Foi das relações mais interessantes da política portuguesa. Durou oito anos. Começou em aparente paixão, passou por aparente traição, acabou em aparente perdão – ou magnanimidade.
Tanto “aparente” não insinua falsidade, mas sugere um exagero representativo na concordância e uma contenção institucional na discordância. António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa não foram líderes amigos, ao contrário do que muitas vezes se disse e escreveu - a amizade não foi nunca para ali chamada. O respeito, sim. O sentido institucional, também. Mesmo no fim, no último adeus oficial, onde a palmada nas costas foi o mais longe que se conseguiu ir. Um abraço seria estar perto de mais. Ou ir longe de mais.
A fase da paixão durou pouco mais de um ano. O “bromance” (neologismo inglês para “romance entre irmãos”) começou pela invenção de um estado de alma para o país: a descrispação. A palavra tropeça em si própria quando é dita, mas representa o contrário, a proposta de suavidade. Depois de anos de tensão política provocada pelo resgate financeiro e pela acrimónia política entre PS e PSD, que culminou no Governo do primeiro depois de uma vitória do segundo, Costa tomou posse em dezembro de 2015 com a “geringonça” e Marcelo tomou posse em março cheio de afetos.
Nos meses seguintes, os dois ocupantes dos palácios de Belém e de São Bento baixaram a intensidade, lidaram com crises em privado, e chegaram a junho em (aparente) apoteose: Costa tanto estendeu o chapéu de chuva em Paris para acoitar Marcelo da chuva no dia de Camões como precipitou um martelinho de São João sobre a cabeça do Presidente no arraial portuense entre várias gargalhadas e em ocasiões inesquecíveis neste álbum de fotografias.
Um ano depois, em 2017, a tragédia dos incêndios de Pedrógão (em junho) e na zona centra (em outubro) levaram ao primeiro embate político sério, com a exigência da demissão da ministra da Administração Interna. As coisas não voltariam a ser iguais, mesmo se a temperatura pós-paixão não fosse de acrimónia. Pelo contrário, as relações continuaram aparentemente boas, até porque António Costa (quase) sempre se esforçou por isso e (quase) sempre deu o lugar de destaque a Marcelo.
"Como pode um Presidente não estar perto das pessoas? As pessoas têm nomes, caras, sonhos. E são diferentes. A única forma de evitar populismos é estando perto das pessoas", diria Marcelo em Boston no 10 de junho de 2018. O Presidente foi muitas vezes visto como “o populista bom”, no que seria o antídoto para “o populismo mau”.
As relações só derreteriam de vez em 2023, quando o primeiro-ministro não aceitou a demissão de João Galamba, que tinha sido pressionado pelo Presidente da República a fazê-lo. Pela primeira vez, Costa recusou cumprir a exigência de Marcelo. Meses depois, a 7 de novembro, numa manhã ainda com muito por esclarecer, António Costa demite-se. O PS irá culpar Marcelo pela marcação de eleições. Marcelo devolve para Costa. Mas Costa, que se mostrará “bem resolvido”, tentará acabar de bem com Marcelo. Até por razões institucionais.
É o que acontece a 25 de março de 2023, no último conselho de ministros do Governo de António Costa, que convida Marcelo Rebelo de Sousa para presidi-lo. No final, ambos falam à imprensa. Costa agradece a relação institucional e diz que dificilmente terá havido uma relação semelhante na política portuguesa. Marcelo será o último a falar:
“O mundo não acaba hoje, a vida não acaba hoje. E isto significa que estamos ambos em plena saúde. Não há razão nenhuma para não nos encontrarmos noutras encruzilhadas também pensando em Portugal".