"Só se fala das escolas, então e as universidades?" Esta faculdade está entre as 100 melhores do mundo mas alunos queixam-se de não serem ouvidos
Atletismo (FOTO: Joana Moser)

"Só se fala das escolas, então e as universidades?" Esta faculdade está entre as 100 melhores do mundo mas alunos queixam-se de não serem ouvidos

O QUE SE OUVE NOS CORREDORES DAS UNIVERSIDADES || Faculdade de Desporto da Universidade do Porto

REPORTAGEM 
JOANA MOSER SOFIA MARVÃO 

VÍDEO 
SOFIA MARVÃO 

FOTOGRAFIA 
JOANA MOSER

“O país está degradado, precisa de uma reformulação”, desabafa Tiago Alves, com esperança de que com um novo Governo "haja uma explosão e as coisas mudem”. É formado em Desporto e preocupa-se com aquilo que será o seu futuro, consciente do pouco espaço destinado a esta área na agenda política. "Mas o que deve ser feito?", é a questão que se coloca ao jovem, acompanhado pelos colegas Beatriz e Miguel. Os três alinham-se: primeiro, resolver os "problemas no financiamento e na contratação". 

Tiago Alves, 26 anos, e Beatriz Cardoso, 23, desistiram dos seus sonhos e decidiram enveredar por um mestrado em ensino de Educação Física. Ele ambicionava ser jogador de futebol, ela personal trainer. A conclusão a que chegaram foi que ambas as carreiras acarretam piores condições de vida, pelo que optaram por um futuro como professores dos ensinos básico e secundário.

Ambos frequentam a Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP), considerada uma das 100 melhores do mundo nesta área, de acordo com a edição de 2023 do Shanghai Ranking’s Global Ranking of Sports Science Schools and Departments.

O que se ouve na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto?

Reparamos à chegada que, ao contrário da Universidade do Minho, em Braga - a primeira desta rubrica - o campus parece desprovido de vida académica centrada nas praxes e tão descontraído como a indumentária dos estudantes: calças de fato-de-treino, sweatshirts e, claro, sapatilhas. Ou não seria esta uma faculdade de desporto. 

A propaganda política também se verifica em cartazes e outdoors ao longo da cidade universitária, mas nos corredores da FADEUP são outros temas que captam a atenção dos estudantes.

No exato momento em que pisamos o interior da instituição académica, somos recebidos pelo odor do cloro que vem da piscina, seguido do dos pavilhões onde 1.700 alunos praticam diferentes atividades físicas diariamente. "Quase todas as semanas vem uma ambulância", confidenciam alguns estudantes, admitindo que as lesões já são habituais. 

Todo o cenário se assemelha aos típicos filmes biográficos de atletas conhecidos: o sonho surge cedo, começa a treinar em espaços mais antigos e degradados, depois alcança o reconhecimento desejado. Mas deixemo-nos de romantismos, até porque os alunos da FADEUP não partilham da mesma visão: "Naquele auditório chove lá dentro." Quem se queixa é Tiago Alves enquanto aponta para uma sala que, à primeira vista, não aparenta estar em mau estado [a universidade esclareceu a posteriori de que se tratou de uma situação pontual, que foi entretanto corrigida]. À sua direita, senta-se Miguel Pinto, 29 anos, seu colega de turma, que intervém: "Não te esqueças dos buracos nos corredores. Estão assim há uns cinco anos." 

São problemas como este, nas universidades portuguesas, que mais os preocupam. "Quando vem o mau tempo e não sentimos segurança para realizar atividades é que sentimos que o Governo se esquece de nós e das universidades", critica Tiago. Reconhece que se fala nas escolas, mas que as universidades são esquecidas: “Num dos pavilhões onde tivemos aula, fazia frio porque há um buraco na parede tapado com uma grelha.”

Um dos pavilhões da faculdade (Foto: Joana Moser)
Pavilhão de voleibol (Foto: Joana Moser)

A valorização do desporto de uma forma geral também inquieta Tiago, que dá o exemplo do futebol, “modalidade número um e provavelmente a mais praticada”, sublinhando que os dirigentes de um clube, os diretores de comunicação, os gestores desportivos e os treinadores ficam esquecidos. “A licenciatura de desporto só é valorizada em grandes patamares, mas para lá chegar todos tiveram de começar por baixo.” 

Na perspetiva de Tiago, que tem o nível dois de treinador, a melhor opção foi deixar o futebol. “Não era rentável para conseguir sobreviver.” Foi por isso que tirou um mestrado em saúde e agora está a tirar um mestrado de ensino. “É algo que acaba por abrir mais portas.”

A área do desporto "pouco ou nada é referida num contexto político", observam os três colegas de turma, e mostram-se surpreendidos quando questionamos a sua importância, enumerando desde logo um conjunto de problemas que gostavam de ver serem debatidos pelos partidos.

Um deles está no financiamento dos clubes e dos atletas de alto rendimento. Pela FADEUP já passaram vários, entre eles o futebolista Miguel Campos, a atleta Carla Salomé, a ginasta Filipa Martins e a ciclista Raquel Queirós. Muitos acabam por desistir “por falta de recursos financeiros”, apontam os jovens, salientando que chegam a representar o país em importantes competições internacionais, com fundos próprios. 

