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Definição de "sanctimonious": "atuar como se fosse moralmente superior aos outros". Portanto: eis Ron 'DeSanctimonious', o aliado de Trump que intimida Trump

O nome é Ron DeSantis mas Trump deu-lhe a alcunha DeSanctimonious. E não o faz por acaso: é que DeSantis ou DeSanctimonious pode tirar Trump da corrida presidencial de 2024. Foram aliados, agora são menos: "Eu dir-vos-ia coisas sobre ele que não são muito lisonjeiras", diz Trump. Há uma guerra fria entre ambos e DeSantis está por cima, pelo menos esta semana

“Após quatro anos, as pessoas fizeram o seu veredicto: a liberdade está aqui para ficar. Não só ganhámos a eleição como reescrevemos o mapa político. Rejeitamos a ideologia woke. A Florida é onde o wokismo vem morrer.” Estas palavras podiam ter sido ditas por Donald Trump mas foram proferidas por Ron DeSantis no discurso após a confirmação da sua reeleição para o cargo de governador da Florida, esta terça-feira.

A retórica de DeSantis é em tudo semelhante à do anterior presidente dos Estados Unidos, com grande ênfase nas questões sociais - como a oposição ao aborto, à diminuição do financiamento da polícia, aos direitos da minoria LGBT e ao controlo da posse de armas - mas também na defesa acérrima da redução de impostos para as empresas e grandes fortunas.

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O passado de DeSantis vai além da política. Nascido no seio de uma família italiana em Jacksonville, DeSantis estudou História na Universidade de Yale, uma das mais prestigiadas do mundo, tendo também feito parte da equipa de basebol da instituição. Após a conclusão da licenciatura, em 2001, rumou à Darlington School, uma escola privada na Geórgia, onde deu aulas de História e Educação Física.

Apesar de ter lecionado no estabelecimento apenas durante um ano letivo, deixou uma marca nos seus alunos, que o recordam como um homem “carismático” e “muito inteligente”, de quem “as pessoas gostavam”. No entanto, outros ficaram muito desagradados com a sua perspetiva sobre determinados temas, como a Guerra de Secessão. “O Sr. DeSantis era mau e hostil para mim. Não ativamente mas passivamente, talvez por eu ser negra”, afirma Danielle Pompey, sua antiga aluna em Darlington, ao The New York Times. “Nas aulas de História, por exemplo, ele fazia de advogado do Diabo, dizendo que o Sul tinha boas razões para lutar, para matar, pois eram donos de pessoas – pessoas negras. Ele estava a tentar dizer ‘a escravatura não é boa mas eles tinham bens e negócios’”, completa.

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Após o curto período enquanto professor, DeSantis foi estudar Direito para Harvard. Em 2004, durante o seu segundo ano nesta universidade, DeSantis alistou-se na Marinha dos Estados Unidos, onde chegou a tenente. O pico do seu serviço militar chegou em 2007, quando foi destacado para o Iraque como conselheiro legal da SEAL Team One, uma das equipas das forças de operações especiais da Marinha.

O início da carreira política aconteceu há dez anos, quando se candidatou pelo Partido Republicano à Câmara dos Representantes pelo 6.º Distrito da Florida, tendo nas primárias derrotado o incumbente Fred Costello por 16 pontos percentuais. Na derradeira eleição, DeSantis cilindrou a democrata Heather Beaven, obtendo 57% dos votos e conseguindo maiorias nos quatro condados do distrito eleitoral.

O atual governador da Florida ganhou as duas campanhas de reeleição que disputou, em 2014 e 2016. Entre 2015 e 2017, serviu como presidente do Subcomité de Segurança Nacional, um dos mais importantes da câmara baixa do Congresso.

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Foi também nos seus últimos anos enquanto congressista que se revelou um dos maiores apoiantes de Trump. DeSantis foi um dos republicanos que mais tentaram bloquear o procurador especial Robert Mueller, que investigava a alegada interferência russa nas eleições presidenciais de 2016, bem como as possíveis ligações de Donald Trump a vários altos oficiais do Kremlin.

Para as intercalares de 2018, DeSantis anunciou, num primeiro momento, a candidatura ao Senado pelo seu estado-natal, tendo acabado por desistir a favor de Marco Rubio, que voltou a apontar baterias para a câmara alta após desistir da candidatura presidencial. Este desenvolvimento acabou por ser uma bênção para DeSantis, que optou por se candidatar ao cargo de governador da Florida. A candidatura, apoiada pelo então presidente Trump desde as primárias, representou mais um sucesso, com DeSantis a derrotar o democrata Andrew Gillum por apenas 0,4 pontos percentuais.

