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Calafetar muito, evitar os 18ºC/19ºC, guiar a menos de 100km/h, propor o teletrabalho: como a obrigação que aí vem de cortar energia pode resultar "em melhor qualidade de vida"

É uma das consequências da guerra: os custos da energia estão a escalar e cada país da UE está a preparar um plano para poupar nos consumos energéticos. A proposta para Portugal está a ser desenhada e é entregue no final do mês. Até lá - e depois de lá - há muito que depende só de si - ganha a sua carteira e ganha o ambiente

“Muitas das ações já deveriam estar no terreno.” Para Susana Fonseca, doutorada em Sociologia do Ambiente e vice-presidente da Zero, a redução do uso de energia já deveria fazer parte do dia-a-dia dos portugueses e das empresas, tal como, diz, já se fez outrora, quando havia menos equipamentos e tecnologias. “Uma medida [a adotar] pode ser a calafetagem das portas e janelas, muitas famílias perderam este hábito e passaram a recorrer a equipamentos.”

O uso de ar condicionado é um dos muitos fatores que contribuem para o aumento do consumo de energia por parte das famílias, empresas e indústrias. Pedro Martins Barata, especialista em avaliação e política ambiental, sublinha que “estamos a criar em Portugal um hábito dos tempos modernos, que é o usar como temperatura de referência e conforto na nossa casa os 18ºC-19ºC, o que é comprovadamente não necessário". As temperaturas de referência costumam apontar para os 21ºC-22ºC: "Criaríamos já uma poupança considerável” com isto, aponta Pedro Martins Barata

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Mas na hora de planear uma estratégia para reduzir o consumo de energia de uma nação inteira - em sintonia, mesmo que a dois ou mais ritmos, com os vários países do continente europeu - há um sem fim de fatores em jogo. “É difícil ter um primeiro foco. Cada sector pode dar esse contributo deve ser aproveitado ao máximo”, diz a ambientalista.

“Aqui nada é fácil, é escusado procurar soluções fáceis”, diz Pedro Martins Barata. Embora reconheça que somos dos países com “menos problemas de energia”, o também CEO da Get2C - empresa de consultoria em sustentabilidade especializada em alterações climáticas, carbono e energia - considera que a conjugação do fator guerra com o fator alterações climáticas criou “uma tempestade perfeita do ponto de vista da energia” e à qual Portugal não conseguirá escapar, mesmo que os efeitos colaterais sejam menores do que no resto do continente. “Está a correr mal na Europa”, lamenta.

“Temos de mudar estruturalmente a forma como vivemos, produzimos e consumimos, senão não vamos conseguir sair do buraco em que vivemos. Temos de perceber que temos de ter alguma contenção, não podemos ter tudo. O modelo que temos agora trouxe-nos a esta situação”, aponta Susana Fonseca.

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As restrições que aí vêm

O Plano Para Poupar Energia ainda está a ser elaborado pela Adene - Agência para a Energia, que não adianta à CNN Portugal detalhes das medidas a avançar nem das fases em que vão ser implementadas. Sabe-se apenas que assentam em sete áreas fundamentais: edifícios residenciais; comércio e serviços; indústria; Administração Pública; mobilidade, transportes e frotas; formação e qualificação, com vista a uma melhor gestão dos recursos; e informação e sensibilização, tal como avançou o Expresso. Fonte da entidade garante à CNN Portugal que o prazo de entrega no final de agosto será cumprido e que não foi criada qualquer task force para a função, estando toda a Adene a trabalhar no plano.

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Pedro Martins Barata considera que, “nesta fase, há uma coisa que é sempre prioritária, que é aumentar o esforço da eficiência energética”. O especialista defende que no “muito curto prazo” são os “comportamento de todos nós” aquilo que mais diferença pode fazer, incluindo aqui não apenas as mudanças nos hábitos de consumo e uso de energia por parte das famílias, mas também dos sectores privado e público. 

Susana Fonseca partilha da mesma opinião. Embora defenda que, apesar de “importante”, “apostar apenas em sensibilização não é suficiente”, a socióloga crê que os hábitos são os principais responsáveis pelo escalar da situação. “Isto é um reflexo do que vem de antes, que é o nosso processo de produção e consumo. Querer minimizar os impactos das alterações climáticas achando que se vai manter o estilo de vida é irrealista.” A ambientalista diz que “há coisas que ainda se fazem e que podiam ser evitadas”, tais como usar em demasia os sistemas eletrónicos e aquecimento e arrefecimento das casas, algo que, diz, pode ser evitado se as pessoas e as empresas tiverem mais conhecimento sobre as alternativas. “As pessoas podem querer melhorar mas não sabem como fazer - as empresas de energia podem ajudar a apoiar as populações e pequenos negócios para melhorar o uso de energia, para que seja reduzido.”

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Nesta altura em que Portugal se prepara para seguir o exemplo de vários países europeus com a implementação de medidas de restrição ao uso de energia - seja como forma de fazer frente à pressão imposta pela guerra na Ucrânia, seja também pela seca severa e temperaturas elevadas que se fazem sentir em vários pontos do continente -, há cenários já em vigor lá fora que convém conhecer.

