World Press Photo: as angústias do mundo na foto de uma grávida em Mariupol e as outras imagens que marcaram o ano de 2022
World Press Photo, Foto do Ano: "Cerco a Mariupol", de Evgeniy Maloletk (AP)

World Press Photo: as angústias do mundo na foto de uma grávida em Mariupol e as outras imagens que marcaram o ano de 2022

“Milhões de pessoas em todo o mundo irão olhar para estas fotos e verão a morte, o desespero, a perda e a crise. O meu desejo é que também vejam o que eu vejo. A esperança de que através da documentação haja uma hipótese de justiça e um futuro melhor, através da memória honraremos o que foi perdido, e inspiramo-nos na coragem e dedicação desses fotógrafos”, declarou Joumana El Zein Khoury, diretora-executiva do World Press Photo.

Ao anunciar os vencedores globais de 2022 nas quatro categorias - Foto do Ano, Melhor História, Projeto de Longo Prazo e Formato Aberto - , Joumana El Zein Khoury espera que estas imagem ajudem "as pessoas a entender um pouco melhor o mundo em que vivemos”. Afinal, é para isso que serve o fotojornalismo.

Foto do Ano: “O cerco a Mariupol”

Iryna Kalinina, de 32 anos, grávida, ferida, carregada numa maca após o bombardeamento à maternidade de Mariupol, na Ucrânia, a 9 de março de 2022: a fotografia correu o mundo naqueles dias e tornou-se uma das imagens emblemáticas da guerra que tinha começado há pouco mais de duas semanas. E agora, quase sem surpresa, a fotografia de Evgeniy Maloletka para a Associated Press foi eleita Foto do Ano no concurso World Press Photo.

Pouco depois daquela fotografia ser tirada, os médicos fizeram uma cesariana de emergência para tentar salvar Iryna e o seu filho. Mas o bebé nasceu já sem vida. A mãe morreu meia hora depois. Foram colocados juntos no mesmo saco preto e, depois, enterrados juntos. Ivan, o marido de Iryna, sentiu-se “completamente destruído”. Irina era gerente de uma loja de roupa, Ivan era engenheiro na siderurgia, estavam radiantes com a gravidez. Era o primeiro filho do casal, desejado muito antes da guerra ter começado. Tinham decidido chamar-lhe Miron, por causa da palavra russa ‘mir’, que significa paz.

Mariupol, no Mar de Azov, foi dos primeiros locais atingidos quando a Rússia invadiu a Ucrânia a 24 de fevereiro. Importante centro industrial e com um porto estrategicamente importante, Mariupol era uma das maiores cidades de língua russa na Ucrânia. No início de março, as forças russas cercaram-na completamente, restringindo o abastecimento de água, energia e alimentos. Cerca de 200 mil pessoas ficaram presas em Mariupol. Os bombardeamentos destruíram a cidade, incluindo alvos civis, como uma maternidade e um teatro onde as pessoas se abrigavam.

Evgeniy Maloletka, que é ucraniano, foi um dos poucos fotógrafos que documentaram os acontecimentos.

World Press Photo, Foto do Ano: "Cerco a Mariupol", de Evgeniy Maloletk (AP)

“Esta história retrata a realidade dos ataques russos a Mariupol de forma direta, sem ceder à tragédia”, afirmou o júri do World Press Photo, que também ficou impressionado com a forma como o fotógrafo arriscou a vida para conseguir imagens dos combatentes russos e mostrá-las ao mundo. A série de fotografias de Maloletka “está cheia de imagens raras e históricas, captadas de diferentes ângulos, ao nível do solo, editadas sem falhas para transmitir os efeitos da guerra nos civis”.

“A imagem assombrosa do cerco de Mariupol foi escolhida por unanimidade como a vencedora de Foto do Ano. Com a votação decidida no primeiro aniversário do início da guerra na Ucrânia, o júri mencionou o poder da imagem e a história por trás dela, bem como as atrocidades que ela mostra. A morte da mulher grávida e do seu filho resume muito da guerra, bem como a possível intenção da Rússia”, lê-se no comunicado do World Press Photo. Como disse um jurado: “É como se estivessem a tentar matar o futuro da Ucrânia”.

Melhor História: “O preço da paz no Afeganistão”

Incapaz de comprar comida para a família, os pais de Khalil Ahmad, de 15 anos, decidiram vender o seu rim por 3.500 dólares. Após a operação, Khalil sofre de dor crónica e deixa de ter forças sequer para jogar futebol e críquete.

