“80% é gente boa e 20% não”: dentro do Chega
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“80% é gente boa e 20% não”: dentro do Chega

REPORTAGEM
Germano Oliveira
Joana Moser

FOTOGRAFIAS
Joana Moser

Há gente que é tão nova (20, 21, 22 anos) que só votou Chega em eleições e há gente menos nova que já não quer votar nos partidos mais antigos que o Chega porque é gente que se sente desiludida por razões distintas: ou porque Rui Rio anunciou que “o PSD é de esquerda” ou porque André Ventura “é o único” que respeita “os 900 mil que combateram pela pátria” ou por outras causas isoladas, partilhadas ou combinadas. Há também imprevistos nestas histórias - como um agora deputado do Chega que foi arrastado outrora pela gola à entrada da Assembleia da República. Dentro do Chega há emigrantes, filhos de imigrantes, imigrantes, monárquicos, negros, brancos, há quem diga que “80% é gente boa e 20% não”, este “há quem diga” é dito dentro do partido. Onde há votos que foram ou podiam ser de PS, PSD, CDS, IL, PDR, PURP e que são agora do “professor doutor André Ventura”, que é a maneira como muito dos delegados e observadores se dirigem ao líder de um partido que se reuniu para uma convenção em Viana do Castelo

“Ainda agora estava aqui um dos nossos deputados, conheci-o há muitos muitos anos da maneira errada”, Germano Miranda tem 72 anos, boina militar na cabeça, “é a que usei no Ultramar, estive 30 anos sem conseguir falar sobre o Ultramar, se alguém falasse sobre isso eu saía da beira dessa pessoa, é um trauma”, Germano Miranda conheceu este deputado do Chega quando ainda não havia Chega nem André Ventura, o líder do partido não tinha sequer nascido, “fui GNR durante cinco anos e tive a sorte - ou não”, ele sublinha o “ou não”, “tive a sorte - ou não - de estar na Assembleia da República como segurança, foi em 1979, 80, 81 e 82, olha, foi no tempo da Maria de Lurdes Pintassilgo, fui segurança dela”, muda subitamente de assunto, “ai, aquilo é que era, aquilo à volta dos políticos, dos altos cargos, dos altos políticos, então ali é que há um jogo de interesses tremendo, nós ouvíamos sem querer o que eles diziam, estávamos ali ao lado”, Germano Miranda é de pensamento rápido e disperso, cada novo assunto deriva rápida e consecutivamente para outro assunto novo, “peço desculpa, tenho muitas histórias”, retoma a de como conheceu o deputado, “nem imagina o que aconteceu”, mas Germano Miranda quer deixar um assunto esclarecido antes de esclarecer a imaginação, “ah, aquelas conversas que nós ouvíamos dos políticos ficavam ali entre nós”, sublinha o “entre nós”, “ouvíamos e era isso, ouvíamos sem querer mas ficava ali entre nós”.

Germano Miranda diz que nunca contou a jornalistas a história de como conheceu este deputado, “conto-te a ti porque te chamas Germano também”, risos: “Na Assembleia da República há um grande portão onde entram os automóveis, estavam sempre ali dois soldados de G3 com balas, era um deles: havia um oficial que nos dava as diretivas e só deixávamos entrar as viaturas autorizadas, e não é que esse senhor apareceu lá, era um homem novo na altura”, problema: não tinha autorização para entrar, “eu viro-me para ele e digo-lhe ‘olhe que esse carro não pode entrar’”, a partir dali corre mal, “eu explico ao homem que a matrícula dele não estava autorizada, ele respondeu ‘mas eu vou entrar’, eu digo ‘faça favor, pode entrar por aqui mas sem o carro’”, Germano Miranda diz que ele e o homem “entraram em discordância”, durou 30 minutos, “mais ou menos 30 minutos, caldo entornado”.

Começa um entra não entra com o carro, o caldo está espalhado pelo chão, o agora deputado do Chega diz “então agora não saio do carro”, Germano Miranda responde “você é que diz que não sai, vamos ver, aqui quem manda sou eu”, entretanto já há mais dois carros atrás deste, “um dos carros era de um ministro, já não me lembro de quem era, estou a ver cara dele mas não me lembro do nome, o outro carro era de um secretário de Estado”, o outro guarda de serviço pergunta a Germano Miranda se aquilo não se resolve, “então não se resolve, vou chamar o tenente”, o tenente era de Viana de Castelo, Germano Miranda é de Viana de Castelo também, “era o Ribeiro, andou comigo na escola, o Ribeiro era um gajo da cavalaria, daqueles com botas de esporas”, o Ribeiro pergunta o que se passa, “olha, o que se passa é que aquela pessoa não tira o carro dali, só se vier uma grua”, o tenente fica estupefacto, “o quê?, esse gajo é tolo, é tolo, é maluco, vamos lá”.

