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Um estranho fungo pode transformar milhões de cigarras em zombies

NOTA DO EDITOR | Kate Golembiewski é uma escritora científica freelancer baseada em Chicago que se interessa especialmente por zoologia, termodinâmica e morte

Nesta primavera, milhares de milhões de cigarras vão emergir depois de mais de uma década debaixo de terra, prontas para subir às árvores e fazer barulho enquanto cantam para atrair parceiros. Mas alguns destes insetos não terão sucesso no seu objetivo de procriar - em vez disso, serão controlados como zombies para espalhar um estranho fungo que sequestra o corpo e o comportamento das cigarras.

Os pormenores do ataque do fungo aos insetos - destruir os órgãos genitais, substituir os seus abdómenes por uma cavidade cheia de esporos fúngicos, manipular os insetos para que tenham um comportamento hipersexual para espalhar o fungo e transformar as cigarras naquilo a que alguns cientistas chamam "saleiros da morte" - podem parecer que pertencem a um filme de terror de criaturas. Mas quando se trata do fungo Massospora cicadina, diz John Cooley, professor associado de ecologia e biologia evolutiva na Universidade de Connecticut, Hartford, nos EUA, "a verdade é de facto muito mais estranha do que a ficção científica".

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As cigarras periódicas põem os seus ovos nos ramos das árvores e, quando esses ovos eclodem, as cigarras bebés resultantes, ou ninfas, caem no chão e enterram-se no solo. Dependendo da espécie, passam 13 ou 17 anos debaixo da terra, bebendo seiva das raízes das árvores, até chegar a altura de, quase adultas, emergirem. A dada altura, os insetos são expostos a esporos do fungo Massospora cicadina. Não é claro para os cientistas se isso acontece quando as cigarras entram no solo ou quando saem dele, ou como é que essa exposição acontece.

Como é que o Massospora cicadina controla as cigarras

Os esporos entram no corpo das cigarras e, a partir daí, estas ficam à mercê do parasita fúngico. Uma massa de esporos de fungos acumula-se no abdómen de cada cigarra infetada. Eventualmente, a parte de trás da cigarra - incluindo os seus órgãos genitais - cai. No seu lugar, é exposto um tampão fúngico branco, "um aglomerado de esporos que irrompe do local onde antes se encontravam os órgãos genitais e o abdómen", explica Matt Kasson, professor associado de micologia e patologia florestal na Universidade de West Virginia. "Parece uma goma branca colada na parte de trás dessas cigarras."

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Cientista segura uma cigarra infetada com o fungo Massospora cicadina. Angie Macias/WVU

Apesar de terem uma goma esporos em vez de órgãos genitais, as cigarras infetadas continuam a tentar acasalar, com gosto. O fungo manipula o comportamento das cigarras, causando o que os pesquisadores, incluindo Kasson, chamam de hipersexualização. Os machos infetados continuam a tentar acasalar com as fêmeas, e também mudam o seu comportamento para atrair os seus companheiros machos. As cigarras saudáveis batem as asas para indicar que estão prontas para acasalar. Tanto os machos como as fêmeas das cigarras infetadas com Massospora batem as asas para atrair os machos que estão prestes a ser infetados.

Mas a tentativa de acasalamento é apenas uma parte da forma como as cigarras infetadas espalham o fungo.

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"As cigarras periódicas têm os genitais entrelaçados. Por isso, quando se separam, adivinhem o que acontece? Rasgam. E depois há uma cigarra a andar por aí com os genitais de outra colados a ela", indica Cooley. "E agora a cigarra que está infetada está aberta."

Assim que o tampão do fungo é rasgado, a cigarra infetada e estripada voa por aí, fazendo chover esporos castanhos e fofos. "Chamamos-lhes os saleiros da morte", observa Kasson. Os esporos dispersos por estas cigarras voadoras continuam a infetar a geração seguinte de cigarras, que surgirão mais de uma década depois e recomeçarão o ciclo.

Cigarras zombies estimuladas por uma anfetamina?

É muito movimento e acasalamento para animais cujos corpos foram despedaçados. Kasson e os seus colegas encontraram uma possível explicação para o facto de estas cigarras continuarem a viver. "Encontrámos uma anfetamina nesses tampões fúngicos, o que fornece uma esclarecimento plausível para a modificação comportamental", esclarece Kasson. Afinal, as anfetaminas são estimulantes poderosos em humanos.

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Cooley acrescenta que, embora as anfetaminas estimulem o sistema nervoso central dos animais vertebrados, os insetos (que são todos invertebrados), como as cigarras, têm sistemas nervosos diferentes e não é claro se esses estimulantes os afetariam da mesma forma.

"Ficamos com este problema, que está a produzir um químico psicoativo poderoso, mas o químico psicoativo poderoso pode não fazer nada aos insetos", analisa Cooley. Na sua opinião, o fungo pode ter um meio diferente de controlar o comportamento das cigarras e que as anfetaminas que produz podem servir para afastar predadores vertebrados de cigarras (e, portanto, de fungos que vivem nas cigarras), como os pássaros.

O aparecimento de cigarras periódicas nesta primavera é digno de nota porque duas ninhadas diferentes irão emergir simultaneamente em regiões vizinhas - cigarras de 17 anos concentradas no norte do Illinois e cigarras de 13 anos em grande parte do centro-oeste e sudeste dos Estados Unidos. Desde 1803 que estas duas ninhadas não se encontram à superfície ao mesmo tempo; no entanto, os cientistas esperam uma pequena sobreposição geográfica das duas ninhadas.

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Kasson espera estudar os insetos infectados das duas ninhadas diferentes e verificar se existem diferenças genéticas entre a Massospora cicadina que infeta as ninhadas de 17 e de 13 anos.

Embora as cigarras sejam comestíveis, Kasson avisa as pessoas que esperam provar os insetos que devem ser exigentes quanto aos que comem: se encontrar cigarras adultas perto do fim da sua vida, ou já mortas, "não as deve pôr na boca", independentemente de estarem ou não infectadas com Massospora cicadina. Se uma pessoa, um cão ou um gato comesse uma cigarra infetada, não seria afetado pelas anfetaminas que contém - a dose é demasiado pequena. E para os fãs de "The Last of Us", a Massospora cicadina só é capaz de infetar cigarras (e apenas as variedades de 13 e 17 anos destes insetos), pelo que a humanidade está provavelmente a salvo de se tornar zombie.

Embora compreenda o receio que as pessoas possam ter em relação ao próximo aparecimento das cigarras, para não falar da grotesca infeção fúngica que até 10% destes insetos podem desenvolver, Kasson lembra: "É um espetáculo biológico. E acho que devemos apreciar isto como uma das maravilhas naturais do mundo."

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