“Muitas vezes as viagens não são asseguradas pela federação da modalidade, mas sim pela equipa ou pelo clube que tem de arranjar patrocínios para garantir que a viagem do atleta se realize.” “E o que é que ele vai fazer?”, questiona Tiago, respondendo imediatamente: “Vai representar o nosso país. Vai dar nome ao nosso país.” “Tal como fez Diogo Ribeiro recentemente”, o primeiro nadador português a sagrar-se campeão mundial de natação, exemplifica.

Tiago culpa os elevados impostos cobrados aos clubes, diz que “Pinto da Costa e André Villas-Boas falam muito disto”. “É difícil para os clubes investir, quanto mais recebem, maior é a cacetada de impostos.” Por isso, Tiago defende a redução de impostos aos clubes. 

É neste ponto que Miguel se junta à conversa para relembrar que a final da Liga dos Campeões da UEFA de 2020/21 foi disputada no Estádio do Dragão, no Porto. “Foi benéfico para Portugal, gerou receita”, afirma Miguel Pinto, defendendo que o desporto é “uma entrada de capital para o país”. Reconhece que também pode dar despesa, nomeadamente a construir estádios, mas vê o setor como “uma vertente de entrada de capital”, que deve ser valorizado. 

“Devia haver um maior apoio do Estado para praticar desportos”, acrescenta Tiago, lembrando que o desporto não é só para aqueles que querem ser atletas. “Está cientificamente provado que reduz muitas doenças, nomeadamente as cardiovasculares ou obesidade.” Qualquer pessoa pode inscrever-se num ginásio, o jovem até trabalha num, “mas nada como haver competição”. “A taxa de desistência de praticar exercício físico por ordem ou obrigação é muito superior a quem pratica por gosto, onde há o fator competição”, defende. 

Beatriz Cardoso (à esquerda), Miguel Pinto (centro) e Tiago Alves (à direita)

O desporto poderia ser, argumentam, “se o Estado permitisse, um veículo não só para o aumento de capital e de fundos lucrativos, mas também para o desenvolvimento integral dos indivíduos”. No entanto, não veem nem à direita nem à esquerda menções a este setor.

Para Beatriz Cardoso, que desistiu de ser personal trainer, o problema passa pela dificuldade no acesso à profissão. “Trabalhamos a recibos verdes, é difícil conseguir um contrato de trabalho”, explica Beatriz, expondo a realidade mais comum: contratação enquanto técnicos de Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC). De acordo com a legislação portuguesa que regula este regime de contratação, os municípios podem celebrar contratos de trabalho a termo resolutivo, com profissionais habilitados de tempos livres (TAL), de forma a assegurar necessidades temporárias das escolas. As atividades podem ser de vários domínios, incluindo o desportivo.

“Há um contrato com a Câmara, mas nem sequer somos considerados professores”, diz Beatriz, que trabalhou neste regime contratada através de uma empresa, subcontratada pela autarquia. “Somos apenas técnicos, mesmo com especialização em Educação. Aqui está, mais uma vez, a valorização que o Estado dá à nossa profissão”, suspira. Além disso, são atividades facultativas a qualquer aluno, explica.

Nos corredores da FADEUP há 1.700 alunos com ambições variadas. Tiago, Miguel e Beatriz são dos mais velhos e na fase de finalizar o mestrado mostram-se mais preocupados com os seus futuros. A geração mais nova ainda sonha alto. É o caso de Rodrigo Leite (19) e Gonçalo Leão (18), que querem ser jogadores de futebol. Rodrigo tem até um plano B: “Se não conseguir, quero ser treinador.” Para já joga no Clube Futebol Canelas 2010. Com eles, caminha pelo corredor Gonçalo Oliveira (18) que quer ser professor como a sua mãe. “Já desde pequenino que quero seguir as pisadas da minha mãe.” É o primeiro ano que os três vão votar. “Mas olha que um professor recebe pouco”, avisa Rodrigo. Gonçalo Oliveira conta que vê os problemas que um professor sofre em casa: “A minha mãe já trabalha há muitos anos e não conseguiu efetivar. De quatro em quatro anos vai a concurso.” “Pois a minha já teve de ir viver para Ponte Lima”, responde Rodrigo, que também tem uma mãe professora.

Rodrigo Leite (à esquerda), Gonçalo Olveira (centro) e Gonçalo Leão (à direita)

Gonçalo Leão admite que de política ainda percebem pouco. No seu caso tem vindo a assistir aos debates com os seus pais para compreender com que espectro político se identifica mais. “Eu ainda não pensei muito sobre esse tema”, reconhece Gonçalo Oliveira. Rodrigo também não pensa muito política: “Não ando muito a par disso, não gosto muito.” 

Para eles o futuro está mais longe, preferem viver o presente. “Quando acabar o mestrado preocupar-me-ei, para já não estou preocupado”, diz Gonçalo Leão. No entanto, os três gostavam de ser mais incentivados e que alguém lhes explicasse sobre política. Aliás, nenhum se recorda de ter visto alguma ação de campanha de um partido político junto à faculdade. E pouco ou nada se lembram dos cartazes e outdoors.

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