Vão lá, o agora deputado do Chega “tem o vidro fechado, recusa-se a abrir o vidro”, o tenente bate-lhe duas vezes no vidro, bate uma terceira, saca da pistola e diz-lhe “se você não abre o vidro quebro-lhe isso, abra”, ele abriu, “pois abriu, o caldo estava entornado”, Germano Miranda repete “entornado”, faz eco às próprias palavras, conta como se fosse suspense, “gosto de contar histórias”, o tenente aproveita o vidro aberto para abrir o trinco da porta do carro e depois abre a porta toda, “agarrou o agora deputado pela gola e arrastou-o até às nossas guaritas”, arrastou-o?, “arrastou-o, eu conhecia o Ribeiro desde menino, era mesmo um gajo duro”, Germano Miranda sorri.

Germano Miranda, ex-militar e ex-carteiro dos CTT agora reformado, adora André Ventura, “é o único que fala sobre os ex-combatentes, que demonstra preocupações com eles, connosco, comigo, que nos nomeia, o André vai incluir–nos no programa para as legislativas”, Germano Miranda é dos poucos que falaram com a CNN que trata o líder pelo primeiro nome, a maioria diz “doutor André Ventura”, alguns “professor doutor André Ventura”, depois do André é de Pedro Pinto, deputado do Chega, que Germano Miranda gosta muito, “é aquele alentejano puro e duro”, repete o “puro e duro”, Germano Miranda gosta de enfatizar determinadas circunstâncias das suas histórias, “o Pedro Pinto vai até ao fim quando acha que tem razão, ele é desse tipo, gosto disso”, gosta mais “do André# e de Pedro Pinto que do agora deputado com quem entornou o caldo, “prefiro não dizer o nome dele”, Germano Miranda diz que é do Chega da “cabeça aos pés” mas antes de aderir ao partido quis saber se André Ventura era um “homem sério, eu estava farto de sacanas”, os sacanas apareceram ali por 2015.

“Cheguei a votar PS, acho que a última vez foi para aí há 15 anos, depois foi só votar em branco ou nulo”, foi assim até que se juntou ao Partido Democrático Republicano (PDR), fundado por António Marinho e Pinto, fez-se militante em 2015: “Que mundo novo, não conhecia a política de lado nenhum”, durou seis-sete meses, “aquilo realmente era um ninho de cobras, na política nem todos os políticos são maus mas tem gente muita má lá dentro”, diz que viu traições, “não a mim”, traições entre os membros do partido, “caça de lugares, há caça aos lugares em todos os partidos, não excluo sequer o Chega disso, é o  meu partido mas há caça aos lugares em todos os lados”, mas regressando ao PDR - Germano Miranda faz uma pergunta: “vocês lembram-se dos Bourbons de Braga?”, pausa para contexto

notícia da CNN Portugal publicada a 22 de junho de 2022, 17:15: “Os irmãos Pedro e Manuel Bourbon, condenados a 25 anos de prisão no processo ‘Máfia de Braga’ pelo homicídio do empresário João Paulo Fernandes, cujo corpo foi dissolvido em ácido sulfúrico, foram expulsos da Ordem dos Advogados”;

notícia do Observador publicada a 18 de maio de 2016, 08:24: Entre os advogados detidos pelo possível homicídio do empresário João Paulo Fernandes – desaparecido desde o dia 11 de março – está Pedro Grancho Bourbon, ex-secretário-geral e atual vice-presidente do PDR, partido fundado por Marinho e Pinto e que concorreu às eleições de 2015 sem ter conseguido eleger quaisquer deputados. O irmão de Pedro Grancho Bourbon, Manuel Grancho Bourbon, também foi detido. (...) Os advogados ter-se-ão apoderado de 19 imóveis de João Paulo Fernandes após uma venda fictícia. O pai da vítima já tinha indicado que estes podiam ser os responsáveis pelo sequestro do filho – que ocorreu à frente da filha do homem.

