que o presidente ucraniano deseja verdadeiramente, “é uma intervenção direta da NATO no conflito”. Só que 71% da população dos seus países-membros continua a não apoiar um envolvimento militar na guerra, como indica uma pesquisa do Instituto Ipsos, publicada a 20 de janeiro. “Isso explica tantos impasses”, conclui.

Ainda que tenha manifestado bastantes dúvidas inicialmente, a Alemanha anunciou em janeiro o envio de tanques Leopard 2 à Ucrânia, após inúmeros apelos de Volodymyr Zelensky para a disponibilização de “armas adequadas”. 

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Em relação aos aviões de combate F-16, o seu fornecimento não será para breve. Joe Biden não hesitou em dizer que “não”, António Costa declarou ser “uma área onde não temos disponibilidade”, e Emmanuel Macron deixou a possibilidade em aberto. “Numa fase inicial há sempre uma indecisão, mas acaba por ser concedido”, diz José Filipe Pinto.

O que aconteceu no passado?

Para António José Telo, importa saber que “mais do que uma questão de valores, e mais do que uma questão de justiça, o que está em causa na guerra é uma questão de interesses e do bem-estar europeu”.

Se neste momento o Ocidente abandonasse o apoio à Ucrânia, “seria o descrédito total em termos mundiais”, sobretudo pelo facto de ocorrer após a retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão. “Os EUA, que são a cabeça do Ocidente, não ficaram mesmo nada bem na fotografia”, afirma. No pior dos cenários, podiam comprometer as posições europeias e ocidentais em todo o mundo, “promovendo um avanço substancial das posições russas, bem como da Ásia, Ibero-América e até da África”. Consequentemente, o PIB europeu “cairia na vertical”, e as ligações económicas e financeiras da Europa com o mundo seriam bastante abaladas.

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Compara o conflito presente com os anos prévios à Segunda Guerra Mundial, quando a Europa era liderada pela França e Inglaterra, e tinha mais força na esfera ocidental.

Num período em que pairava a dúvida sobre a forma de conter os avanços da Alemanha e da Itália, o governo britânico de Neville Chamberlain defendia a ideia de que Hitler não era uma ameaça, mas alguém com quem se podia dialogar.

Acreditava que era absorvido através da manutenção das relações económicas e que, fazendo algumas cedências, não continuaria a pressionar e a querer mais e mais”, explica o historiador. “Essa era a opinião pública mais significativa, e a mais citada pelos políticos europeus”.

Foi com base nesta política de apaziguamento que surgiu o famoso Acordo de Munique, após uma conferência organizada pelo governo nazi, em 1938. A Checoslováquia, que até à data mantinha uma aliança militar com a França e a Inglaterra, foi entregue a Adolf Hitler sem que um representante do país tivesse estado presente.

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Chamberlain, Daladier, Hitler, Mussolini e Ciano após a assinatura do Acordo de Munique. Foto: Arquivo Federal Alemão/Bundesarchiv

“Foi um acordo vergonhoso”, critica António José Telo. “Entregaram o aliado de bandeja para ser ocupado pela Alemanha. A Checoslováquia não era só uma das democracias mais estáveis da Europa na altura, como também tinha uma indústria de defesa muito significativa”.

Em pouco tempo o país foi “engolido” pelas forças de Hitler, e passado um ano começava a Segunda Guerra Mundial. “Foi, até agora, a maior guerra da humanidade”, declara.

Durante mais de dois anos, os EUA mantiveram-se neutros no conflito à medida que debatiam sobre a atitude a tomar. Ficar fora ou juntar-se às forças aliadas contra a Alemanha? Certo é que, por esta altura, 48% dos norte-americanos eram contra a intervenção do país, mas não foi sempre assim.

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Um estudo levado a cabo pela Gallup a partir de 1939, ano em que teve início a guerra na Europa, mostra que a opinião pública nos EUA sofreu uma marcada mudança até ao momento em que o presidente Franklin Roosevelt declarou oficialmente a sua posição contra as chamadas “Potências do Eixo” – Itália, Alemanha e Japão.

Quando as forças nazis invadiram os Países Baixos, a Bélgica e a França, em maio de 1940, apenas 7% concordava que os EUA deviam declarar guerra e enviar as suas tropas. A percentagem subiu para 52% quatro meses depois, após a promulgação da lei de Treinamento e Serviço Seletivo – o primeiro serviço militar obrigatório em tempo de paz nos EUA.

Em dezembro de 1941, o ataque japonês a Pearl Harbor levou a que Roosevelt declarasse guerra ao Japão. Imediatamente, a Alemanha declarou guerra aos EUA e estes entraram, por fim, na Segunda Guerra. Nesta altura, 91% dos norte-americanos concordaram com a decisão.

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Fase 2: Menos apoio, mais populismo

“A opinião pública começa por privilegiar a emoção e ser levada pelo coração, mas a médio prazo, quando as dificuldades aumentam, passa a ser guiada pela racionalidade”, observa José Filipe Pinto. 

O politólogo prevê alterações nos próximos tempos na perspetiva do ocidente face à guerra na Ucrânia, considerando que "as pessoas pensam com os bolsos e com a boca". Isto, porque ainda não há falta de alimentos nos supermercados e nas cadeias de abastecimento, "mas já se começa a sentir o grande aumento do custo de vida".

Ou seja, "a emoção dá lugar à razão" quando surgem dificuldades no pagamento da renda ou da prestação da casa. Mas há consequências: o populismo conquista espaço, com o argumento de que se priorizam os problemas dos outros países, em detrimento daqueles que ocorrem a nível nacional. 

"Estamos a assistir neste momento ao que aconteceu com a Sars-CoV-2", avisa. À semelhança do que se passa atualmente com a guerra, várias pessoas passaram a repudiar as restrições impostas pela pandemia devido a obstáculos económicos e sociais.

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