Melhor História: "O Preço da Paz no Afeganistão", de Mads Nissen (Politiken/Panos Pictures)

Em agosto de 2021, após a retirada das forças americanas e aliadas do Afeganistão, as forças talibãs regressaram ao poder. Consequentemente, toda a ajuda internacional foi suspensa e a economia afegã entrou em colapso. O desemprego e a ameaça de fome levaram a um aumento dramático no comércio ilegal de órgãos no Afeganistão.

O fotojornalista dinamarquês Mads Nissen fotografou esta história para o Politiken. Com este trabalho queria “não apenas criar uma consciencialização” mas, mais do que tudo, criar um movimento de apoio “para os milhões de afegãos que precisam desesperadamente de comida e ajuda humanitária neste momento”.

O júri do World Press Photo sublinha o modo como Nissen conseguiu transmitir as várias camadas de sofrimento da população sob o regime talibã. 

Melhor História: "O Preço da Paz no Afeganistão", de Mads Nissen (Politiken/Panos Pictures) 
Melhor História: "O Preço da Paz no Afeganistão", de Mads Nissen (Politiken/Panos Pictures) 
Melhor História: "O Preço da Paz no Afeganistão", de Mads Nissen (Politiken/Panos Pictures) 

Projeto de Longo Prazo: “Águas Agitadas”

O acesso à água é uma das questões mais importante na Ásia Central atualmente. Quatro países sem litoral -  Tajiquistão, Quirguistão, Uzbequistão e Cazaquistão - competem pelo abastecimento das águas dos rios Syr Darya e Amu Darya. A seca, as necessidades cada vez maiores e a má gestão da água têm tornado a situação, já agravada pela crise climática, cada vez mais complicada.

A fotógrafa Anush Babajanyan documentou a resiliência das pessoas que vivem nesta região. “A vida das pessoas também está a mudar porque o clima está a mudar, e elas têm de se adaptar a isso. Eu queria capturar esse espírito poderoso”, explicou.

O júri elogiou o trabalho de Babajanyan por se ter mantido longe dos clichés e, em vez disso, representar “cuidadosamente as lutas/escassez de água, retratando as diversas relações e usos da água”.

Projeto de Longo Prazo: "Águas Agitadas" de Anush Babajanyan (VII Photo/National Geographic Society))
Projeto de Longo Prazo: "Águas Agitadas" de Anush Babajanyan (VII Photo/National Geographic Society)
Projeto de Longo Prazo: "Águas Agitadas" de Anush Babajanyan (VII Photo/National Geographic Society)
Projeto de Longo Prazo: "Águas Agitadas" de Anush Babajanyan (VII Photo/National Geographic Society)
Projeto de Longo Prazo: "Águas Agitadas" de Anush Babajanyan (VII Photo/National Geographic Society)
Projeto de Longo Prazo: "Águas Agitadas" de Anush Babajanyan (VII Photo/National Geographic Society))
Projeto de Longo Prazo: "Águas Agitadas" de Anush Babajanyan (VII Photo/National Geographic Society)Legenda

Formato Aberto: “Aqui, as portas não me conhecem”

Ao longo de gerações, os moradores de Al Max, uma comunidade de pescadores em Alexandria, no Egito, viveram perto da água. Construíram as suas casas ao longo do canal Mahmoudiyah, que permitia que os barcos de pesca chegassem ao Mediterrâneo. Em 2020, o governo egípcio começou a evacuar zonas de Al Max e a realojar as pessoas em moradias a vários quilómetros dos canais. Até agora, cerca de um terço do bairro de Al Max foi realojado. O governo argumenta que o aumento do nível do mar devido às mudanças climáticas e a necessidade de renovação e desenvolvimento urbano tornam a deslocação necessária, mas muitos moradores permanecem céticos.

Usando imagens antigas e fotografias originais, o projeto de Mohamed Mahdy apresenta uma elegia a um modo de vida comunitário em vias de desaparecer. As pessoas da comunidade Al Max falam de cartas de amor ou últimas palavras encontradas em garrafas que seriam levadas para as praias. O fotógrafo incentivou os moradores a escreverem suas próprias cartas, construindo um arquivo de memórias particulares para as gerações futuras.

Formato Aberto: "Aqui, as portas não me conhecem", de Mohamed Mahdy
Formato Aberto: "Aqui, as portas não me conhecem", de Mohamed Mahdy
Formato Aberto: "Aqui, as portas não me conhecem", de Mohamed Mahdy

Os quatro vencedores globais “representam as melhores fotos e histórias dos temas mais importantes e urgentes de 2022", afirma o World Press Photo. Foram selecionados entre 24 vencedores regionais, escolhidos entre mais de 60 mil inscrições enviadas por 3.752 participantes de 127 países. 

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