“Vocês lembram-se dos Bourbons de Braga?, eu conheci-os pessoalmente, gente que parecia gente boa, advogados, gente com boa formação - não só política mas com boa formação de pais mas realmente não eram tão bem formados como pareciam”, no meio da investigação ao crime Germano Miranda foi apanhado numa escuta, “era uma conversa normal, sem nada de especial, mas eles estavam a ser investigados pelo crime“, Germano Miranda diz que conhecia “o indivíduo que eles mataram”, por tudo isto Germano Miranda saiu do PDR, “estive seis-sete meses a pensar no que fazer a seguir” e foi para o PURP, Partido Unido dos Reformados e Pensionistas, acabou por sair também, “os partidos grandes têm muito poder, o Chega é de facto um caso espetacular, fora do normal, eu sei isso porque estive num partido pequeno, no PURP, a comunicação social nunca iria estar comigo naquela altura, nunca me iria entrevistar como vocês aqui hoje” e então depara-se com uma pessoa a falar sobre o Benfica na televisão, “eu até sou do Sporting mas a capacidade retórica dele impressionou-me muito”, a seguir foi procurar notícias e informações sobre aquela pessoa, André Ventura, “o André”, “eu tenho alguma experiência com sacanas, como vocês viram”, sorrisos, sorri muito, “quis saber em que é que assentava aquele poder retórico, o que é que ele defendia”, diz que ficou impressionado, “é óbvio que há coisas em que o partido ainda está um bocadinho cru, nos impostos, por exemplo, nas propostas para os impostos, mas o que faz deste o meu partido é a preocupação dele com os ex-combatentes, ele vai colocar no programa para as legislativas algumas sugestões que lhe dei, ninguém quer saber dos ex-combatentes, só ele, eu tenho muito orgulho de ter servido a minha pátria,sabe?, há um abandono total dos combatentes, isso não se faz, a pátria a mim não me deve nada mas deve a 900 mil homens que lá estiveram, o André preocupa-se com isso”, por isso Germano Miranda diz que é do Chega dos pés à cabeça, “sou do Chega de acolá até acima”, aponta para as pontas dos pés para situar o acolá e faz um gesto com as mãos para marcar na ponta dos cabelos onde fica acima, “sou patriota de acolá até acima”, faz os mesmos gestos, “o André Ventura é o meu ídolo, é, e no Chega, como em todos os partidos, 80% é gente boa e 20% não”.

05
Português filho de imigrantes; português filho de emigrantes

Fábio Silva (à esquerda) e Daniel Giaconi (à direita)

Fábio Silva, 35 anos, é das poucas pessoas negras na convenção, “há algumas etnias que beneficiam de alguns privilégios mas o Chega não é racista, não é xenófobo, eu não sou extremista”, Fábio está com Daniel Giaconi, 30 anos, filho de emigrantes e ele próprio emigrante durante parte da vida, Daniel defende que “primeiro temos de ajudar as pessoas do nosso país, protegê-las, e depois ajudamos o resto, isso não é ser contra a imigração, é ajudar o próprio povo, mas o que está a acontecer em Portugal é ajudar-se famílias de fora quando há famílias portuguesas que não conseguem chegar ao final do mês”, a mãe de Fábio não pode votar em Portugal, “eu sou português mas a minha mãe não é, é angolana, o meu pai é cabo-verdiano”, Fábio mora com a mãe, o pai está fora, enquanto isso os pais de Daniel continuam a morar na Suíça, onde ele nasceu, votam pelo círculo da emigração, como ele votou, são do PSD, “o Partido Democrático”, como Daniel lhe chama, “os meus pais continuam a votar Democrático mas também andam naquela da mudança pelo facto de como está Portugal neste caso”, portanto: admitem votar Chega.

O Português de Daniel tem um sotaque  francófono, são palavras que têm expostas as fraturas linguísticas de anos de emigração, palavras que por vezes se juntam em formulações mais imprevisíveis, “pelo facto de como está Portugal”, o exemplo do parágrafo anterior; o Português de Fábio Silva tem os ossos todos dentro da pele, nasceu em Portugal, vota em Portugal, vive em Portugal, de repente Fábio tenta cuidar das fraturas expostas de Daniel: Daniel diz “basicamente muitos motoristas que trabalham no Uber não falam nem Inglês nem Português, basicamente tu entras no carro e sentes-te descontrolado”, Fábio corrige, “desconfortável”, Daniel agradece, “desconfortável, sentes-te desconfortável”, Daniel e Fábio moram no Algarve, Fábio em Lagos e Daniel em Portimão, conheceram-se a caminho de Viana do Castelo, “temos uma maneira de pensar muito semelhante, aproximámo-nos”, um e outro nem sempre se sentem próximos dos respetivos amigos: Daniel tem discussões com amigos socialistas “mas eles também andam descontentes, não gostaram nada daquilo do Medina e do IUC”, Fábio diz que o avisam sobre o “Chega ser racista, sobre ser xenófobo - que não é”.

