Estes universitários querem ser os próximos professores do país e já fizeram uma escolha: salvar o ensino público
Universidade do Minho, Braga (FOTO: Joana Moser)

Estes universitários querem ser os próximos professores do país e já fizeram uma escolha: salvar o ensino público

O QUE SE OUVE NOS CORREDORES DAS UNIVERSIDADES || Universidade do Minho

REPORTAGEM 
JOANA MOSER SOFIA MARVÃO 

VÍDEO 
SOFIA MARVÃO 

FOTOGRAFIA 
JOANA MOSER

Daniel, Francisca e Vanessa estão a estudar para uma carreira em educação. Prestes a conhecerem o próximo Governo do país, apresentam soluções para os problemas no setor.

O campus da Universidade do Minho, em Braga, pode ser muita coisa, menos um cenário enfadonho. Nos corredores do edifício, os alunos parecem formigas a caminho das atividades letivas. No exterior, centenas de alunos dos mais variados cursos saltam, gesticulam e gritam intensamente, como é costume na praxe universitária. E as paredes, essas, guardam os resquícios de ações de campanha que por ali passaram.

A três quilómetros daquela cidade, frequentemente inserida no itinerário dos partidos políticos, reparamos imediatamente num outdoor da Iniciativa Liberal (IL): “Não desistas de Portugal e da tua ambição” –, curiosamente, o que nos traz aqui.

Na chegada àquela que é considerada uma das melhores universidades do país, também o Livre e a CDU dão o ar da sua graça. As palavras “Verde. Justo. Juntos” e o rosto da candidata comunista Sandra Cardoso partilham o mesmo poste, numa rotunda.

Entrada do Campus de Gualtar, Universidade do Minho, em Braga (FOTO: Joana Moser)

Nem à esquerda, nem à direita, os estudantes parecem prestar atenção a estes apelos ao voto. Aliás, foram poucos aqueles que quiseram falar: “Disso não percebo muito”, murmura alguém num grupo sentado à entrada do campus. Mas há quem queira e Diogo Sousa, 20 anos, manifestou interesse pelo tema. A concluir uma licenciatura em Administração Pública, explica que a política não se discute atualmente entre os jovens, e aponta para o seu grupo de amigos, do qual faz parte Maria. “Devíamos ter uma disciplina na escola que nos ensinasse sobre direitos civis e política”, sugere a colega. Todos eles envergam um traje tipicamente universit´rio e distribuem ordens por meia dúzia de caloiros a olhar para o chão. Deixamo-los e seguimos outro caminho. 

Já no limiar da desistência, perto do Instituto de Educação da universidade, três alunos indignados interrompem o nosso passo. São eles Daniel, Francisca e Vanessa, amigos e estudantes de mestrado em Ensino de Ciências e Matemática para o 1.º e 2.º ciclos, a debater sobre salários e propinas. “Não nos tapem os olhos”, ouve-se. Queixam-se do facto de alunos bolseiros também receberem a devolução de propinas.

Numa conversa informal, junto ao edifício da Faculdade de Educação, ficámos a conhecer estes jovens que querem tornar-se professores do ensino público em Portugal, ainda que reconhecendo as dificuldades atuais da carreira. Daniel Silva, 27 anos, destaca a falta de interesse na profissão de docente nos dias que correm: “Hoje em dia ninguém quer ser professor”. Apesar das críticas, os três são parte de uma turma de 10 alunos determinados a serem os próximos professores do país.

Admitem uma enorme preocupação sobre este setor e, sobretudo, pela desvalorização das carreiras, que para eles é evidente. “Querem pôr as camadas mais jovens a trabalhar e depois sugerem pôr os professores reformados a ensinar novamente?”, questiona Francisca Machado, 21 anos. Acredita que a maioria nem sequer terá interesse, uma vez que “já estão cansados e desmotivados”, levando à deterioração da qualidade do ensino. 

Daniel intervém, descreve a educação como “a base de uma sociedade em qualquer país”. “É nas escolas que se constrói o futuro, é urgente que se aposte na educação”, defende. Observa ainda, através do comportamento das crianças nas escolas, que “os miúdos mandam mais na escola do que propriamente os professores”. “Isto é logo um ponto errado do início.” 

Vanessa Leite, 22 anos, é mais ponderada a responder, aguardando a sua vez. “O principal problema é a falta de professores”, aponta, revelando que chegou a dar explicações de Ciências Naturais a alunos do 8.º ano, durante o ensino secundário. Foi surpreendida quando soube que uma aluna, com uma prova nacional à porta, estava sem professora de Ciências há um ano. “Era impossível prepará-la para os testes que tinha e ainda para uma prova com a matéria toda do ciclo”, relata a jovem visivelmente desanimada. “Mas quem é que hoje quer ser professor?”, reage Daniel. “Não sei, ninguém”, suspira Vanessa. “Nós somos apenas dez alunos no nosso mestrado”, corrobora Francisca, sublinhando a gravidade da situação.

O que se ouve nos corredores da Universidade do Minho?
Daniel (à esquerda), Francisca (ao centro) e Vanessa (à direita) (FOTO: Joana Moser)

Para Vanessa, outra forma de ver o estado atual da educação no país tem por base os resultados das provas de aferição. “Temos alunos que não conseguem identificar a Península Ibérica.” Este foi também um tema que “tocou muito” Francisca. Foi aí que percebeu que é “mesmo preciso fazer algo” no que concerne a esta área. 