A polémica estratégia anticovid

Os seus primeiros tempos enquanto líder do estado foram relativamente normais, mas a pandemia de covid-19 fez dele um protagonista nacional. Enquanto estados como a Califórnia e Nova Iorque, governados pelos democratas, impunham duras medidas de contenção, DeSantis resistiu em adotar medidas de combate à propagação do vírus. Nos primeiros meses de 2020, enquanto a doença se propagava, o governador recusou declarar o estado de emergência e impor a obrigação do uso de máscara na Florida.

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DeSantis congratulou-se pelo baixo número de casos confirmados na Florida no início da pandemia, período em que o estado continuou a viver com relativa normalidade, e criticou duramente os seus opositores que não concordavam com a abordagem adotada. No entanto, em julho de 2020, a Florida tornou-se um dos centros globais da propagação da covid-19. Nesse mês, cerca de 5.800 pessoas morreram após contraírem o vírus.

Ignorando as recomendações dos peritos, o líder republicano proibiu a testagem em massa da população, bem como as autoridades locais de recolherem multas pela violação de normas anticovid. Em setembro desse ano, apesar da pandemia ainda se sentir fortemente no estado, DeSantis levantou todas as limitações à lotação de bares e restaurantes. Por esta altura, já as teorias da conspiração sobre a covid-19 estavam bem disseminadas junto do eleitorado trumpista e republicano. As ações e a postura de DeSantis, que mostrou muitas vezes ser contra Anthony Fauci, líder da task force da Casa Branca na luta contra a pandemia e um dos principais alvos de trolls e negacionistas, tornou-o uma referência para muitos apoiantes do ex-presidente.

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Em 2021 surgiu uma nova fase da pandemia, com o início do processo de vacinação em massa da população americana. Bem no começo, o governador criou alguma polémica ao ameaçar proibir a distribuição de vacinas em condados que criticassem esse processo. Para complementar, em maio desse ano, DeSantis proibiu todas as instituições governamentais, escolas, navios de cruzeiro e estabelecimentos comerciais de requerer um certificado de vacinação a quem quisesse frequentar esses espaços.

Pelo verão, a Florida era um dos estados com menor percentagem de pessoas imunizadas contra a covid-19. No entanto, a sua popularidade estava em alta. Apesar do elevado número de casos e mortes, havia um capítulo, o qual os americanos privilegiam, que se apresentava em boa forma: a economia. Beneficiando do facto de muitos dos negócios não terem sido afetados por ordens de encerramento, os índices económicos da Florida não sofreram tanto como os de, por exemplo, a maioria dos estados do nordeste do país.

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DeSanctimonious

Quem parece estar a sentir a popularidade de Ron DeSantis na pele é Donald Trump. Outrora grande apoiante do floridiano, o ex-presidente começou a apontar ao governador, que beneficia da confiança e aprovação de muitos trumpistas.

No sábado, durante um comício, Trump deu um primeiro recado ao governador do estado sulista, enquanto mostrava dados que, alegadamente, mostram as preferências dos eleitores republicanos para as presidenciais de 2024. “Aqui está. Trump com 71%. Ron DeSanctimonious com 10%”, afirmou o magnata. A palavra “sanctimonious” (santimonial em português) significa, de acordo com o Cambridge Dictionary, “atuar como se fosse moralmente superior aos outros”.

Na noite eleitoral desta terça-feira, Donald Trump, embora admitindo que votou em DeSantis numa eleição que este ganhou por 15 pontos percentuais, deixou novo alerta, ainda mais ameaçador: "Eu dir-vos-ia coisas sobre ele que não são muito lisonjeiras. Sei mais sobre ele do que ninguém - a não ser, talvez, a sua esposa”, disse, em entrevista à Fox News, citada pela CNN.

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Embora esta espécie de “guerra fria” dure há meses (Trump afirmou, em outubro do ano passado, que, caso DeSantis se candidatasse às primárias republicanas, o venceria “como vence toda a gente”), a guerra pelo bilhete presidencial parece estar agora a intensificar-se, ainda para mais depois de Trump ter prometido revelar uma grande novidade no próximo dia 15 de novembro (por novidade entenda-se o anúncio de uma candidatura às presidenciais de 2024).

Do lado de DeSantis não há reação. Responder a Trump podia colocar em questão a sua reputação junto do eleitorado MAGA (Make America Great Again), mas até agora ainda não confirmou que cumprirá o seu mandato de quatro anos na Florida. Mas uma coisa parece certa: ambos são dois lados da mesma moeda.

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