“Não é”, insiste Fábio, “quando o Chega apareceu eu disse ‘ei lá, há aqui qualquer coisa de diferente’, o meu primeiro contacto com o André”, Fábio chama André a Ventura, Daniel prefere doutor André Ventura, “o meu primeiro contacto com o André foi através dos comentários desportivos”, Daniel diz “o meu também, o meu também”, Fábio prossegue, “toda a gente dizia ‘como é que podes acreditar numa pessoa que é racista, que é xenófoba?, tu vais ser discriminado’, os meus amigos diziam-me isto e continuam a dizer-me ‘como é que tu podes acreditar?, ele está a vender a banha da cobra, a dizer o que as pessoas querem ouvir’, eu não acredito nisso, acredito que o Chega tem uma mensagem para que as coisas mudem, temos de dar uma oportunidade a quem nunca teve”, Daniel junta-se, “Portugal tem muitos problemas: a saúde, os professores, os médicos que vão para o estrangeiro, e a política que está presente, o socialismo neste caso, não está a dar valor aos nossos, está a dar valor a outras coisas - o doutor André Ventura falou há bocado de Portugal distanciar 34 milhões para Angola”, fraturas expostas, “de distanciar [mandar] 34 milhões para Angola quando temos vários problemas muito maiores e graves perante os portugueses, eu nasci na Suíça, eu vejo lá que aquilo não é racismo, que não é racismo a mentalidade deles: num primeiro momento é o país deles, num segundo momento é ajudar os de fora, isto não é ser racismo”.

Fábio quer “desmistificar essa mensagem” de que o Chega “é racista”, “o Chega acolheu-me muito bem, muito bem,  desde a concelhia à distrital, e em agosto do ano passado, na reentrée do Chega em Lagos, comecei a falar com o André, a lidar com o resto dos deputados, e eles dizem-me ‘ei pá, atenção, não vás para casa dizer que saíste daqui a dizer que foste maltratado, que nós fizemos racismo contigo’, muito pelo contrário, eu fui muito bem acolhido, é a oportunidade de mudar esta mensagem, dizer que o Chega não é racista, que não é xenófobo”, Daniel acrescenta, “é a oportunidade de mudar a mentalidade”, Fábio de novo, “temos problemas sim com a imigração, Portugal tem atualmente uma política de portas abertas - há os bons, os trabalhadores, mas há também aqueles que vêm para cá e nós não sabemos o que é que eles pretendem e é isso que temos de tentar controlar, é a isso que o André se refere, que gostamos de receber aqueles que vêm por bem e não de receber a todo o custo, tem de haver um BI para sabermos quem entra em Portugal, no Algarve já temos motoristas de TVDE que assediam as mulheres e que assediam...”, e depois dizem em uníssono “... as crianças”.

08
R.I.P. PSD de esquerda

“Foi quando Rui Rio disse que o PSD era de esquerda” que Nurjaha Neves, enfermeira reformada, decidiu deixar o partido onde militou desde 1980 para passar diretamente para o Chega: veio à convenção com um grupo que saiu de Rio Maior mas está sentada sozinha numa das bancadas dos chamados “observadores”, veste um cachecol com corações e tem um chapéu de chuva às bolinhas, “eu não sou de esquerda, sou de direita”, se o PSD é de esquerda então ela quis ser de outra coisa qualquer que não fosse nem de esquerda nem do PSD, Rio tornou-lhe esses conceitos redundantes, “parece-me que o André Ventura é o líder da direita”, escolheu-o, fez-se militante.

Também não aprecia os acontecimentos pós-Rio, “não me revejo no atual PSD”, parece-lhe um PSD fraco, frágil, “o Montenegro não faz oposição nenhuma”, um PSD insuficiente, ineficaz, “o doutor André é o mais carismático de todos eles", Nurjaha Neves quer garra política mas não quer agarrar esta entrevista, não se alonga nem nas considerações nem nas justificações, “foi pela frontalidade e sinceridade” do líder do Chega que se sentiu atraída pelo partido, “gosto de quase todas as medidas dele”.

Nurjaha Neves é a entrevista mais rápida da convenção enquanto o gravador está ligado, quando é desligado Nurjaha haverá de se expandir, de fazer perguntas, de se alongar nas considerações, antes disso acelera o fim oficial da conversa: “Não quero criar dilemas mas gosto de tudo no André Ventura: dizem que ele é racista? não é; ele é benfiquista?, também sou”, Ventura é passista?, Nurjaha Neves também, “eu até gostava que Passos Coelho fosse Presidente da República mas acho que ele não quer, não sei”, as respostas vão ficando cada vez mais curtas mas entretanto Nurjaha Neves entra por uma esquematização temática adentro:

Imigração? “Acho que devia haver mais controlo, até terroristas entram neste país, mas há uns quantos coitados que vivem no vão da escada.”

