Costa e Marcelo, álbum de recordações de uma relação palaciana
Marcelo recebe Governo para cumprimentos de Natal

Costa e Marcelo, álbum de recordações de uma relação palaciana

Paixão, traição e perdão. Não é uma novela, são oito anos entre dois chefes, de Governo e de Estado. Por aquela ordem

Texto Pedro Santos Guerreiro  Fotografias agências

Foi das relações mais interessantes da política portuguesa. Durou oito anos. Começou em aparente paixão, passou por aparente traição, acabou em aparente perdão – ou magnanimidade.

Tanto “aparente” não insinua falsidade, mas sugere um exagero representativo na concordância e uma contenção institucional na discordância. António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa não foram líderes amigos, ao contrário do que muitas vezes se disse e escreveu - a amizade não foi nunca para ali chamada. O respeito, sim. O sentido institucional, também. Mesmo no fim, no último adeus oficial, onde a palmada nas costas foi o mais longe que se conseguiu ir. Um abraço seria estar perto de mais. Ou ir longe de mais.

A fase da paixão durou pouco mais de um ano. O “bromance” (neologismo inglês para “romance entre irmãos”) começou pela invenção de um estado de alma para o país: a descrispação. A palavra tropeça em si própria quando é dita, mas representa o contrário, a proposta de suavidade. Depois de anos de tensão política provocada pelo resgate financeiro e pela acrimónia política entre PS e PSD, que culminou no Governo do primeiro depois de uma vitória do segundo, Costa tomou posse em dezembro de 2015 com a “geringonça” e Marcelo tomou posse em março cheio de afetos.

Nos meses seguintes, os dois ocupantes dos palácios de Belém e de São Bento baixaram a intensidade, lidaram com crises em privado, e chegaram a junho em (aparente) apoteose: Costa tanto estendeu o chapéu de chuva em Paris para acoitar Marcelo da chuva no dia de Camões como precipitou um martelinho de São João sobre a cabeça do Presidente no arraial portuense entre várias gargalhadas e em ocasiões inesquecíveis neste álbum de fotografias.

Um ano depois, em 2017, a tragédia dos incêndios de Pedrógão (em junho) e na zona centra (em outubro) levaram ao primeiro embate político sério, com a exigência da demissão da ministra da Administração Interna. As coisas não voltariam a ser iguais, mesmo se a temperatura pós-paixão não fosse de acrimónia. Pelo contrário, as relações continuaram aparentemente boas, até porque António Costa (quase) sempre se esforçou por isso e (quase) sempre deu o lugar de destaque a Marcelo.

"Como pode um Presidente não estar perto das pessoas? As pessoas têm nomes, caras, sonhos. E são diferentes. A única forma de evitar populismos é estando perto das pessoas", diria Marcelo em Boston no 10 de junho de 2018. O Presidente foi muitas vezes visto como “o populista bom”, no que seria o antídoto para “o populismo mau”.

As relações só derreteriam de vez em 2023, quando o primeiro-ministro não aceitou a demissão de João Galamba, que tinha sido pressionado pelo Presidente da República a fazê-lo. Pela primeira vez, Costa recusou cumprir a exigência de Marcelo. Meses depois, a 7 de novembro, numa manhã ainda com muito por esclarecer, António Costa demite-se. O PS irá culpar Marcelo pela marcação de eleições. Marcelo devolve para Costa. Mas Costa, que se mostrará “bem resolvido”, tentará acabar de bem com Marcelo. Até por razões institucionais.

É o que acontece a 25 de março de 2023, no último conselho de ministros do Governo de António Costa, que convida Marcelo Rebelo de Sousa para presidi-lo. No final, ambos falam à imprensa. Costa agradece a relação institucional e diz que dificilmente terá havido uma relação semelhante na política portuguesa. Marcelo será o último a falar:

“O mundo não acaba hoje, a vida não acaba hoje. E isto significa que estamos ambos em plena saúde. Não há razão nenhuma para não nos encontrarmos noutras encruzilhadas também pensando em Portugal".

 

 

 

9 de março de 2016. Tomada de posse de Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente da República, depois de vencer as eleições com 52% dos votos (à frente de Sampaio da Nóvoa, com 22,88%, Marisa Matias, com 10,12%, e Maria de Belém, com 4,24%). António Costa, que tinha tomado posse pouco mais de quatro meses antes, aplaude na fila do governo. "O dia correu muito como eu tinha sonhado", diria Marcelo. Foto: Reuters

 

10 de março de 2016. Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa na primeira reunião semanal em Belém. Foto Patrícia de Melo Moreira via Getty Images 

 

 

10 de junho de 2016. Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa recebidos pelo Presidente de França, François Hollande, em Paris. Ali se comemorará nesse ano o Dia de Portugal. Foto: Lusa

 

12 de junho de 2016. Será uma das fotos mais simbólicas da fase inicial da relação entre António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa. No último dia da visita oficial a França, Marcelo discursa a uma plateia de emigrantes portugueses num palco ao ar livre quando começa a chover. Costa, que se sentava atrás, levanta-se, abre o guarda-chuva e abriga o Presidente da República. As leituras são óbvias. Até porque o chapéu-de-chuva tem uma palavra relativa a uma marca comercial: Fidelidade. Foto: Lusa