“O que podemos fazer muito rapidamente é adotar medidas como as da Alemanha, como a redução de consumos que não são essenciais, como iluminações públicas publicitárias, a restrição de consumo voluntário, o não aquecer a casa no inverno, não usar demasiado o ar condicionado”, diz Pedro Martins Barata, defendendo que estas são medidas “transversais” e que fazem sentido em todo o país. A Suíça também vai desligar os letreiros luminosos e na Finlândia as famílias foram aconselhadas a reduzir a temperatura do ar condicionado para os 20 ºC nas salas de estar.

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Mas Portugal deveria apostar ainda noutra estratégia alemã, continua Pedro Martins Barata. O especialista defende que as medidas a serem aplicadas pelo governo devem “claramente funcionar por regiões - mesmo no  Regulamento das Características de Comportamento Térmico dos Edifícios temos o país dividido em zonas diferentes, é muito diferente o clima de Lisboa, que é ameno, do clima da Serra da Estrela ou de Trás-os-Montes”.

Uma das medidas alemãs em cima da mesa - mais concretamente em Berlim - é a redução da iluminação de quase 200 edifícios e monumentos, algo que a Zero também defende no seu conjunto de medidas para a resiliência e autonomia energéticas de Portugal.

Seguir o exemplo dos espanhóis nos centros comerciais, dos gregos em casa e dos lituanos no trabalho

Olhando para o exemplo de Espanha, também em Portugal pode fazer sentido reduzir a iluminação das montras e até reduzir o horário de alguns estabelecimentos comerciais. A proposta é da própria Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), que disse estar disponível para discutir medidas de contenção no uso de energia, reconhecendo que os horários de funcionamento dos estabelecimentos portugueses são superiores à média europeia. A CCP admite ainda o controlo de temperaturas em estabelecimentos comerciais ou edifícios de serviços mas defende a “necessidade de garantir o reforço da segurança e policiamento” e incentivos fiscais, para que possam fazer um maior investimento em soluções energeticamente mais eficientes, como lâmpadas LED e painéis fotovoltaicos. 

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Sofia Fonseca olha para os painéis solares como uma alternativa a ter em conta - e em alguns casos pode levar até a uma redução de 30% do valor da fatura. Contudo, apressa-se a dizer que “sol é uma fonte inesgotável mas o aproveitamento implica materiais, não são zero impacto”. A ambientalista defende que “algumas indústrias estão completamente dependentes de gás natural” para a produção de energia, mas que outras podem beneficiar da “distribuição de painéis solares”, sendo o objetivo sempre o mesmo: “temos de melhorar e trabalhar muito o próprio conceito de se ser suficiente” - e propõe a aposta “na produção de energia renovável descentralizada”, através de um “programa de incentivos para alargar o número de agregados familiares e PME produtores de energia renovável”.

Já o plano da Grécia, por exemplo, inclui um programa de 640 milhões de euros para substituição de janelas por outras mais eficientes e para sistemas de aquecimento e refrigeração em edifícios. Susana Fonseca diz que este é o tipo de medidas que “fazem todo o sentido”, mesmo que os resultados não sejam notados no imediato. “Tudo o que permite promover uma maior eficiência e uso ou nem necessitar de usar, como termos janelas melhores, todos esses continuados são positivos. Há apostas a fazer em termos da própria reabilitação de edifícios, melhorar a eficiência. Isso pode demorar mais, são medidas que ao ser implementadas vão ter reflexos a médio e longo prazo.”

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Pedro Martins Barata olha para o aquecimento das casas como uma medida “mais estrutural” e, por isso, “mais complicada”, embora seja um exemplo das medidas “que pode mudar muito” o consumo de energia, apontando o melhor isolamento das casas, tal como a Zero, e o uso de “novos tipos de equipamento de aquecimento e arrefecimento, como as bombas de calor, que são mais eficientes do que o aquecimento elétrico ou a gás natural” como opções a ter em conta. “Este tipo de medidas implica, normalmente, mais coordenação e investimento, o que é sempre mas complicado do que a restrição pura e dura de consumo - implica também algum uso de tecnologia e coordenação de várias agentes”, mas garante que deve ser algo a estar em cima da mesma nas propostas a apresentar pelo governo, uma vez que, defende, “pode parecer que temos muito desperdício, mas o que há é uma má gestão e um mau isolamento”.

Ser como os lituanos e voltar ao teletrabalho e como os finlandeses e meter o pé no travão na autoestrada

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A Lituânia recomenda o regresso ao teletrabalho, uma medida também defendida pela Zero para ser implementada em Portugal, mesmo que seja em regime flexível. “A mobilidade é muito importante, tem de ser mais flexível e suave, temos de viajar menos, fazer mais teletrabalho.”

Entre as várias medidas adotadas pela Finlândia está o limite a velocidade de condução para 100 quilómetros/hora nas autoestradas, uma opção igualmente defendida pela Zero, uma vez que promove a redução do consumo de combustível.

“É importante que comecemos a olhar para isto não como um sacrifício mas como uma forma de tornarmos o país mais resistente a crises. Sempre que preparamos o país para usar menos energia estamos a aumentar a capacidade do país e resistir à crise, estamos a garantir uma maior qualidade de vida”, conclui Susana Fonseca.

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