Rapidamente, estes futuros professores passam às soluções. Daniel considera que o caminho para a resolução “não se deve cingir apenas aos ordenados e tipos de políticas, deve passar por uma valorização da carreira”. “A educação é fundamental para a sociedade portuguesa evoluir”, acrescenta. Defende também que se se resolver este problema, resolvem-se muitos outros no futuro. “Mas atenção, a resolução não é imediata, demora 10, 20, 30 anos.”

06
"Vamos acabar com as escolas públicas aos bocadinhos"

A escolha entre o ensino público e privado torna-se um desafio para os três estudantes na reta final do mestrado. Vanessa reconhece que “há bons professores” em ambos os regimes, mas verifica, por outro lado, que a maioria dos pais tende a optar por escolas privadas. Preocupa-se com a possibilidade de serem as famílias, ou o próprio Estado, responsáveis por arcar com os custos adicionais: “Vamos acabar com as escolas públicas aos bocadinhos, qualquer dia vamos ter um sistema como o americano, onde os valores gastos na educação são astronómicos.” 

Questionados sobre o regime que preveem escolher, caso o futuro assim permita, não hesitam: ensino público, “é imperativo salvá-lo”. Daniel acredita que passará por “dar autonomia às escolas, essencialmente nas próprias disciplinas”, e defende que as instituições “não têm de ser todas iguais”.

Explicam que, atualmente, há um currículo nacional e uma uniformização total das escolas, mas Daniel não dá crédito à uniformização do currículo, que “serve para orientar”. “Cada estudante aprende de formas diferentes e só quem está no terreno é que sabe ver isso”, argumenta. E sugere que o currículo tenha em conta que “não se forma toda a gente da mesma maneira”. 

Francisca partilha da mesma opinião. Mas não é essa a razão pela qual opta pelo ensino público. É sim o facto de poder concorrer a nível nacional, cujos concursos “não são perfeitos”. No entanto, defende que é preferível este método em vez de existir “a possibilidade de um diretor escolher o professor que quer para a escola”. “Aí entram questões como cunhas e assim”, atira. Francisca também critica a ideia de passar a decisão para as autarquias, invocando novamente as cunhas. 

“O concurso não é perfeito precisamente pelo problema da deslocação”, desenvolve. Francisca reconhece que o facto dos professores poderem ser colocados longe das suas casas é um problema e Daniel também, que toda a vida viu a sua mãe mudar-se de uma cidade para a outra enquanto professora. Vanessa diz que não teria problemas com distâncias maiores, já Daniel traça o limite nos 60 km, pois sonha um dia construir família. “Se for para ficar muito longe de casa, mandem-me paras as ilhas”, acrescenta.

A conversa retoma o rumo das medidas: “É preciso melhorar as condições de trabalho”, frisa Francisca, considerando importante cativar os professores para o ensino público. “Eu conheço situações concretas de pedidos de diretores para os professores trabalharem horas extras, nos intervalos ou como auxiliares da escola”, relata, preocupada com o estado atual das escolas do país. 

Daniel, Francisca e Vanessa têm mais um ano até completarem o mestrado. Depois terão de completar um estágio profissional para enveredar na profissão. A principal preocupação é se os estágios serão ou não remunerados. Para além disso, há a hipótese de serem colocados longe de onde vivem. E ainda a possibilidade de serem postos numa sala de aula sem outro professor a guiá-los. Esperam, por isso, medidas concretas do novo titular da pasta da Educação que os façam não desistir da profissão.

Relativamente às propostas dos partidos, Daniel critica que “é fácil tomar uma medida mas não ir de acordo ao que as necessidades exigem”. “Quem está no terreno tem mais consciência do que se passa”, defende, referindo novamente a necessidade de dar autonomia às escolas. “Também há a ideia de permitir que alguém seja professor apenas com uma licenciatura, sem mestrado”, intervém Francisca. Ideia essa que os três futuros professores reprovam em uníssono, apesar de reconhecerem ser uma forma de aumentar o número de docentes. “Essa ideia tira credibilidade à profissão”, defende Daniel. “Assim, qualquer pessoa pode ser professor.”

Francisca explica que no mestrado não aprende apenas as matérias, aprende também “formas de pedagogia e técnicas diferenciadas de ensino”. “O que as pessoas que estão em outros cursos, sem pedagogia associada, vão fazer é focar-se no ensino tradicional. E não têm habilitações para compreender o que aquelas crianças precisam”, sustenta. Para Daniel não basta apenas perceber dos conteúdos programáticos, há todo um trabalho de pedagogia por trás. O jovem reforça que o trabalho dos professores “não se cinge apenas ao tempo em sala de aula, requer também muito trabalho de programação em casa”.

Tanto Francisca, como Daniel, têm pais professores. Cresceram a ver as dificuldades da carreira que escolheram. Uma delas o sistema de progressão de carreira. “É uma confusão”, considera Francisca, que se lembra de ouvir a mãe dizer: “Tenho de esperar pela minha vez. Este ano foi aquele professor, ele precisava.” 

Outra dificuldade sentida pelos professores, destacada por estes jovens, é chegarem aos quadros de uma escola. “A média de idades dos professores efetivos deve estar nos 50 anos”, estima Daniel, preocupado.

De acordo com a lei portuguesa, a carreira docente desenvolve-se do 1.º ao 10.º escalões, com duração de quatro ou dois anos de tempo de serviço, contabilizado para efeitos de progressão de carreira. Ao progredir na carreira, um professor terá uma alteração do índice remuneratório. “Mas as escolas têm quotas a cumprir, daí que a minha mãe, apesar de ter tido avaliação excelente, não passava de escalão.”

Scroll top