 

12 de março de 2016. Despedida da visita de Marcelo e Costa a França. Foto: Lusa

 

23 de junho de 2016. O chefe de Estado e o chefe de Governo encontram-se no Porto, onde farão a habitual reunião semanal, na Casa de Serralves. Foto José Coelho/Lusa

 

Noite de 23 para 24 de junho de 2016, S. João, no Porto. António Costa "martela" Marcelo Rebelo de Sousa, sob risos gerais, incluindo os de Rui Moreira, presidente da Câmara. É um banho de multidão, entre muitos aplausos e fotografias. José Coelho/Lusa.

 

11 de julho de 2016. Campeões europeus! Marcelo Rebelo de Sousa com o troféu do Euro 2016, ao lado de António Costa, Eduardo Ferro Rodrigues (presidente da Assembleia da República), Fernando Gomes (presidente da Federação Nacional de Futebol), Cristiano Ronaldo (capitão da seleção nacional) e restante equipa de Portugal. Foto Horacio Villalobos - Corbis via Getty Images

 

9 de dezembro de 2016. Mais um sinal da excelente relação política entre ambos: neste dia a notícia é de que as exportações haviam caído em outubro desse ano, mas Marcelo comenta dizendo ter um "feeling" de que elas teria voltado a cresce muito em novembro, ao que Costa reage dizendo que será o Governo a contrariar um "feeling" do PR. Foto Mário Cruz/Lusa

 

12 de maio de 2017. No centenário das aparições de Fátima, com a visita do Papa. Presidente da República e primeiro-ministro (na foto, debaixo das arcadas da Basílica de Nossa Senhora do Rosário) estiveram lado a lado durante mais de três horas no Santuário, assistiram à recitação do rosário, à procissão das velas e a uma eucaristia que terminou já depois da meia-noite. Católico praticante, o Presidente disse estar em Fátima como peregrino. Foto: Lusa

 

9 de junho de 2017. Reunião semanal. O ambiente é excelente. Mal sabiam ambos que dali a poucos dias a tragédia se abateria sobre Portugal, nos incêndios de Pedrogão. Foto: Lusa

 

Junho de 2017. Incêndios em Pedrogão: António Costa fala aos jornalistas no dia 18, Marcelo no dia 19. Os dois não aparecerão juntos naqueles dias depois da tragédia. E irão divergir, tal como se notará mais tarde, quando, a 15 de outubro, uma nova noite fatídica traz de novo a tragédia a Portugal, com os incéndios fatais na zona centro. Nesse outubro, será o Presidente da República a precipitar a demissão da ministra da Administração Interna Constança Urbano de Sousa (na foto, ao lado de Costa). Nestas fotos, em junho, a ministra manteve-se. Fotos: Lusa  
 

 

20 de agosto de 2017. Barcelona. Nas Ramblas, em Barcelona, d​​​​epois da missa pela paz na Sagrada Família, onde Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa estiveram presentes prestando homenagem às vítimas de um ataque terrorista perpretado na cidade dias antes. Espanha fora nessa semana alvo de dois ataques terroristas, em Barcelona e em Cambrils, na Catalunha, que fizeram 14 mortos e 135 feridos, com a utilização de viaturas que atropelaram pessoas indiscriminadamente. A lista de vítimas mortais do ataque em Barcelona incluiu duas portuguesas, uma mulher de 74 anos, e a sua neta, de 20. Foto: Lusa

 

19 de outubro de 2017. Quatro depois dos trágicos incêndios na zona centro, Marcelo visita a região. Mais uma vez, PR e PM visitam a zona separados. Dias depois, Marcelo exigirá a demissão de Constança Urbano de Sousa. Foto Nuno André Ferreira / Lusa

 

 

9 de abril de 2018. António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa com o Presidente de França, Emmanuel Macron, nas comemorações do Centenário da Batalha de La Lys. Foto: Lusa

 

10 de junho de 2018. Comemorações do dia de Camões em Boston, nos Estados Unidos. Foto Lusa

 

11 de agosto de 2018. António Costa de telemóvel na mão, fotografa Marcelo, em Boston. Foto: Lusa

 

 

10 de junho de 2018. Cantar o hino. No 10 de junho em Boston Foto: Lusa. Pode ver uma fotogaleria desta visita aqui.

