“Fica-se com a sensação de que as casas são construídas nas orelhas dos políticos”

20 out 2023, 08:00
CNN Portugal Summit - Clima (Rodrigo Cabrita/CNN)

Isaltino Morais parte a louça. Critica os “complexos ideológicos”, “as trevas e a preguiça”. Diz que “é falso” que o corredor BUS na A5 dependa de centenas de milhões. Fica feliz com os resultados de Oeiras mas deprimido com o que se passa à volta. E afirma que não se resolve o problema da habitação sem alterar a Lei dos Solos, porque é preciso terrenos baratos para construir barato. “Em Oeiras estamos a fazer habitação pública a cerca de 1600 euros o metro quadrado”, garante. São “apartamentos que nos saem a 200 mil euros. E do outro lado da estrada são vendidos a 550 mil euros.” Resultado: o Estado é “parceiro da especulação imobiliária e dos lucros usurários que diz querer combater”.

As orelhas dos políticos ficaram quentes com o discurso do presidente da Câmara de Oeiras. Até porque foram explicitamente citadas: “Todos os dias há debates sobre habitação. Mas a verdade é esta: fica-se com a sensação de que as casas são construídas nas orelhas dos políticos”, acusa Isaltino Morais. “As casas, afinal, não são construídas no chão, as casas são etéreas”, ironiza. Os comentários nas televisões dizem “que os culpados das rendas caras são os vistos gold, são os licenciamentos, são o alojamento local… Mas não dizem que falta habitação pública e que é preciso construí-la nalgum sítio”.

Assim falou Isaltino Morais no discurso de encerramento da CNN Portugal Summit desta semana, dedicada ao tema “A economia que muda o clima". No entender do edil, no entanto, é mais o clima que está a mudar a economia. Na sua opinião, para pior.

 

 

Voltemos à habitação. “Nós precisamos de construir casas para as pessoas, de habitação pública, e só há habitação pública se houver terrenos para a construir”, afirma. Mas para isso acontecer é preciso “um impulso ideológico”, defende.

“A habitação é um problema social, na sua escassez para as famílias que dela necessitam; mas é também um problema de sustentabilidade ambiental. O complexo ideológico de que falo diz defender o ambiente, mas não é esse o objetivo real. O objetivo é fazer uma qualquer revolução utilizando a linguagem do ambiente e a causa do combate às alterações climáticas. O governo já deu um passo importante, permitindo a desafetação de solos rústicos para construção de habitação pública. Todavia, ainda há aqui uma marca de ideologia de terceira categoria ao impor que a propriedade seja pública e a reserva adquirida ainda intocável.”

Curiosamente, a lei que impede que se faça construção em terreno agrícola ou reserva agrícola ou reserva ecológica “é de um governo de direita – eles dizem que são de direita –, do governo do PSD da troika”. É a Lei 31 de 2014, a Lei dos Solos, “que acabou com os solos urbanizáveis, ficam rústicos e urbanos. E qual é o argumento? Alterações climáticas.”

“Não se tem a mínima noção do que é a organização do país”, acusa Isaltino. Que defende ainda “um novo passo a dar relativo à propriedade: importa permitir que os privados possam construir nesses mesmo solos, embora com a condição que os fogos a construir sejam afetos à habitação pública durante um passo razoável. Um mínimo de 25 anos – uma geração – seria suficiente.”

Estado ajuda a especulação

“O que nos importa: a propriedade do solo ou da habitação?”, questiona Isaltino. “O que imposta é o fim dado aos mesmos. O que importa é que as pessoas que necessitam e habitação sejam servidas. Se é uma área de negócio, pouco importa, o lucro é normal e saudável uma sociedade capitalista com decência. O que não podemos permitir é o lucro especulativo e usurário que hoje se verifica”.

Só que o Estado ajuda a essa especulação, acuda o autarca.

“Atualmente, há municípios que, com apoio do governo, estão a adquirir habitação, para colocar ao serviço da população, a quatro mil euros o metro quadrado. No modelo que proponho, [o custo] nunca ultrapassará os dois mil euros o metro quadrado. O excedente poderia ser utilizado no combate às alterações climáticas através da arborização, da reflorestação do país, ou do desenvolvimento de projetos no âmbito da biodiversidade. Isto é, o complexo ideológico está a conseguir com que o Estado seja também ele parceiro da especulação imobiliário e dos lucros usurários que dizem querer combater.”

Isaltino Morais no encerramento da CNN Portugal Summit desta semana. Foto Rodrigo Cabrita/CNN

O presidente da Câmara dá o exemplo da sua própria política: “Nós em Oeiras estamos a fazer habitação pública que nos sai a cerca de 1600 euros o metro quadrado. No fundo, estamos a falar de apartamentos que nos saem a 200 mil euros. E do outro lado da estrada são vendidos a 550 mil euros. Portanto, é possível fazer construção barata se o terreno for barato. E para isso não pode ser terreno urbano.”

Casas "a 200 mil euros"

O pano de fundo da intervenção de Isaltino Morais foi defende a compatibilidade entre alterações climáticas e a economia. “Dizer isto não é greenwashing, é pragmatismo político. Se não governamos para as pessoas, governamos para o quê? Para a construção de uma nova ordem? Qual é o sentido desta nova ordem? E esta nova ordem é para quem?”

É preciso criar riqueza para distribuí-la, defende. “Defendo a criação de riqueza para possibilitar bem-estar aos meus concidadãos. Veja-se, nas últimas décadas, o concelho a que presido [Oeiras] passou de ser um subúrbio deprimido da capital, com uma economia assente numa agricultura incipiente e indústria poluidora e pouco competitiva, para ser uma nova centralidade de desenvolvimento na região mais dinâmica de Portugal, a Área Metropolitana de Lisboa”.

“Oeiras é, atualmente, a segunda economia portuguesa, logo após a capital, com uma faturação empresarial não financeira de cerca de 28 mil milhões de euros anuais, mais do que a do Porto e a de Vila Nova de Gaia somados. Quase o dobro da de Sintra. Ou quatro vezes mais do que Cascais”. Daqui resulta “a mais elevada renda per capita do país e os melhores educação de educação e de saúde”. Como é que isto acontece? “É relativamente simples”: com geração de riqueza.

“Como presidente da Câmara Municipal, estou muito feliz com os resultados do meu concelho. Todavia, como português, fico quase deprimido por os nossos 46 quilómetros quadrados representarem cerca de 10% do PIB nacional.”

“O futuro será do conhecimento e do saber, não das trevas e da preguiça”

Argumento da Brisa para atrasar BUS na A5 "é falso"

“Ninguém fala em ordenamento de território”, acusa Isaltino Morais.  E deu vários exemplos, incluindo o dos transportes públicos na A5.

Na A5, autoestrada entre Lisboa e Cascais, ”vemos ser adiada há muitos anos a criação do corredor BUS”, para que o tráfego de transportes públicos desanuviasse o intenso trânsito de viaturas particulares. “O concecionário [a Brisa] condiciona o criação desse corredor à renovação da concessão, dizendo ser necessário um investimento de centenas de milhões de euros. Nada mais falso. O corredor BUS depende apenas da colocação de sinalização que ofereça vantagem competitiva aos transportes públicos e aos veículos com mais de um passageiro. Claro que o concessionário não quer o corredor. Nem quer a diminuição de viaturas a circular na A5. Quer criar um corredor, alargando o número de faixas. Isto é, não cria vantagem alguma nem tão tampouco favorece a diminuição do número de veículos em circulação”.