Habitação? “Os nossos jovens não têm nada, querem sair de casa e não podem, não está correto.” 

Saúde? “Uuuuuuuuuuiiiii, uma desgraça, e eu fui enfermeira, sabe?, e o meu marido médico, sabe?, acha normal as pessoas irem à meia-noite, duas e três da manhã para uma fila para apanharem uma consulta?” 

Emigração jovem? “Arranjem-lhes empregos e casas.”

Educação? “Há miúdos que têm de levar papel higiénico de casa para a escola.” 

11
Pai dele: PSD. Irmão dele: CDS. Ele: Chega

Não é fácil decidir como tratar Diogo Teixeira Mendes, se por tu ou se por você: há algo de profundamente adulto nele, de adulto de um outro tempo, de um tempo em que havia monarquia constitucional, em que o Eça estava vivo e escrevia livros, de um tempo em que tratar alguém por tu sem haver uma relação social que o justificasse podia acabar num duelo de pistolas. 

Diogo Teixeira Mendes, 22 anos, patilhas longas, costas direitas, bigode longo bigode vistoso, dois pins no casaco, “que pins são esses?”, ele sorri, “um é o símbolo do Chega, o outro é”, vamos já ao que o outro é; Diogo Teixeira Mendes, 22 anos, licenciado em zootecnia, filiou-se no Chega em outubro de 2021 e tornou-se entretanto coordenador da divisão juvenil do partido em Santarém depois de uma atração insatisfatória pelo CDS.

“Sempre fui relativamente interessado em política, mas assim mais a sério aconteceu aos 17 anos”, nessa altura acompanhava o CDS e destaca a liderança de Paulo Portas por oposição à de Assunção Cristas, “a Assunção veio descer um bocadinho o nível da liderança no CDS, embora lhe reconheça valor enquanto ministra da Agricultura”.

Diogo Teixeira Mendes nunca se filiou no CDS - manteve a relação no plano platónico, bem diferente da que mantém com o próprio bigode: toca-lhe, cofia-o, enrola-o algumas vezes enquanto narra aquela relação falhada com os democratas-cristãos, “fiquei descontente com a liderança de Francisco Rodrigues dos Santos”, a maneira como mexe no bigode é também muito adulta enquanto a frequência com que o faz denuncia os ímpetos exploratórios da juventude - tratar por tu ou por você? -, Diogo Teixeira Mendes acabou portanto por se afastar do CDS e a aproximar-se de Rita Matias - ex-Juventude Popular, atual responsável pela Juventude Chega e mandatária nacional do Chega para as legislativas.

No início Diogo tinha “reservas iniciais” sobre a natureza do Chega, “sobretudo nos temas da imigração”, mas “foi uma questão de meses” até resolver as inquietações: conheceu pessoas do partido, conversou com elas, e decidiu que era com o Chega que se identificava, “o André diz coisas num contexto que tem de ser amplamente explicado, muitas vezes o contexto é mais complexo do que uma só frase”, é um esforço que Diogo pede que se faça e que diz que fez também.

“Há quem diga que o Chega quer enviar os imigrantes todos para a terra deles, não é a realidade: o que nós queremos é que haja um controlo e esse controlo passa por não ter pessoas que venham para Portugal perturbar a ordem pública ou que não se adaptem às nossas condições culturais - se não cumprem, se vivem à margem, têm de se ir embora”, estava assim resolvido dentro de Diogo o tema da imigração porque o do aborto e o da eutanásia já o tinham afastado da Iniciativa Liberal, “eu cresci numa família católica, sou católico”, é uma família que converge na fé e diverge na política: o irmão, 20 anos, “ainda é do CDS, seria o mais próximo de ser do Chega, mas pronto, é complicado”, o pai é de centro-direita e a mãe está bem distante do Chega, pai e mãe questionaram a escolha do filho “mas nunca me negaram a possibilidade de ter liberdade de decisão”.

Então “que pins são esses no teu casaco?”, ele sorri, “um é o símbolo do Chega, o outro foi-me oferecido por agradecimento”, sorri de novo, cofia cerimoniosamente o bigode, há orgulho naquele ato, “acompanhei a pé a carruagem da infanta Maria Francisca com o rei Duarte Pio, fui eu que abri a porta para eles saírem da carruagem durante o casamento real, sou monárquico”.

FIM

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