 

Junho de 2018 Junho de 2018 tributo Ze Pedro dos Xutos em Lisboa Foto Pedro Gomes Redferns via Getty Images

 

20 de dezembro 2018. Marcelo recebe Governo para cumprimentos de Natal. Foto: Miguel A. Lopes/Lusa

 

20 de dezembro de 2018. António Costa e Marcelo abraçam-se na cerimónia de cumprimentos de Natal. Foto: Miguel A. Lopes/Lusa

 

7 de fevereiro de 2019. Foto: Lusa

 

24 de abril de 2019 Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, acompanhado pelo primeiro-ministro, António Costa, conversam durante o jantar comemorativo da Associação 25 de abril. Foto Manuel de Almeida / Lusa 

 

1 de novembro de 2019. Foto:  AP

 

15 de março de 2020. A pandemia está a chegar a Portugal. António Costa em videoconferência com Marcelo Rebelo de Sousa Foto: António Pedro Santos/Lusa

 

15 de abril de 2020 Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa Foto Lusa _ Manuel de Almeida

 

17 de abril de 2020. No dia em que o Parlamento discute o Orçamento Suplementar, Fernando Medina (à esquerda, presidente da Câmara e Lisboa), Ferro Rodrigues (presidente da AR), Marcelo, António Costa e Fernando Gomes (à direita, presidente da FPF) juntam-se ao final de tarde até no Palácio de Belém para comemorar a vitória de Lisboa para organizar a fase final da Liga dos Campeões. O espalhafato em plena pandemia é criticado por muita gente. Foto: Miguel A. Lopes/ Lusa

 

2 de novembro de 2020. Foto: Manuel de Almeida / Lusa

 

14 de novembro de 2020. Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e Fernanda Tadeu numa missa no Santuário de Fátima em homenagem às vítimas da Covid-19. Foto: Paulo Cunha/Lusa

 

26 de janeiro de 2021. Marcelo e Costa dão o exemplo usando máscaras FFP2. Foto António Cotrim/Lusa

 

4 de março de 2021. Primeiro-ministro oferece um bonsai centenário ao Presidente da República, como símbolo de um combate que prosseguirá para lá dos seus mandatos. A entrega ocorre no final de um Conselho de Ministros especial sobre florestas, em Mosanto, que Marcelo preside a convite de Costa. Foto: Tiago Petinga / Lusa

 

17 de julho de 2021 Marcelo e Costa na cimeira da CPLP Foto: Ampe Rogério/Lusa

 

19 de novembro de 2021. Numa das reuniões com a task force de combate à Covid-19. Foto Lusa

 

26 de novembro de 2021. Foto Rui Minderico /Lusa

 

23 de dezembro de 2021. António Costa deita álcool gel de prevenção nas mãos de Marcelo. Foto: Lusa

 

23 de março de 2022. Na cerimónia de abertura solene das comemorações dos 50 Anos do 25 de Abril no Pátio da Galé em Lisboa. Foto Tiago Petinga / Lusa

 

30 de março de 2022. Cerimónia da tomada de posse do novo Governo Foto: Miguel A. Lopes/Lusa

 

1 de junho de 2022. Na inauguração do Museu do Tesouro Real. Foto: Mário Cruz/Lusa

 

11 de novembro de 2022. Augusto Santos Silva, Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa. Foto: Miguel A. Lopes/Lusa

 

26 de março de 2023. Na Cimeira Ibero-Americana Foto: EPA/ Orlando Barria

 

29 de março de 2023 O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, cumprimenta o primeiro-ministro, António Costa, à sua chegada para participar na reunião do Conselho de Estado, sobre o tema com “Fundos Europeus em Portugal”, no Palácio da Cidadela, em Cascais. Foto: Rodrigo Antunes/ Lusa

 

24 de abril de 2023. Chico Buarque recebe finalmente, no palácio de Queluz, o Prémio Camões, que lhe havia sido atribuído em 2019, na presença de Lula da Silva, Marcelo, Costa e muitos convidados. O atraso na entrega aconteceu pela recusa de Jair Bolsonaro em assinar o diploma. Foto Lusa/António Cotrim.

 

 

7 de junho de 2023. Em visita à África do Sul. Foto Tiago Petinga/Lusa

 

7 de junho de 2023. Em visita à África do Sul. Foto Tiago Petinga/Lusa

 

10 de junho de 2023. Cerim´nia do Dia de Camões. Foto: José Coelho / Lusa

 

9 de novembro de 2023. Dois dias depois de apresentar demissão, precipitando eleições antecipadas, Marcelo e Costa juntam-se no Conselho de Estado. Foto Tiago Petinga/Lusa

 

16 de novembro de 2023. António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa em visita à Guiné-Bissau. Foto: Lusa

 

 

11 de dezembro e 2023. Em reunião de Conselho de Estado. Foto Tiago Petinga / Lusa

 

21 de dezembro de 2023. Apresentação de cumprimentos de natal,  Foto: Miguel A. Lopes/Lusa

 

25 de março de 2024. Último reunião oficial. Costa convida Marcelo para o último Conselho de Ministros do seu governo, antes da tomada de posse do novo governo, liderado pela AD. Foto Tiago Petinga / AD

 

25 de março de 2024. Último reunião oficial. Depois da foto de família com o governo, no último Conselho de Ministros do governo de Costa. Foto Tiago Petinga / AD

 

25 de março de 2024. Final da conferência de imprensa em que Costa e Marcelo se despedem oficialmente um do outro. Foto: Tiago Petinga/Lusa

 

 

 

 

 

 

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